Em julgamento de ação civil pública apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas, a Justiça Federal condenou a União a realizar reforma estrutural e sanitária na Casa de Saúde indígena(Casai) de Manicoré (a 330 quilômetros de Manaus) ou providenciar uma nova sede para o órgão.
O processo foi iniciado em 2016, após visita de representantes do MPF à cidade em duas ocasiões em que foi verificada a situação precária a que os indígenas em tratamento na Casai eram submetidos. Desde 2017, uma decisão liminar já obrigava a União a realizar a reforma. Agora, a sentença proferida recentemente confirmou todas as determinações da decisão liminar.
O prazo concedido pela Justiça para apresentação do cronograma da reforma é de 30 dias e o início das obras deverá ocorrer logo após este prazo. Caso a União opte por construir uma nova sede ou alugar outro espaço para a Casai Manicoré, o prazo indicado na sentença é de 90 dias.
Durante inspeção realizada em 2015, o MPF flagrou diversas situações irregulares como cozinha inapropriada; falta de alimentação por mais de um mês, tendo os próprios funcionários que custear o café da manhã; dormitórios com infiltração, sujeira, pouquíssima ventilação natural e ventiladores extremamente sujos; ausência de estabelecimento adequado e adaptações aos indígenas Pirahã de recente contato, com dificuldades para expressão e entendimento na língua portuguesa.
Em nova visita realizada à Casai pelo MPF em 2016, foram constatadas as mesmas irregularidades e, ainda, identificou-se situação precária de armazenamento de medicamentos, com ratos, resíduos de lixo e estrutura deteriorada do prédio.
Diante dos pedidos apresentados na ação para solucionar todos esses problemas, a Justiça também obrigou a União a providenciar as contratações devidas para compra e armazenamento de alimentos adequados às especificações culturais e doenças dos pacientes indígenas, bem como à construção de espaços adequados para a cozinha e para guarda e administração de medicamentos. Pela sentença, a União deverá também adquirir novos veículos e providenciar o conserto e manutenção permanente dos que se encontram parados na Casai Manicoré.
A ação civil pública tramita na 1ª Vara Federal no Amazonas, sob o nº 0010368-47.2016.4.01.3200. Cabe recurso em relação à sentença.
Situação de extremo perigo – Na ação, o MPF afirma que o mal funcionamento do serviço de saúde coloca em situação de extremo perigo os povos indígenas que dele necessitam. Além do mais, a estrutura decadente em que se encontra a Casai Manicoré configura total desrespeito e afronta aos direitos indígenas constitucionalmente garantidos, não só dos que a procuram para tratamento, mas também dos próprios funcionários.
As Casai’s são, ao lado das unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), um importante componente no Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, tendo como função principal estabelecer um elo entre as aldeias e as unidades do SUS localizadas no município de referência. Conforme previsto na Lei nº 8.080/90, compete exclusivamente à União o financiamento do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, que complementa o SUS.
Segundo a Justiça, não há como a União deixar de se submeter à Constituição, às leis do país e a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao proporcionar, por omissão, mais danos aos povos indígenas da região, em razão da precariedade de estrutura da Casai. Trecho da sentença considera ainda que a União destina verbas específicas para a manutenção da Casai e que, no caso, elas não são empregadas corretamente, “não cabe aos povos indígenas de Manicoré pagar pelos desvios ou má administração dos recursos federais”.
MPF na Comunidade – O inquérito civil que apurou o caso foi instaurado no MPF a partir das inspeções realizadas durante a 9ª edição do projeto MPF na Comunidade, realizada no município de Manicoré em 2015. O projeto visa promover a aproximação entre a sociedade e a instituição e colher demandas relacionadas às áreas de atuação do MPF no interior do Estado. Em 2016 representante do MPF retornou ao município para acompanhar audiência pública sobre a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Manicoré e na ocasião realizou nova inspeção, verificando que a situação da CASAI era ainda pior.