* Dimas Ramalho
* Mariana Mársico Azadinho
A autoestima de nossa nação já esteve melhor. Não é necessário listar os problemas que o Brasil acumula e tampouco se quer fazer deste texto um lamento. Melhor olhar para além de reformas legislativas e das contas no vermelho. Busca-se aqui falar das raízes desse cenário angustiante e do que está sendo feito para mudá-lo no longo prazo.
Comecemos pela origem. A percepção dos brasileiros é de que convivem com graus elevados de corrupção. Fala-se em percepção porque não há formas de se mensurar os atos e as transações ilícitas em si, por terem caráter oculto e pulverizado. Pode-se dizer que o desalento com a própria nação vai para além dos escândalos bilionários que alimentam a imprensa. No fundo, cada um de nós lamenta também o fato de a nossa sociedade não conseguir respeitar regras básicas de convívio, seja ao utilizar indevidamente uma vaga reservada no estacionamento, ao não devolver o troco recebido a mais no caixa da padaria ou ao ignorar sistematicamente normas éticas e morais em benefício próprio. Fato é que a corrupção não é um fenômeno natural e inevitável. Passa pelo por escolhas individuais que, ao fim, consolidam práticas renitentes em nossas organizações.
O que nos falta? Acadêmicos das ciências sociais diriam que o Brasil tem um baixo grau de “capital cívico”. Isso quer dizer que é pouca a confiança mútua entre nós. As pessoas não são estimuladas a fazer o certo, já que elas acreditam que é pequena a probabilidade de os demais também fazerem o certo. Os efeitos são perversos e gigantescos. Deixamos de nos desenvolver e de enriquecer como sociedade porque não confiamos nas condutas de nossos compatriotas, minando o espírito colaborativo, que permitiria a união de forças para a solução dos problemas nacionais.
Esse diagnóstico não nos sentencia ao eterno subdesenvolvimento. O crescimento do capital cívico de uma nação, porém, requer muito mais que decretos ou projetos de lei. A mudança depende menos de governantes e mais da própria sociedade, que pode converter o inconformismo em ação. É isso o que vem sendo feito pelo projeto “OAB Vai à Escola”, criado no Estado de São Paulo há 20 anos para fomentar, na prática, a formação de consciência e senso de responsabilidade dos cidadãos.
Tivemos a oportunidade de participar dessa iniciativa no município de Taquaritinga e compreendemos seu potencial. Advogados voluntários se encontram com estudantes da rede pública e privada para conversar sobre os fundamentos da democracia, direitos e deveres básicos do cidadão e problemas sociais mais comuns na localidade. Ciente de sua missão ampliada, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo aceitou o convite para se aliar ao projeto. A instituição cedeu exemplares de um gibi da Turma da Mônica feito pelo Instituto Cultural Mauricio de Sousa a pedido do TCE-SP especificamente para fomentar o controle social entre crianças e adolescentes a partir de atividades realizadas em escolas públicas desde 2016.
É como o plantio de árvores. Ao dialogar com alunos sobre valores éticos e formação política, não mudaremos o Brasil no ano seguinte. No entanto, estamos combatendo um círculo vicioso que hoje corrói nossa capacidade de transformar o país. Queremos contribuir com os professores, nem sempre valorizados como merecerem, na nobre missão de mostrar aos jovens que vale a pena fazer o certo porque seus colegas, amigos e familiares esperam isso deles e agirão da mesma forma. Sempre ouvimos que “a educação é a base de tudo”, mas esse lugar-comum continuará um lema vazio enquanto não utilizarmos a sala de aula como ambiente de fomento da cidadania, visando uma sociedade mais justa e participativa. Não é fácil. Indivíduos, instituições públicas, terceiro setor e capital privado têm de abraçar a causa e dar as mãos com a escola.
* Dimas Ramalho é Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
* Mariana Mársico Azadinho é advogada e professora universitária.