22/05/19 12h10
Alinhar políticas industriais e de inovação e facilitar a colaboração entre empresas e universidades são algumas das sugestões
Pequenas Empresas e Grandes Negócios
Nos últimos 20 anos, o Brasil concretizou diversas políticas e programas voltados a fortalecer a capacidade de inovação no setor produtivo. O país aumentou os investimentos em ciência e tecnologia, estimulou a interação em pesquisa entre empresas e universidades e fomentou a criação de novas instituições voltadas a facilitar a pesquisa e desenvolvimento (P&D) na iniciativa privada.
Apesar de algum sucesso nessa trajetória, como a consolidação de uma indústria de aviões líder global na produção de jatos comerciais – a Embraer –, a exploração de petróleo na camada do pré-sal pela Petrobras e o desenvolvimento de automóveis com motores híbridos, movidos a gasolina ou a etanol, a agenda da inovação no Brasil não avançou no ritmo necessário. Mais recentemente, egressos das melhores universidades no país tem criado empresas startups de baseadas em conhecimento e algumas dessas tornaram-se unicórnios – empresas que valem mais de US$ 1 bilhão.
Para impulsionar a inovação, de modo a permitir aumentar a produtividade e o crescimento econômico do país e colocá-lo na rota de desenvolvimento no século 21, é preciso implementar um conjunto de ações estratégicas, sugerem os autores do livro Innovation in Brazil: Advancing development in the 21st century, lançado em abril nos Estados Unidos e na semana passada no Brasil, no Museu de Arte Moderna (MAM), com um debate sobre os desafios relacionados à inovação.
Entre essas ações, eles propõem aprofundar o envolvimento do Brasil com a economia global, alinhar políticas industriais e de inovação, facilitar a colaboração entre empresas e universidades, apoiar a inovação institucional e promover setores estratégicos.
Resultado de um projeto financiado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o livro reúne reflexões de pesquisadores do Industrial Performance Center (IPC) do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos, e acadêmicos, empresários e especialistas em política científica e tecnológica no Brasil, sobre os desafios para a criação de um ambiente mais favorável à inovação no país. O livro ganhará uma edição em português, prevista para ser lançada em outubro.
“O livro é binacional, no sentido de que tem uma participação muito equilibrada de autores dos Estados Unidos e do Brasil. Além disso, é interdisciplinar, uma vez que, entre os autores, há economistas, sociólogos, engenheiros, físicos e empresários. Isso permite ter perspectivas distintas sobre a inovação”, disse Ben Ross Schneider, coordenador do IPC-MIT e um dos editores do livro, durante o lançamento da publicação em São Paulo, na última quinta-feira (16/05).
Os autores do livro – entre eles, Carlos Américo Pacheco e Carlos Henrique de Brito Cruz, respectivamente, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) e diretor científico da FAPESP – destacam que o Brasil lidera os investimentos em P&D na América Latina ao despender mais do que o dobro da média de recursos dos outros países e ser responsável por cerca de dois terços dessa atividade na região.
Eles também apontam que o Brasil também é um dos principais investidores em P&D entre os países de renda média, juntamente com a Malásia e a Rússia. Os gastos do país para essa finalidade – equivalente a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) –, contudo, ainda são baixos, representando cerca da metade dos níveis dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Porém, destacam, o investimento do Brasil em P&D nas últimas décadas também teve pouco impacto na produtividade, o número de registros de patentes por empresas no país continua baixo e a maioria das inovações feitas pelo setor privado é focada em produtos e processos voltados ao mercado interno.
Uma das razões para as inovações brasileiras serem mais locais, na avaliação dos autores, é a baixa integração do país, assim como de muitas outras nações de renda média, com a economia mundial.
“O Brasil continua a ter uma das economias mais fechadas do mundo. Para a inovação avançar é preciso de uma maior integração à economia mundial para alavancar tecnologias e entrar em novos mercados”, disse Elisabeth Reynolds, diretora-executiva do IPC-MIT e também editora do livro, durante um debate sobre os temas abordados na publicação.
As importações e exportações brasileiras estão quase no mesmo patamar de Mianmar, representando apenas um quarto do PIB. E apesar de o país ter liberalizado seu comércio na década de 1990, continuou a proteger setores como o automotivo e o de têxteis, em parte porque empregam muitos trabalhadores.
