19/04/2021 – 18:07
TV Câmara
Luiz Justino contou que foi preso sem motivo
O relato da prisão do músico Luiz Carlos da Costa Justino, ocorrido em novembro do ano passado em Niterói, marcou a reunião da última sexta-feira (16) do grupo de trabalho formado por juristas negros que analisam mudanças na legislação brasileira para combater o racismo estrutural. O músico voltava de uma apresentação de rua, em um projeto social, quando foi abordado e preso sem direito a explicações.
“Eu fiquei sabendo depois, pelo advogado, o que estava acontecendo comigo. Me senti como um escravo na senzala, aqueles filmes que a gente vê na TV”, relatou Justino, que ficou preso por cinco dias. Ele disse que o ocorrido está afetando a vida pessoal dele e a convivência com a família. “Afetou tanto minha filha que ela tem sonhos com isso. Ela fala assim: ‘papai, vi polícia dentro do meu olho’. E eu falo o que depois disso?”, questiona.
Luiz Justino foi preso por ter semelhanças com um suspeito. O juiz responsável pela soltura do músico foi André Nicolitt, um dos 22 juristas negros que compõem a comissão. Depois do ocorrido, jovens que passaram por situação semelhante incentivaram o músico a expor sua situação, para tentar mudar essa realidade. Por isso, ele se inscreveu para falar na audiência pública, aberta para pessoas e grupos que quisessem contribuir com a comissão.
Foi o caso também da Associação dos Juízes para a Democracia, representada pelo desembargador Ciro Darlan, do Rio de Janeiro, que apresentou dez páginas de propostas e fez uma dura autocrítica à atuação dos magistrados brasileiros.
“O Poder Judiciário, hoje, se parece muito com o capitão do mato do tempos da escravidão, e são os juízes os principais responsáveis por esse racismo estrutural. É preciso que eles sejam educados em humanismo”, afirmou.
Sequelas
O depoimento tocou o coordenador do Grupo de Trabalho dedicado ao racismo no sistema de justiça criminal, Cleifson Dias Pereira. Emocionado com o relato, ele reconheceu que a situação se repete com frequência.
“Essa experiência marca a sua vida, mas traz sequelas para toda a população negra. Sua história é a de milhares de pessoas negras em todo o Brasil”, disse.
Formação de agentes
A delegada aposentada Jussara Souza se empenha na formação de agentes de segurança anti-racistas. Para ela, que é negra, a educação dos agentes é fundamental, mas as punições por abuso também precisam ser mais efetivas.
“Nós precisamos de corregedorias fortes para persecução efetiva dos crimes de abuso de autoridade. Câmeras instaladas na indumentária dos servidores, dos agentes públicos, eu acho imprescindível.”
Mentalidade racista
Além das dezenas de pessoas e grupos empenhados no combate ao racismo, a audiência teve abertura do jurista Nilo Batista, referência na crítica ao sistema criminal brasileiro, e para quem as mudanças legais são necessárias. Ele cobra, porém, uma mudança também na mentalidade de toda a sociedade, especialmente entre os brancos.
“Todo mês se repete a morte de um garoto que tem 4,5, até 7 anos, de uma menina negra, por conta da leviandade com que se dispara uma arma de fogo nas favelas cariocas. Isso não desperta a mesma indignação que o caso de um garoto branco de classe média morto por um padrasto aparentemente cruel e uma mãe aparentemente omissa”, criticou.
Outras 8 entidades também apresentaram seus relatos e propostas na mesma audiência pública da comissão de juristas para o combate ao racismo estrutural e institucional.
Reportagem – Lincoln Macário
Edição – Ana Chalub