Geral e Direitos do Cidadão
22 de Março de 2019 às 19h20
Ativistas do feminismo negro debatem representatividade na PRR4
Evento marcou o Dia Internacional de Eliminação da Discriminação Racial
Foto: Ascom PRR4
O Dia Internacional de Eliminação da Discriminação Racial foi instituído pela ONU em referência ao Massacre de Shaperville, em 1960, na África do Sul. No dia 21 de março daquele ano, no bairro de Shaperville, em Gauteng, cerca de 5 mil pessoas que protestavam pacificamente contra a Lei do Passe – que obrigava negros a portarem um cartão que indicava os locais em que podiam circular – foram atacadas pela polícia, que disparou contra a multidão, matando 69 pessoas e ferindo outras 186. Este ano, na PRR4, a data foi marcada com a realização do cinedebate “Combatendo o Racismo: representatividade importa!”, na última quinta-feira (21). A exibição do filme “Parece Comigo”, de Kelly Cristina Spinelli, seguida de debate com três ativistas do feminismo negro e a analista pericial da Regional, reuniu cerca de 30 pessoas no auditório da procuradoria, que se estenderam em debates além do período previsto. Confira galeria de fotos.
Aberto pela procuradora regional da República Carmem Elisa Hessel, coordenadora da Comissão Pró-Equidade de Gênero e Raça da PRR4 – como um espaço de reflexão sobre a representatividade como instrumento importante de combate ao racismo –, o evento foi saudado pelo procurador-chefe, Carlos Augusto da Silva Cazarré: “Parabenizo a Comissão pela promoção deste debate, pertinente, sobre uma realidade que requer nossa atenção: já se foi o tempo da omissão”, afirmou, recordando que, ainda como procurador da República em Pelotas, teve acesso a um estudo que revelou que a probabilidade de um estudante da rede pública concluir seus estudos era menor entre meninas e meninos negros. “Que as reflexões levantadas aqui hoje possam ser multiplicadas por todos vocês”, disse, dirigindo-se ao público.
A partir da exibição do curta, que trata da falta de bonecas negras no mercado brasileiro e do trabalho das bonequeiras que tentam mudar esse cenário, sucederam-se as falas da empresária e estudante de Psicologia Liliane R. L. de Oliveira Moraes, idealizadora do projeto Maraia’s Bonecas de Pano; da professora Perla da Silva Santos, graduada em Dança pela UFRGS e idealizadora do Projeto Meninas Crespas; da jornalista Carolina Anchieta, repórter de cultura e diversidade do Jornal do Almoço, da RBS TV; e da analista pericial (MPF) e doutora em Antropologia Miriam Chagas. As narrativas das experiências das ativistas revelaram dificuldades e dores que crianças e mulheres negras enfrentam, historicamente e ainda hoje, nas escolas, nos espaços públicos, nos locais de trabalho, nos lares, e como os projetos que desenvolvem e a postura que adotam na vida somam-se a outras formas de luta contra o racismo
Combate com amor – Liliane R. L. de Oliveira Moraes, idealizadora do Maraia’s Bonecas de Pano, que transforma personagens do imaginário infantil em bonecas de pano negras (confira sua palestra no TEDx Laçador), afirmou que, embora a população negra constitua 54% do total nacional, apenas 7% das bonecas disponíveis no mercado são negras. Além da atitude pessoal que sintetiza como “não me vejo, não compro”, seu trabalho com as oficinas busca combater essa lacuna de representatividade e outros sintomas do racismo entranhado na cultura por meio de simbólicas bonecas de pano negras, com as quais a criança pode se identificar e adotar como objeto transicional, que proporciona conforto psicológico. “Acredito que não se combate o racismo senão com o amor, com o afeto, com o respeito”, afirmou, chamando especial atenção para que se evitem expressões discriminatórias, sobretudo com crianças.
Primeiras ofensas – Já a bailarina e professora Perla da Silva Santos, africanista, fez uma homenagem aos que morreram para que a história mudasse a ponto de estarem ali reunidas, num auditório do MPF, três mulheres negras para contar suas experiências. “Na escola, se aprendem as primeiras ofensas racistas e as primeiras estratégias de fuga”, afirmou, mencionando os alunos que se calam, se isolam e se invisibilizam, alienados da história de seus ancestrais, de seus irmãos, de si mesmos. Ao observar muitas estudantes tentando ocultar os cabelos crespos e sofrer com a discriminação em relação a sua pele e seus traços, começou a conversar com elas nos recreios. Dessas conversas nasceu o projeto “Meninas Crespas”, nomeado pelas próprias gurias. Por meio de fotografias e da estampa dessas fotos em agendas, o projeto foi ganhando fôlego e aglutinando mais meninas, meninos, e, também, suas mães, a tal ponto que, mesmo sem apoio da escola, o trabalho se mantém, na Casa Emancipa, na Restinga. Ensino da história e da cultura negras, dança e outras atividades mobilizam o grupo, que já se destaca na mídia.
Oportunidades desiguais – A jornalista Carol Anchieta, ativista do feminismo negro, comemorou seu primeiro contato com a Regional fazendo uma ressalva: ele já nasce tardio. “O combate ao racismo é urgente. Quantas pessoas negras há nesta sala? Em que posição? Por que não estamos todos hoje tendo as mesmas oportunidades?”, perguntou. Para ela, que tem sido chamada com frequência para debates sobre mulheres negras, para além de grandes e pequenos eventos, o bom combate ao racismo se dá especialmente em pequenos gestos cotidianos, empáticos, capazes de evitar humilhação, sofrimento e isolamento. A ativista afirmou, ainda, que, mesmo que estejamos vivendo um tempo em que o movimento negro cresce em intensidade e alcance, convém não esquecer dos séculos de sofrimento e da dor pela desigualdade que se manifesta na concentração de negros nos trabalhos mal remunerados, nos locais de moradia mais desassistidos e outros lugares de invisibilidade. “Temos a obrigação de trazer nossas irmãs para a frente”, defendeu.
Bonecas como narrativa histórica – A antropóloga Miriam Chagas valeu-se de sua experiência no MPF com as estratégias de resistência de índios e quilombolas para destacar o valor da narrativa para o movimento de mulheres negras e destacou uma frase de Hannah Arendt: “Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história”. Para ela, ao dar à pele negra e aos cabelos crespos um sinal positivo, as bonequeiras contam e recriam a história negra. “A bonequeira ressignifica e positiva os sinais”, afirmou. A perita também destacou a importância do pano na confecção dos brinquedos: “Me pergunto se esse material, com seu viés artesanal e afetivo, não pode ser percebido como um aspecto importante dessa narrativa, em contraste com a padronização e a rigidez do plástico”, ponderou.
Sintonia – Apesar da audiência aquém da prevista, o debate foi intenso e estendeu-se além do previsto. Estiveram presentes a professora Luciana Dornelles Ramos, criadora do projeto Empoderadas IG, que busca resgatar a autoestima de alunos de escolas públicas de Porto Alegre, acompanhada por alunas; integrantes do projeto conjunto da PR/RS e da PRR4 Maria vai com as suas?; e estagiários e servidores da Regional e outras instituições. Ao fim, a coordenadora da Pró-Equidade, Carmem Hessel, agradeceu o debate franco, a disponibilidade das convidadas e anunciou que a agenda da comissão para 2019 é variada e plural, e pretende estar em sintonia com a valorização das mulheres negras em diversos espaços de fala.
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