A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado reuniu nesta terça-feira (28), pela primeira vez, o seu Conselho de Assessoramento Técnico. Em audiência pública, os economistas Bernard Appy, Gustavo Loyola, José Roberto Afonso, Monica de Bolle e Yoshiaki Nakano debateram as responsabilidades e perspectivas do órgão no contexto da crise econômica do Brasil.
A IFI foi criada em 2016 para elaborar análises e projeções sobre as contas públicas do país, além de embasar o trabalho dos senadores com estudos sobre o impacto de medidas que estão nas mãos do Parlamento. Os conselheiros elogiaram a atuação dos técnicos do grupo nos seus primeiros anos e discutiram os novos rumos que a instituição pode tomar para expandir a sua atuação.
Bernard Appy, diretor do think tank (instituições que se dedicam a produzir e difundir informações sobre temas específicos) Centro de Cidadania Fiscal, abordou o sistema tributário. Ele participou da elaboração de uma proposta de reforma tributária que avança na Câmara dos Deputados (PEC 45/2019), e defendeu que a IFI comece a se debruçar sobre ela para preparar a sua eventual chegada ao Senado. A proposta unifica cinco tributos sobre o consumo em um imposto único nacional.
Para Appy, a instituição fiscal deve se dedicar a avaliar permanentemente os impactos — diretos e indiretos — de projetos de lei e políticas públicas como um todo sobre a tributação. Ele afirmou que o tema demanda atenção para corrigir distorções que geram problemas de eficiência econômica e de distribuição de renda. Além da tributação do consumo, explicou ele, é preciso modificar a tributação sobre a renda e o trabalho.
— É quase impossível piorar o sistema tributário brasileiro. Vivemos num país em que a alíquota para quem ganha R$ 6 mil é maior do que para quem ganha R$ 20 mil. Não é de estranhar que tenha tão pouca gente de alta renda querendo ser empregado formal. A solução é uma regra só para todo mundo.
A dependência da economia brasileira de arrecadação dependente da empregabilidade formal foi destacada por José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele alertou para avanços tecnológicos que transformarão as relações econômicas e sociais a ponto de tornar obsoleta a estrutura pela qual o Brasil ainda opta.
— Novos modelos de negócio nascem como rota de fuga para não pagar impostos. O viés de baixa tributação é um problema que vem pela frente. Temos no Brasil um pacto social muito baseado na figura do emprego, uma dependência muito grande de receita advinda da base salarial, mais do que outras economias emergentes. Estamos muito mais expostos a esse processo.
Outra vereda pela qual a IFI poderá entrar é a do Banco Central. Ex-presidente do BC, Gustavo Loyola apontou que os próximos anos poderão ver concretizada a autonomia do órgão, com mandatos fixos para sua diretoria e independência para tocar a política monetária.
Essa medida seria um avanço, na opinião do conselheiro, mas ela traz consigo consequências. As políticas de estabilidade da moeda e do sistema financeiro têm custos fiscais e sociais, e o Legislativo precisará estar atento a isso.
— O BC tem um cordão que o liga ao Senado. Existe todo um processo de prestação de contas, e é importante esses checks and balances funcionarem bem. A IFI pode contribuir para que essa interação seja técnica.
Crise
Os conselheiros da IFI também abordaram causas da crise econômica do Brasil e soluções para ela que caibam nas finanças do país e que possam gerar impacto de curto prazo. Essa foi a preocupação de Monica de Bolle, ao sugerir que o governo poderia mexer nas suas reservas internacionais para amenizar o buraco fiscal.
Segundo analisou de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins, em Washington (Estado Unidos), o Brasil vive uma “crise sem crise”: o crescimento econômico emperrou, mas não há crises bancárias ou cambiais e nem iminência de calote. Isso faz com que a solução do problema não esteja clara, pois o cenário é inédito. Uma aposta seria usar os cerca de R$ 560 bilhões em reservas internacionais para compensar o deficit fiscal e amortizar a dívida.
— Não temos dívida externa significativa, a dívida pública é toda denominada em moeda local. Não temos vulnerabilidades externas. Carregar reservas tem custo alto. Não é [uma medida trivial], mas provavelmente reduziria as taxas de juros e o custo do investimento no país.
Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia (EESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também afirmou que a situação brasileira é “inusitada” e que a crise não tem dado os sinais de arrefecimento que seriam esperados. Nesse caso, além de pensar em soluções com resultados imediatos, é preciso efetuar reformas estruturais que corrijam a dinâmica dos gastos públicos, visando uma correção de longo prazo.
Além disso, o conselheiro cobrou uma reforma do próprio Estado brasileiro, que, segundo ele, carrega uma herança negativa dos tempos coloniais.
— O Estado extrativista recolhe tributos, apropria boa parte com privilégios do funcionalismo e transfere parte para lideranças políticas das regiões pobres. O resultado é o não-crescimento. A sociedade não tem condições de fiscalizar o governo e fazê-lo funcionar na direção que ela precisa.
“Cão de guarda”
O diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, manifestou sua satisfação em ver instalado o conselho técnico e destacou o prestígio dos seus membros. Salto afirmou também que a instituição prezou pela pluralidade de visões ao compor o grupo.
Com a formalização do conselho, Salto garantiu que a IFI sobe a um novo patamar de influência e de peso institucional na sua missão de espalhar o “espírito da responsabilidade fiscal”.
— A luz do sol é o melhor dos desinfetantes. Estávamos durante um longo período mergulhados na penumbra. Quanto mais didatismo conseguirmos dar para os dados públicos, melhor vai ser nossa atuação.
Os conselheiros salientaram que a IFI faz um importante papel de watchdog – expressão em inglês que significa “cão-de-guarda”, e é usada em referência a grupos que mantêm vigilância sobre temas de interesse público.
Monica de Bolle apontou que conselhos fiscais independentes, técnicos e apartidários são uma tendência mundial.
— Eles permitem que as cortinas de fumaça que permeiam o debate público sobre temas complexos sejam desfeitas. Expõem custos reputacionais e políticos de escolhas financeiramente irresponsáveis.
José Roberto Afonso situou a IFI dentro de uma cadeia de instituições que podem agir, de várias formas diferentes, na identificação de irregularidades e distorções no trato das contas públicas.
— O cão de guarda é o que ladra, mas não morde. Quem morde são as instituições com competência para investigar e denunciar. A função da IFI é latir, fazer alertas. Estão provocando polêmica e instigando. Esse é o papel.
A instalação do conselho foi prestigiada pelos senadores José Serra (PSDB-SP), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Irajá Abreu (PSD-TO). Eles elogiaram o trabalho da IFI e afirmaram a certeza de que a presença dos conselheiros contribuirá para aprimorar a instituição.
O secretário de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, também participo da posse dos conselheiros, a quem qualificou como pessoas de “altíssimo calibre”. Ele fez uma exposição sobre a situação fiscal do país (“desafiadora”), destacando que a sequência de deficits das contas públicas, que deve entrar no sexto ano, é a maior já registrada na história republicana do país. Para Rodrigues, o cenário demanda esforços conjuntos, e ele acredita que a IFI tem contribuições importantes para dar.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)