Criação de varas para julgar organizações criminosas divide opiniões em debate na Câmara
Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Advogados e magistrados discutem as mudanças em análise na Câmara
A criação de varas colegiadas para julgar, em primeira instância, crimes praticados por organizações criminosas dividiu opiniões em audiência pública nesta terça-feira (21) na Câmara dos Deputados. O debate foi promovido pelo grupo de trabalho que analisa os projetos anticrime e anticorrupção (PL 882/19) propostos pelos ministros da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e por uma comissão de juristas coordenada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes (PLs 10372/18 e 10373/18).
Advogado e especialista em direito constitucional penal, Benedicto de Figueiredo Neto disse que o Congresso está sendo obrigado a participar de uma reforma dos códigos Penal e Processual Penal que “se esquece que as leis penais são feitas para garantir o direito do réu no processo”.
Segundo ele, a criação de julgamentos colegiados em primeira instância para organizações criminosas afronta o texto constitucional e retira do cidadão o direito de saber quem vai processá-lo e julgá-lo. “Trata-se de proposta completamente inconstitucional e está para criar o tribunal de exceção. O princípio da identidade física do juiz natural, que é um direito constitucional, vai por água abaixo”, observou.
Na avaliação do doutor em Ciência Política Fernando Fernandes, apesar de decisões colegiadas trazerem sempre mais segurança jurídica, o objetivo das propostas ao criar varas coletivas é tornar a sentença executável já em primeira instância. “A proposta não vem com o intuito de democratizar o Judiciário, vem com uma malandragem: permitir a execução em primeira instância em um País com falhas na investigação e onde apenas 8% dos crimes são elucidados”, criticou.
Segurança do magistrado
A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) rebateu as críticas de Figueiredo Neto. Segundo ela, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou o entendimento de que as varas coletivas não ferem o princípio do juiz natural – princípio que busca garantir julgamento por órgão do Judiciário previamente estabelecido e imparcial. Zambeli disse que o debate deve passar também pela segurança dos magistrados. “Será que não devemos também nos preocupar com a segurança dos magistrados?”, indagou.
O promotor de Justiça do Ministério Público de Rondônia Samuel Gonçalves também compactua com tese de que é fundamental assegurar o direito do acusado de conhecer seu julgador. Ele esclareceu que a figura do juiz sem rosto não se confunde com a vara colegiada, onde se conhece os julgadores. Gonçalves, no entanto, questionou a eficiência da instrução do processo em varas colegiadas. “Se a vara fica na capital, como garantir as investigações no interior do estado?”, perguntou.
Gonçalves levantou ainda dúvidas sobre a eficácia da criação de varas colegiadas em primeira instância para garantir a segurança de magistrados. “O fato de termos cinco julgadores aumenta a segurança aos magistrados?”
A juíza de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo Maria de Fátima Gomes lembrou que as varas colegiadas já são uma realidade em Alagoas e no Rio de Janeiro. Segundo ela, no entanto, a decisão de criar ou não essas estruturas deve ser do juiz ou do tribunal. “Não há como proibir ou obrigar a criação de varas coletivas. Isso deve ser feito a pedido do juiz ou ficar a critério do tribunal. A estrutura de cada tribunal terá que ser analisada”, disse.