O mercado de trabalho, lugar pouco comum para as mulheres antes das I e II Guerras Mundiais, já possibilitou algumas conquistas para o público, como a proibição da distinção salarial entre homens e mulheres, a proteção da maternidade, entre outros, mas ainda hoje persistem distinções culturais que afetam as mulheres.
Entre as principais barreiras ainda existentes, a distinção salarial é a mais nítida forma de discriminação, principalmente na iniciativa privada, na qual apesar de estudarem mais que os homens – mulheres representam atualmente 57,2% dos estudantes de ensino superior segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – , o salário médio de uma mulher brasileira com educação superior representa 62% do de um homem com a mesma escolaridade, segundo estudo da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Mesmo sendo responsáveis por chefiar 37,5 % dos lares brasileiros, as mulheres, além de ganhar menos, têm mais dificuldades de se inserir no mercado formal de trabalho. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em torno de 50% das brasileiras estão ocupadas ou procurando emprego, enquanto a taxa de participação dos homens é de 80%.
Diante das dificuldades e com a necessidade de trabalhar, as mulheres tiveram de buscar seus próprios meios de se superar e driblar os problemas. Foi assim que aconteceu com a jornalista e empreendedora digital Mariane Cruz, que, após se tornar mãe em 2012, se viu num dilema entre continuar a trabalhar na atividade jornalística, num ritmo incerto e muitas vezes frenético e tendo de cuidar do pequeno Nicolas.
“Vinha sofrendo de ansiedade por conta do meu trabalho que desenvolvia: trabalhava sábado, domingo, feriado e depois de me tornar mãe eu não queria voltar para o mesmo ritmo de trabalho, foi aí que eu pensei em empreender. No início abri uma gráfica junto com um amigo, mas me interessar por marketing digital. Procurei um curso de pós-graduação e fiz também vários cursos online para me aperfeiçoar sobre o tema, quando em um dos cursos havia um mini curso sobre moda pela internet que eu decidi fazer e gostei da área. Depois desse curso eu criei um perfil do Instagram chamado Toda Bela Delivery, para vender roupas com entregas em casa para as clientes. Eram roupas caras, mas ainda assim eu conseguia vender, tanto que fiz um bom 13º salário em 2016, mas era um estilo de roupas que eu não me identificava. Foi quando em maio de 2017 eu decidi abrir o Toda Bella Moda Cristã, que é um estilo que a gente chama de moda evangélica. Com este mercado eu consigo fazer uma renda extra – às vezes se tornando até minha renda principal, por ser maior até do que a renda fixa que eu tenho com uma assessoria de comunicação fixa que eu faço – com as minhas vendas que eu faço em Manaus e até fora de Manaus”, explicou.
A responsabilidade de chefiar uma família para sustentar os dois filhos levou Maria Félix da Costa a deixar o sonho de cursar uma faculdade em segundo plano por alguns anos, fazendo com que ela se tornasse diarista. Mas a persistência permitiu e entre uma diária e outra ela conseguiu se formar em 2017.
“Meus filhos dependiam de mim e fazer diárias foi o meio que encontrei para sustentar a minha família, da qual eu sou a única provedora. Quando surgiu a chance de cursar uma faculdade, mesmo aos 50 anos de idade, eu abracei a oportunidade, pois era um sonho acalentado que eu sentia que precisava realizar. Fiz o vestibular e entrei como cotista do Enem para o curso de Administração por me identificar com o perfil do curso e enxergar nele uma oportunidade de ampliar meus horizontes. No início foi bem difícil, porque eu estava afastada da sala de aula há mais de 25 anos, mas não me deixei abater: contei muito com a ajuda da minha filha – que no ano seguinte se tornou minha colega de faculdade -, não supervalorizei as dificuldades, nunca deixei que elas atrapalhassem o meu objetivo. No decorrer do curso fui ganhando uma autoconfiança e um empoderamento em todos os aspectos da minha vida. Hoje estou me organizando para empreender na área de serviços domésticos e pretendo fazer uma especialização na área de gestão pública”, contou.
