Por 64 votos favoráveis e 6 contrários, o Senado aprovou nesta quinta-feira (15) projeto que regulariza todas as ocupações com características de colonização ocorridas em terras da União antes de 10 de outubro de 2008. Aprovado na forma de substitutivo, o PL 4.348/2019 volta para a análise da Câmara dos Deputados.
O texto beneficia os que fizeram ocupações depois de 1985. Isso porque a Lei 11.952, de 2009, que tratou do tema, permitiu a regularização de assentamentos criados até o dia 10 de outubro de 1985. O relator, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), defendeu uma regularização fundiária que atenda aos interesses de quem ainda não tem o título definitivo de suas terras e, ao mesmo tempo, preserve o meio ambiente. Ele rejeitou as cinco emendas apresentadas.
Segurança jurídica
O senador acrescentou que, com o título da terra, os assentados terão segurança jurídica para empreender e trabalhar dentro da legalidade. A regularização das terras dará aos produtores rurais as condições de obter crédito junto aos órgãos financiadores, licenciamento ambiental da atividade e assistência para o preparo do solo e seu cultivo com técnicas mais modernas, considerou.
Segundo o autor do projeto, deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), há assentamentos com características de colonização que foram iniciados antes da data-limite estabelecida na lei (outubro de 1985), mas cuja formalização de implantação se deu posteriormente, e assim ficaram excluídos da regularização. “Cito um exemplo no Amazonas, que tem o assentamento de agricultores dos imóveis rurais denominados Seringal Monte e Gleba Monte. Esse assentamento teve seu marco legal em 1983 e, devido à burocracia dos órgãos brasileiros, só foi aprovado em 1992”, justificou o deputado.
Alteração
O projeto aprovado altera a Lei 11.952, de 2009, que regulamenta de regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas de domínio da União ou do Incra, inclusive em áreas rurais fora da Amazônia Legal.
Gurgacz explica que no site do Incra “é possível saber quais são as modalidades de assentamento rural e acessar a relação dos 9.426 projetos de assentamentos criados e reconhecidos pelo Incra até 14 de dezembro de 2020, e as respectivas datas de criação. Eles abrangem 967.248 famílias e 87,6 milhões de hectares. Esses projetos são cadastrados no Sistema de Informações de Projetos da Reforma Agrária (Sipra) do Incra, que informa que as modalidades de projetos de colonização deixaram de ser criadas a partir da década de 1990, quando entraram em desuso”.
O senador acrescenta que também há o Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), “uma ferramenta eletrônica desenvolvida pelo Incra para subsidiar a governança fundiária do território nacional”. Ele registra ainda o recente Programa Titula Brasil, do Ministério da Agricultura, que apoia a titulação de assentamentos e de áreas públicas rurais da União e do Incra passíveis de regularização por meio de parcerias com os municípios.
Gurgacz destaca que, durante a tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, a nova data-limite não foi questionada por parlamentares, pelo governo federal ou por qualquer setor da sociedade civil, e, portanto, o senador entende que a extensão da data de enquadramento para 10 de outubro de 2008 “constitui importante instrumento para apoio à regularização fundiária”.
Discussão
No substitutivo, Gurgacz insere na regularização fundiária os projetos de assentamento que “em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados” venham a ser desafetados do Programa Nacional de Reforma Agrária, sendo consultada a Câmara Técnica de Destinação e Resgularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais.
O senador reconheceu a complexidade e a polêmica em torno do tema, que levaram ao adiamento da votação — inicialmente prevista para 14 de abril.
Na discussão, o senador Paulo Rocha (PT-PA) argumentou que esse tipo de matéria exigiria discussão aprofundada em comissões temáticas, que não estão em funcionamento durante a emergência da covid-19, e criticou o texto por “colocar tudo na mão do presidente do Incra”.
— Eu acho que é errado a gente dar as coisas para uma autoridade sozinha resolver, porque, dependendo do governo e dependendo do presidente de plantão lá do Incra, ele lê de uma forma ou de outra, atendendo a este interesse ou àquele — declarou.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) contestou a posição de Paulo Rocha, argumentando que o Incra decidirá mediante a Câmara Técnica de Destinação e Resgularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais. Ele defendeu titulação de terras para que as pessoas que vivem do trabalho “possam dormir em paz, possam trabalhar em paz e possam ter acesso a crédito”.
Reforma agrária
Por sua vez, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) criticou os termos do substitutivo, segundo os quais, em seu entendimento, “a porta continua aberta” para que projetos de reforma agrária migrem diretamente para a cobertura da Lei de Colonização, apesar dos objetivos diferentes. A senadora Kátia Abreu (PP-TO), porém, definiu a “porta de passagem” como “superimportante” para atender à colonização e garantir o livre-arbítrio aos assentados.
— Ninguém cerca o livre mercado. As vendas dos lotes da reforma agrária estão acontecendo há anos, de gaveta! É isso que nós queremos? Criar e oficializar a ilegalidade no país? — disse a senadora.
Jean Paul reiterou seu questionamento. Para ele, o projeto, se levado ao pé da letra, “acaba com a reforma agrária”.
— Se há tanto assentado querendo ser alforriado, por que eles estão nos telefonando e dizendo que não querem esse projeto? Eu não estou entendendo. A maioria dos movimentos e dos assentados organizados estão se expressando contrários a essa porta escancarada, essa porteira aí — argumentou o senador.
Jean Paul Prates por fim pediu a Gurgacz a reinclusão, no caput do projeto, da frase “com características de colonização, conforme regulamento”, referente às terras que poderão ser regularizadas. Ele observou que essa reinserção também foi sugerida por Kátia Abreu para superar o impasse. E que isso seria necessário para impedir o que chamou de “porteira infinita”. O pedido acabou sendo atendido pelo relator.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)