Esses setores fazem investimentos significativos em inovação. O automotivo, por exemplo, é responsável por cerca de um quarto dos investimentos em P&D feitos pelas indústrias no Brasil. No entanto, a P&D feita pela indústria automobilística nesse ambiente econômico fechado e sob proteção resulta em inovações que são novas para o mercado brasileiro, mas não necessariamente para o mundo. “Isso limita as oportunidades de exportações pelo Brasil”, analisam os autores.
Algumas ações para superar esses obstáculos apontadas pelos autores são a redução de tarifas sobre insumos voltados à P&D e de tecnologias utilizadas na produção industrial, promover políticas para atrair investimentos em P&D de empresas multinacionais, fomentar repercussões de investimentos estrangeiros diretos em inovação e diminuir barreiras à entrada de imigrantes qualificados, especialmente cientistas e engenheiros.
Apesar de o Brasil ter sido relativamente bem-sucedido em atrair centros de pesquisa de multinacionais nos últimos anos, as políticas voltadas a promover transbordamentos significativos desses investimentos estrangeiros diretos em inovação têm tido menos sucesso. Isso limita o fluxo de conhecimento e de insumos-chave do exterior para promover a inovação em empresas brasileiras, apontam os autores.
“É preciso fazer com que a troca de bens, serviços, ideias, capital e pessoas entre o Brasil e o mercado externo seja mais fluida”, afirmou Reynolds.
Papel das universidades
De acordo com os autores, uma das lições que o Brasil pode aprender a partir das experiências de outros países que também procuraram aumentar a capacidade de inovação nas últimas décadas é que, em comum, incluíram em suas estratégias o fortalecimento das universidades como parceiras das indústrias e do governo em pesquisas que podem resultar em desenvolvimento econômico.
No Brasil, as universidades evoluíram nas últimas décadas, embora de forma desigual, ao adotar uma abordagem que associou a busca de excelência em educação de seus estudantes à incorporação iniciativas relacionadas ao desenvolvimento econômico e ao empreendedorismo.
Alguns dos desafios enfrentados para traduzir o conhecimento científico e técnico gerado por essas instituições de pesquisa em novos produtos, processos e serviços pelo mercado, contudo, são pequeno número de engenheiros formada no país, o alto custo de insumos para P&D devido a políticas protecionistas e o limitado número de parceiros no setor privado dispostos a investir em tecnologias em estágio inicial, apontam os autores.
“Algumas universidades brasileiras, como a USP, a Unicamp, a Unesp e a URFJ, já mantêm muita colaboração com empresas. Isso pode ser medido pela quantidade de recursos que captam do setor privado para a realização de pesquisas em colaboração – o patamar é o mesmo das melhores universidades americanas –, pela publicação de artigos em coautoria, ou pelo número de patentes em cotitularidade. Mas há muito espaço para aumentar essa interação e me parece ser o momento para se buscar iniciativas que as universidades podem adotar, exercendo sua autonomia, para se tornarem mais eficazes em educação, pesquisa fundamental e pesquisa em colaboração com empresas”, avaliou Brito Cruz.
“Na FAPESP somos constantemente procurados por um grande número de empresas, principalmente do exterior, em busca de oportunidades de colaboração em pesquisas avançadas com universidades no Estado de São Paulo. Isso mostra que a qualidade das universidades é reconhecida mundialmente”, afirmou.
Na opinião de Fernanda de Negri, coordenadora de pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e também uma das autoras do livro, há muitas áreas no Brasil nas quais poderiam ser aplicados os conhecimentos gerados pelas universidades e instituições de pesquisa. Essas áreas, como saúde, mobilidade urbana e energia, poderiam ser priorizadas nos investimentos em pesquisa por meio de fundos específicos.
“No Brasil, não temos estabilidade de fundos de financiamento para ciência e tecnologia. Isso torna muito difícil para as universidades planejarem seus investimentos em pesquisa”, disse.
“A criação de fundos de pesquisa orientados para áreas específicas pode ser uma boa estratégia para priorizar ou utilizar melhor os fundos para ciência e tecnologia no país”, sugeriu Negri.
Outras áreas ou setores estratégicos nos quais o Brasil poderia aumentar os incentivos para inovação apontados pelos autores são em energias renováveis, como a eólica, a solar, a térmica e os biocombustíveis.
“Em biocombustíveis, etanol de segunda geração e ‘química verde’, o Brasil está mais próximo da fronteira tecnológica”, avaliou Bernardo Gradin, fundador e presidente da GranBio – uma empresa brasileira de biotecnologia industrial.