O relator da CPI de Brumadinho, senador Carlos Viana (PSD-MG), disse nesta terça-feira (21) ter “instrumentos jurídicos” para pedir o indiciamento de funcionários da companhia Vale S.A. pelo rompimento da barragem que matou 241 pessoas e deixou 29 desaparecidas em janeiro deste ano. Segundo o parlamentar, “provas técnicas” colhidas pela comissão parlamentar de inquérito apontam os responsáveis pelo desastre. O relatório final deve ser apresentado no dia 2 de julho.
— As provas técnicas são muito diferentes daquilo que tem sido dito nos depoimentos. A troca de e-mails, as confirmações periciais e os relatórios técnicos apontam claramente para a responsabilidade, que será dividida entre cada um. Há no Brasil hoje instrumentos jurídicos suficientes para que a gente possa declarar perante juízo a responsabilidade de cada um por uma série de situações. Há inclusive um muito conhecido em nosso país, que é o chamado domínio do fato — afirmou Carlos Viana.
A teoria do domínio do fato foi adotada como fundamento pelo então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa para pedir a condenação do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu na ação penal 470, conhecida como o Caso do Mensalão. De acordo com esse entendimento, diretores de empresas, chefes de órgãos públicos e demais detentores de funções de chefia podem ser responsabilizados penalmente por crimes ocorridos no interior das respectivas instituições.
A CPI aprovou na reunião desta terça-feira um requerimento do senador Jorge Kajuru (PSB-GO) para uma acareação entre seis funcionários e ex-diretores da Vale. Devem participar o ex-presidente da companhia, Fábio Schvartsman; o ex-diretor operações do corredor Sudeste, Silmar Magalhães Silva; o ex-diretor de Ferrosos e Carvão, Gerd Poppinga; o gerente operacional no Complexo Minerário Paraobeba, Rodrigo Artur Gomes de Melo; o gerente-executivo de Geotecnia Operacional afastado, Joaquim Toledo; e o gestor de Riscos Geotécnicos Felipe Figueiredo Rocha.
— Os vários depoimentos de funcionários graduados e diretores da empresa seguiram um fio comum: o de negar qualquer conhecimento de eventual risco que poderia ser oferecido pela mina Córrego do Feijão. Entretanto, em uma das oitivas houve uma quebra dessa unidade, quando o engenheiro Felipe Figueiredo Rocha assegurou que relatórios sobre barragens em zona de atenção foram encaminhados ao escalão superior da Vale. Ou seja: há clara contradição entre o que declarou Felipe Rocha e demais depoentes. Isso exige que se faça uma acareação — argumenta Kajuru.
“Barragem tenebrosa”
Um dos convocados para a acareação, o gerente-executivo de Geotecnia Operacional afastado Joaquim Toledo prestou depoimento à CPI nesta terça-feira. Preso temporariamente em fevereiro, ele é apontado pelo Ministério Público de Minas Gerais como alguém em “posição de destaque” dentro das atividades de estabilidade da barragem.
No início do interrogatório, o senador Carlos Viana leu trechos de e-mails trocados entre funcionários da mineradora e empresas responsáveis por auditorias de segurança em Brumadinho. As mensagens eletrônicas alertam para a possibilidade liquefação da barragem e para divergências na leitura de equipamentos que deveriam monitorar a estrutura.
Em um dos e-mails, Joaquim Toledo admite que “a barragem é mais tenebrosa que imagino”. Apesar disso, o gerente da Vale disse durante o depoimento à CPI que não havia elementos que justificassem a interdição do equipamento. Ele alegou que só usou o adjetivo “tenebrosa” para se referir à barragem porque fez “confusão” ao interpretar uma mensagem que alertava sobre a presença de um bloco de canga aos pés da estrutura.
— Ao receber a informação do geólogo, tive a percepção de que o bloco poderia estar conectado à estrutura. Mas fui informado de que se tratava de um boco externo, bem anterior à instalação da barragem. Isso desfez meu entendimento inicial. Medidas foram acertadas para estabelecer um nível de controle adequado. Fiz uma leitura equivocada da informação. Houve uma confusão de minha parte. Fui incisivo no adjetivo usado porque fiquei muito preocupado — disse.
Os senadores deveriam tomar o depoimento de outros dois funcionários da Vale: Luciano Siani Pires, diretor de Finanças e Relação com Investidores; e Lúcio Cavalli, ex-diretor de Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos e Carvão. Mas a presidente do colegiado, senadora Rose de Freitas (Pode-ES), decidiu dispensar os convocados “em protesto” contra “as mentiras” apresentadas pelos depoentes ao longo dos trabalhos da comissão.
— Em absoluto protesto, tomamos a decisão de não colher os depoimentos. Durante todo esse tempo, ficamos à mercê de todas as declarações. O último depoimento realizado aqui foi absolutamente mentiroso. Absurdamente mentiroso. Trabalhemos na fase final com a Polícia Federal e o Ministério Público e teremos condições de checar informação por informação — afirmou Rose.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)