NATALIA DO VALE
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Na 3ª reunião extraordinária virtual de 2021 da Comissão Extraordinária de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, realizada na manhã desta segunda-feira (31/5), os vereadores discutiram o tema “Falilatou Livre: Vidas Negras Imigrantes Importam”. O debate foi presidido pelo vereador Eduardo Suplicy (PT) e contou com a presença de representantes de movimentos de defesa dos direitos humanos, do movimento negro, do Conselho Municipal de Imigrantes, Poder Executivo e Ouvidoria da Polícia do Estado.
Entenda o caso
Falilatou Estelle Sarouna é uma refugiada do Togo, residente em São Paulo, que foi presa na Operação Anteros. Em dezembro de 2020, ao chegar em casa após o expediente, a refugiada percebeu que a quitinete em que morava havia sido invadida. Sem entender o que havia acontecido, a togolesa foi à delegacia para registrar um boletim de ocorrência, mas acabou presa sob acusação de fraude contra o sistema financeiro.
Segundo a acusação, a vendedora ambulante fazia parte de um esquema de fraude e golpes pela internet. Várias contas bancárias foram abertas em nome dela, porém, como alega a defesa, a refugiada é anágrafa (não faz uso da escrita para se comunicar), e por isso não poderia ter assinado em letra cursiva os documentos exigidos para a abertura dessas contas. A maioria dos presos na operação são imigrantes.
Mesmo sem antecedentes criminais, Falilatou foi presa, não teve direito à intérprete ao longo do processo e o Consulado do Togo também não foi notificado no momento da prisão, conforme determina a Lei nº 13.445/2017.
Falilatou saiu de seu país de origem em busca de emprego para custear os estudos do filho, um adolescente de 12 anos que ainda vive no Togo. Ela trabalhava como vendedora ambulante no bairro do Brás, em São Paulo, até ter sua prisão decretada. Sem o dinheiro enviado pela mãe, a interrupção dos estudos da criança foi inevitável.
O Manifesto
Diante das supostas arbitrariedades apontadas no caso, diversos movimentos sociais se uniram para apoiar a campanha “Liberdade para Falilatou”. A ação visa dar visibilidade ao caso e arrecadar dinheiro para que seu filho possa continuar os estudos.
As hashtags #LiberdadeParaFalilatou e #FalilatouLivre são usadas para mobilizar as redes sociais em prol desta causa. A campanha até o momento conta com mais de 1700 assinaturas, incluindo mandatários, entidades e movimentos sociais.
A palavra dos vereadores
O vereador Eduardo Suplicy (PT), vice-presidente do colegiado, abriu a reunião fazendo um breve resumo sobre o caso e pontuou que, embora seja pouco discutida, a xenofobia se faz presente em nosso país: “Não quero aqui afirmar que seja esse o caso que motiva a prisão de Falilatou, já que sou e sempre fui ao longo de minha vida pública, favorável ao cumprimento da lei e da justiça. No entanto, todas as informações apuradas pela minha equipe e propagadas pelos veículos de comunicação relevantes, como UOL, IG, Alma Preta e outros, nos dão margens para pensar que esse caso pode fazer parte da triste estatística de maus-tratos destinados a pessoas estrangeiras, em especial, os não brancos”.
Manifestações
Advogada criminalista e defensora de direitos humanos, Paula Nunes parabenizou a Comissão por tratar de um tema tão importante e urgente e falou sobre a criminalização de imigrantes na cidade de São Paulo: “O tema aqui é a liberdade da Falilatou, mas a demanda é muito maior que isso. Precisamos pensar na nossa política de encarceramento. Entender qual é o movimento de criminalização da migração em nosso país. Entender o caso dela é ver como o município de são Paulo trata mal os trabalhadores ambulantes, e trata mal também os imigrantes não fornecendo a eles políticas públicas adequadas. É um caso muito emblemático de violação seríssima de direitos humanos”.
Karina Quintanilha, representante do Fórum Internacional Fronteiras Cruzadas, criticou a política de encarceramento e criminalização da população imigrante na cidade: “Todos nós que estamos apoiando a campanha pela liberdade da Falilatou estamos aqui para denunciar um novo modus operandi de criminalização da imigração. Queremos cobrar políticas contra racismo, xenofobia e encarceramento em massa. Há em curso um sofisticado conjunto de medidas e políticas do Estado que na prática estão a serviço da pobreza e da criminalização racial”.
Participante da reunião, Tiago Rangel Côrtes, do Grupo Cidade e Trabalho/USP, destacou a força da internet nesta luta: “A gente poderia ficar a reunião toda denunciando o Estado por mais um caso de xenofobia, racismo e encarceramento em massa, mas acho que devemos ir além. Precisamos denunciar esta nova estratégia de encarceramento da população negra, imigrante e pobre. Falilatou foi vítima e colocada como laranja num processo obscuro, sem acesso à defesa. A campanha pela liberdade da Falilatou é resultado da articulação no ambiente virtual que surge como nova frente de resistência. Esse movimento e o fortalecimento dessas redes é fundamental’.
