O Plenário do Senado Federal aprovou nesta terça-feira (15), em dois turnos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2018, que acaba com a possibilidade de perda automática da nacionalidade brasileira de quem obtém outra nacionalidade. O placar ficou com 76 votos a favor na votação em primeiro turno e 73 no segundo turno. Não houve votos contrários. A proposta segue agora para análise da Câmara dos Deputados.
De autoria do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), a PEC 6/2018 foi aprovada com relatório favorável de seu relator, o senador Carlos Viana (PSD-MG), que acatou emenda do colega Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
— Essa proposta de emenda à Constituição é muito singela: ela evita que o brasileiro que mora fora, que trabalha fora, que tenha sua família fora e que tenha a necessidade de adquirir uma cidadania estrangeira venha a perder a cidadania brasileira. É esse o núcleo duro dessa proposta. Então, foi exatamente com esse objetivo que fizemos essa proposta, recebendo solicitações de muitas comunidades brasileiras no exterior, especialmente dos Estados Unidos e do Japão. Peço o apoio, portanto, aos nobres pares — disse Antonio Anastasia antes das votações.
Carlos Viana ressaltou a importância da proposta que, segundo ele, vai trazer tranquilidade a milhões de brasileiros que têm uma segunda nacionalidade, vivem fora do país e estão sob risco de perder a nacionalidade brasileira.
— A legislação brasileira deixa um vácuo em vários aspectos, [permitindo] que uma pessoa que se torne cidadã de outro país possa até perder a nacionalidade brasileira, o que nós entendemos não ter sentido algum. A PEC do professor Antonio Anastasia apenas dá àqueles que tenham uma segunda naturalidade uma tranquilidade de não perderem a cidadania brasileira ou, em hipótese alguma, serem processados por isso — disse o relator.
De acordo com a proposta, a perda de nacionalidade brasileira ficará restrita a duas possibilidades:
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quando a naturalização for cancelada por sentença judicial em virtude de fraude relacionada ao processo de naturalização ou atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
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quando for feito um pedido expresso pelo cidadão ao governo brasileiro, ressalvadas situações que acarretem apatridia.
O texto também afirma que a renúncia da nacionalidade não impede que a pessoa venha a se naturalizar brasileira posteriormente.
De acordo com a legislação atual, perde a nacionalidade o brasileiro que tiver cancelada sua naturalização por sentença judicial em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; ou que adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira e de imposição de naturalização ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.
A proposta retira do texto constitucional a possibilidade de perda de nacionalidade por “atividade nociva ao interesse nacional”. O relator, no entanto, aceitou emenda do senador Fernando Bezerra Coelho que especifica que a fraude deve ser relacionada ao processo de naturalização ou a atentado contra a ordem constitucional e o Estado democrático.
A emenda de Bezerra também retira da proposta a ressalva de que, em caso de fraude, a pessoa não perderia a nacionalidade caso viesse a se tornar um apátrida, ou seja, sem qualquer nacionalidade.
“Mostra-se injustificada a adoção dessa exceção de forma absoluta. Isso porque na hipótese, por exemplo, de ter sido identificado que um processo de naturalização foi fundado sobre a constituição de provas falsas ou fraude, deve-se admitir a possibilidade de que seja cancelada a naturalização dele resultante, ainda que esse cancelamento tenha como consequência gerar apatridia”, argumenta o senador.
Com o acolhimento da emenda de Bezerra, Carlos Viana considerou prejudicada a emenda do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em 2019.
Carlos Viana afirmou também que a PEC 6/2018 não muda decisão já pacificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que proíbe deportação de brasileiro para outro país.
— Essa PEC não entra em qualquer conflito ou gera qualquer mudança em decisões do nosso Supremo Tribunal Federal concernentes a essa questão sobre brasileiros fora do nosso país. Ela apenas preenche alguns pontos importantes. A questão de brasileiros condenados no exterior e o cumprimento de penas; a PEC não entra nesse assunto. O Supremo Tribunal Federal já decidiu, já é matéria pacificada, que brasileiros que tenham sido eventualmente condenados, transitados em julgado, no exterior e que estejam em território nacional, esses brasileiros cumprem a sentença no território brasileiro e não serão, em hipótese alguma, deportados; cumprirão de acordo com as regras e naturalmente com a legislação do nosso país. Essa preocupação sobre brasileiros não existe — disse o relator.
