A ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), afirmou a povos indígenas, na última terça-feira (21/03), que pautará, ainda no primeiro semestre deste ano, o processo que discute o fim do marco temporal da demarcação de terras. A fala ocorreu ao final da visita à Aldeia Paraná, no Vale do Javari (AM).
A questão é tratada no Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral, que discute se a data da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) deve ser adotada como marco temporal para definição da ocupação tradicional da terra por indígenas. O julgamento já teve início, mas foi interrompido por pedido de vista e voltará à pauta de julgamentos.
A ministra Rosa Weber esteve no Amazonas com uma comitiva de magistrados do CNJ entre segunda (20) e terça (21) para missão que visa a aproximar o Poder Judiciário das populações indígenas. O grupo se deslocou para a aldeia em um helicóptero do Exército brasileiro, do 4.º Batalhão de Aviação do Exército. Os oficiais presentearam a ministra com um distintivo do batalhão, que busca promover maior conhecimento sobre a Amazônia.
Na chegada à aldeia, que agrega o povo Marubo, Rosa Weber ouviu de diversas lideranças preocupações com o aumento da vulnerabilidade da comunidade e das florestas em razão do avanço do garimpo, do sucateamento da Funai e da falta de políticas públicas. Um dos principais pleitos foi a retomada do julgamento sobre o marco temporal. Lideranças e indígenas defenderam que a imposição de marco representa ameaça aos povos indígenas.
“Pedimos que o Supremo Tribunal Federal adote a correta interpretação da Constituição Federal, que garante que o governo federal proteja nosso território. Antes de 1.500 a gente já estava aqui, não podemos ficar submetidos a um marco temporal. […] A não aprovação da tese do marco temporal é importante para a manutenção dos direitos conquistados pelo movimento indígena ao longo da história”, afirma documento assinado pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e lido pelas lideranças.
A ministra ouviu relatos de lideranças ameaçadas de morte pelos garimpeiros. Eles agradeceram a presença do Estado na aldeia, afirmaram ter um grande respeito pelo STF, mas pediram que a Corte faça com que os direitos indígenas sejam efetivados na prática. A indígena Nazaré Marubo falou durante o encontro em sua língua indígena e pediu ajuda para manter o meio ambiente saudável.
Material informativo em língua indígena
Na aldeia Paraná, assim como no Município de Tabatinga, o Poder Judiciário lançou e disponibilizou materiais gráficos, com informações judiciais, traduzido para 4 línguas indígenas de modo a atender os povos Marubo, Kanamari, Tikuna e Matis, todos da região do Alto Solimões. Os cartazes, com informações sobre audiência de custódia, integram um projeto desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio do “Fazendo Justiça” e do Poder Judiciário Estadual, por meio da Escola Superior da Magistratura do Amazonas (Esmam).
Na cerimônia de entrega de cartazes, ocorrida em Tabatinga, a coordenadora do projeto em âmbito estadual, juíza Andréa Jane Medeiros, em discurso, destacou a importância da iniciativa. “A ação da Justiça que aqui se observa, é a que resulta no alargamento dos espaços de participação para os povos indígenas no interior da ordem jurídica e, ao mesmo tempo, a ordem jurídica se abre, e ao fazê-lo, torna material o reconhecimento das línguas indígenas de que trata o artigo 231 da Constituição da República. Os indígenas são cidadãos com plenos direitos com a proteção da ordem jurídica. Esse fato tem enorme relevância, isso porque, para nós brasileiros, os povos indígenas não são apenas os povos originários, eles significam muito mais, são nossos ancestrais, parte constituinte da nossa formação de povo, da nossa identidade; deles recebemos uma herança que está presente no nosso sangue, na nossa pele, na nossa face. Da consciência dessa vertente da nossa ancestralidade deriva a responsabilidade que temos perante a História, para proteger, valorizar, apoiar e incluir os povos indígenas; trata-se de um imperativo categórico, porque a cada desaparecimento de um povo, sua língua e cultura, ficamos menores, porque é uma parte de nós que também desaparece”, afirmou a magistrada.
No mesmo discurso, a juíza Andréa Jane Medeiros explicou que a tradução o material informativo é resultado de uma parceria firmada entre o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Justiça do Amazonas – através da Escola Superior da Magistratura do Amazonas (Esmam) –, do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo (GMF), do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) – através do Programa Fazendo Justiça –, da União dos Povos Indígenas dos Vale do Javari (Univaja), Museu Maguta, Projeto AgroVida e Cime. “Assim, considerando os marcos da Resolução CNJ 287/2019, além da legislação nacional e normas internacionais existentes […] os cartazes aqui apresentados se configuram como um esforço coletivo, participativo e interinstitucional para o acesso à justiça pelos povos indígenas e o aprimoramento das audiências de custódia no Amazonas, como uma forma de reconhecimento e valorização das línguas indígenas por parte do Poder Judiciário, tendo como um dos princípios fundamentais o acesso à justiça”, concluiu a magistrada.