Representante do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, André Feitosa Alcântara colocou a necessidade de mudanças na legislação que rege o trabalho ambulante na cidade: “Precisa olhar com mais respeito, sem descriminalização, sem marginalização. Precisamos garantir liberdade econômica e ter uma frente de garantia de direitos para estes trabalhadores. Brecar a opressão contra esta classe. Quando a gente usa a violência perde a razão”.
Já Hortense Mbuyi, membro do Conselho Municipal de Imigrantes, manifestou sua preocupação com a situação dos imigrantes no Brasil e pediu mais apoio: “O caso dos imigrantes hoje na cidade de São Paulo é crítico. Logo na nossa chegada ao Brasil constatamos que não somos bem-vindos, que somos vistos como bandidos e invasores. A xenofobia e o racismo são muito fortes aqui. Na nossa cultura africana um estrangeiro, um visitante é uma felicidade e aqui não. Isso provoca desespero e atrapalha na integração social. Precisa combater este preconceito e entender o que é um refugiado. Imigrar é um direito, por isso o Brasil precisa construir de verdade uma política pública para os imigrantes”.
A defesa de Falilatou e a família
A advogada de defesa de Falilatou, Bruna Rogato Ribeiro, explicou que se trata de um caso desafiador e repleto de falhas do sistema prisional: “O principal argumento do Ministério Público para a manutenção da prisão preventiva de todos, inclusive da Fali é a possível fuga deles para seus países de origem. Porém, isso é absurdo porque ela tem permissão para viver aqui, tem status de refugiada, trabalho, casa. Depois, as provas são muito frágeis. Vejam, foram apresentadas assinaturas que supostamente seriam da Fali para a abertura de diversas contas bancárias, entretanto, comparando-as a documentos assinados por ela com assinatura reconhecida em cartório é evidente que não estamos falando da mesma letra, da mesma assinatura. As contas foram abertas em nome dela, mas não por ela. Lembrando que a Fali não sabe escrever e não entende o nosso idioma. Outro ponto que deve ser colocado é que não avaliaram a soltura dos réus individualmente. Queremos que o caso da Falilatou seja analisado individualmente e não num combo de 200 acusações. Ela é mulher, mãe, refugiada, negra e está sozinha. Ela precisa do apoio da sociedade”.
Mossi Kuami Anoumou, irmão de Falilatou falou da angústia de ver a irmã nesta situação: “A Fali não sabe ler, não sabe escrever. Até para ir ao banco ela precisa de ajuda. Não sabe nem digitar os números. Pede ajuda para qualquer pessoa. Ela deve ter entregado os documentos dela como pedido de ajuda e alguém de má fé fez isso. A nossa mãe não sabe ainda porque temos medo de ela passar mal. Acredito na inocência dela. Ela é vítima”.
Ouvidoria da Polícia estadual
O Ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Dr. Elizeu Soares Lopes, também participou da reunião e falou sobre o caso: “Esse é um triste episódio da realidade brasileira. Nós negros, mesmo com o término da escravidão, não somos vistos como cidadãos. A prisão da refugiada togolesa decorre disso. Precisamos para além da denúncia, pensar em como a sociedade nos enxerga, nos vê. Nossos irmãos imigrantes africanos são vítimas do sistema assim como os brasileiros negros, pobres de periferia são. Se pensarmos no sistema judicial brasileiro, infelizmente temos essa triste marca. Eu atuo no Direito Penal e me chama a atenção que parcela importante dos presos não deveria estar encarcerada e não tem acesso à defesa e essa situação piorou muito na pandemia. Quanto ao caso da Falilatou, existem muitas arbitrariedades. O Consulado não foi informado da prisão, o acesso de familiares está sendo barrado, ela não tem um tradutor, ou seja, tem muita coisa para ser vista. Vamos nos unir a defensoria e aos movimentos de direitos humanos para pedir que revejam este caso. Vocês acham que se ela fosse culpada iria a uma delegacia? Isso não é um comportamento característico de quem deve alguma coisa ao sistema judiciário. Vamos trabalhar para reverter esta injustiça”, concluiu.
O que diz o Poder Executivo
Em sua fala, Eunice Aparecida de Jesus Prudente, secretária municipal de Justiça, comentou a prisão de Falilatou: “Me solidarizo com a família e quero fazer algumas considerações. Temos que ter pleno conhecimento de que não é uma questão que não pode ser resolvida pelo Executivo e só no município de São Paulo. É algo um pouco mais abrangente. Acredito que uma carta de uma liderança como o vereador Eduardo Suplicy é um bom caminho. Outro caminho seria a Comissão de Direitos Humanos da OAB tomar a mesma providência. Seria importante também recebermos um relato escrito desta sessão municipal lá na secretaria para nos auxiliar a enxergar onde seríamos úteis para buscar soluções. O racismo no judiciário existe e precisamos combatê-lo”.
Resoluções finais
Ao final da reunião, o colegiado decidiu pela elaboração e envio de um ofício ao juiz responsável pela prisão de Falilatou pedindo nova avaliação do caso. Além disso, documento questionando a infração ao direito de defesa dos outros presos na Operação também deverá ser encaminhado.
A íntegra da reunião está disponível neste link.