A proposta original estabelecia ainda que o brasileiro que tivesse renunciado à nacionalidade e quisesse recuperá-la deveria se submeter a um processo de naturalização. A emenda de Bezerra retirou essa exigência de abertura de um processo de naturalização, estabelecendo apenas que “a renúncia da nacionalidade não impede o interessado de readquirir sua nacionalidade brasileira originária”.
— Por exemplo, a pessoa que por uma decisão qualquer tenha aberto mão da cidadania brasileira e tenha se tornado estrangeira e, em determinado momento da vida, decida voltar a viver no Brasil, a legislação obriga essa pessoa a fazer uma nova naturalização. Ora, não há sentido. É brasileiro, nascido, tem suas ligações, sua cultura. É muito melhor que ele reassuma essa cidadania de uma forma automática. Então, essa lacuna fica sendo preenchida em relação a isso — explicou o relator.
Sobre isso, Carlos Viana lembrou as palavras do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que foi relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ). Segundo Pacheco, é possível defender que a nacionalidade originária deve ser protegida ao máximo, pois deriva de um fator relacionado ao nascimento da pessoa. “Em síntese, ou a pessoa nasceu no Brasil, ou é filha de brasileiro ou brasileira. Ademais, os fatores que causaram a renúncia da nacionalidade brasileira em geral estão relacionados à formação de família no exterior ou de carreira profissional, não implicando necessariamente um distanciamento das origens brasileiras”, afirmou ele na ocasião.
O senador Paulo Rocha (PT-PA) também apoiou a aprovação da PEC, argumentando essa proposta se alinha aos instrumentos internacionais que protegem a nacionalidade, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção Americana de Direitos Humanos.
O líder do Patriotas no Senado, senador Flávio Bolsonaro (RJ), também apoiou a PEC.
— Na primeira orientação como líder do Patriota, é uma grande honra orientar o voto sim a essa PEC meritória do senador Anastasia. Brasileiros natos que possuem uma nacionalidade estrangeira e abrem mão dela tornarem-se apátridas realmente é algo que precisava ser corrigido no nosso encaminhamento jurídico — afirmou Flávio Bolsonaro.
O senador Esperidião Amin (PP-SC), por sua vez, lembrou sua origem.
— Eu voto sim com alguma emoção, porque, como filho de imigrante por parte de mãe e por parte de pai, eu, várias vezes, me defrontei com pessoas com situação similar que, neste momento, devem estar precisando disso mais ainda, em função de vários problemas que o mundo vem enfrentando além da pandemia — registrou Esperidião Amin.
O senador Marcos Rogério (DEM-RO) ressaltou que a PEC retira da Constituição a hipótese de perda de nacionalidade brasileira em casos de aquisição de outra nacionalidade e possibilita que a pessoa que tenha renunciado à nacionalidade brasileira possa obtê-la novamente de maneira mais fácil.
— Portanto, a medida objetiva impedir que brasileiros percam a nacionalidade, pois em tempos de intenso fluxo de pessoas entre os países, seja por motivo de trabalho ou de laços familiares, elas acabam se vendo obrigadas a fixar residência em países diversos de sua terra natal — afirmou Marcos Rogério.
Caso Claudia Hoerig
A PEC 6/2018 foi inspirada no caso da brasileira Claudia Hoerig, que teve a perda da nacionalidade brasileira decretada por ter se naturalizado norte-americana. Conforme observou Anastasia à época, o caso trouxe à discussão o tema da dupla cidadania ou da perda de nacionalidade brasileira, regulado pelo artigo 12 da Constituição.
Em 2019, ela foi condenada nos Estados Unidos pelo assassinato do marido, ocorrido em 2007. Refugiada no Brasil, Claudia foi extraditada para os Estados Unidos, apesar de a Constituição proibir a extradição do brasileiro nato para responder por crimes no exterior. Isso só pôde acontecer porque o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que Claudia deixara de ser brasileira, por vontade própria, para tornar-se unicamente cidadã norte-americana, antes da data do assassinato.
Essa decisão, no entanto, foi inédita, de acordo com o senador Anastasia. Ele explica que, desde a promulgação da Constituição, não era notória a abertura de ofício de processo de perda de nacionalidade decorrente de naturalização.
Por causa disso, o relator da PEC, Carlos Viana, afirma que o grande mérito da proposta é trazer segurança jurídica aos brasileiros, tendo em vista que a matéria se situa numa zona cinzenta.
A PEC 6/2018 recebeu cartas de apoio das câmaras municipais de Ouro Fino (MG) e de Campinas (SP), de cidadãos e de associações.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)