No quesito representatividade política as mulheres também têm uma longa jornada pela frente, pois, mesmo sendo metade da população, as mulheres ocupam menos de 10% dos cargos políticos e isso se deve pela visão geral de que as mulheres ainda são tidas como coadjuvantes, seja na política ou no mercado de trabalho, segundo a deputada estadual Alessandra Campêlo (MDB). “Sobre o mercado de trabalho, nós temos crescido muito tanto na parte acadêmica, no saber científico, nas pesquisas, quanto na ascensão no mercado de trabalho. No entanto ainda temos uma diferença salarial grande, uma dificuldade de chegar ao topo das carreiras, nas chefias das equipes de trabalho nas grandes empresas. A mulher ainda é muito vista como uma auxiliar de um grande executivo, mas na verdade temos condições de sermos as grandes executivas. O protagonismo que existe eu acredito ser fruto do esforço pessoal de cada mulher, mas as dificuldades ainda falam mais alto por esse teto invisível do preconceito que não nos deixa chegar até o topo”, avaliou.
Em uma análise mais otimista a deputada estadual Therezinha Ruiz (PSDB) destacou a forte presença das mulheres em profissões antes dominadas por homens, mas reconheceu as falhas com que as mulheres ainda têm de lidar. “Hoje já vemos que alguns cursos que antes eram masculinizados, agora as mulheres tem uma presença marcante, como no curso de engenharia. Temos muitas mulheres fazendo engenharia civil, mecânica, eletrônica, porque já não existe essa distinção, mas é claro que ainda precisamos de avanços. A mulher ainda precisa fluir naturalmente na sociedade, porque não pode haver essa distinção, pois as conquistas são para todos. Não existem forças diferenciadas, o que existe é a determinação e a vontade da mulher conquistar os espaços que ela quiser”, destacou.
A deputada estadual Joana Darc (PR) repudiou a desigualdade entre os gêneros, apontando a necessidade de políticas públicas que valorizem as mulheres. “A gente precisa valorizar o papel da mulher, precisamos de igualdade, de reconhecer que as mulheres são competentes, que independente de ser mãe, esposa, responsável pelo seu lar, são pessoas que tem a mesma competência técnica dos homens, em qualquer profissão. Penso que podemos ter políticas públicas mais eficazes para contribuir com essa maior inserção no mercado de trabalho. Temos muitas jovens que não conseguem ter o seu primeiro emprego, a gente vê a falta das oportunidades e esse é um problema que precisa da interligação de vários outros setores, como da economia para ter uma política pública que chegue lá na ponta e possa beneficiar as mulheres com mais oportunidades”, afirmou.
Como se não bastasse os afazeres domésticos de um ser multitarefa, a mulher se tornou mais refém do trabalho depois do expediente. Para Ivânia Vieira, jornalista, pesquisadora e membro fundadora do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas), a tecnologia passou de aliada a algoz, por conta da conectividade. “As jornadas de trabalho das mulheres, mesmo com os novos arranjos tecnológicos, permanecem em multiplicação. Com um detalhe preocupante: a demanda do mundo virtual se soma a demanda do mundo físico. Os trabalhos em casa, festejados como boa novidade no início dos anos de 1990, no Brasil, impactou profundamente a vida da mulher que se percebeu ‘operária conectada’ também em casa. Em 2018, o estudo do IBGE indica que as mulheres dedicaram, em média, 21,3 horas por semana com afazeres domésticos e cuidados de pessoas. É praticamente o dobro de horas do que os homens gastaram, em igual período, com as mesmas tarefas, 10,9 horas”, exemplificou.
No entanto, como uma espécie de teimosia, as mulheres usam os números desvantajosos das pesquisas como uma arma na batalha por um mundo mais equilibrado em termos de direitos. “Os números falam e podem ser manejados em direções diferenciadas de interesse político-econômico. Para a mulher, esses números traduzem feições das lutas que estão travando, denunciam uma concepção de mundo que ignora a equidade de gênero como direito natural e condição inegociável de humanizar esse mundo em agonia profunda”, apontou Ivânia.
Diretoria de Comunicação da Aleam
Texto: Fernanda Barroso