A proposta que criminaliza o uso de caixa dois nas campanhas eleitorais (PL 1.865/2019), pode ser aperfeiçoada para tipificar o crime de impulsionamento de publicações de postagens em redes sociais pagas por empresas e não declaradas por candidatos. Essa foi uma das sugestões apresentadas durante audiência pública Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) nesta quinta-feira (6) e que deve ser recomendada por meio de emenda apresentada pelo senador Humberto Costa (PT-PE) que será avaliada pelo relator do texto, senador Márcio Bittar (MDB-AC).
Hoje, pela legislação eleitoral, candidatos, partidos e coligações podem pagar pelo impulsionamento de posts. Porém, participantes da audiência alertaram que, nas últimas eleições, empresas compraram pacotes para disparar mensagens no WhatsApp e outras redes sociais contra alguns candidatos e partidos, numa espécie de “caixa 2 digital”. Com essas informações, Humberto Costa, que conduziu a reunião, considera que o texto pode ser aperfeiçoado para impedir o desequilíbrio das disputas.
— Apesar de o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] não ter visto ilegalidade, a CPI das Fake News vai mostrar que houve um grupo de empresários que aplicou milhões de reais em bombardeios nas redes sociais para atacar candidatos e beneficiar outros. O financiamento de empresas é proibido, mas houve gastos empresariais não contabilizados — disse o senador.
Redes sociais
Para o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Mendes, as eleições de 2018 evidenciaram a necessidade de se discutir o impacto das redes sociais nas campanhas eleitorais.
— A legislação tem necessidade de se adequar de acordo com as transformações sociais. Hoje, a questão das mídias sociais traz uma nova preocupação porque tem um componente importante na formulação da política. Como nós vamos tratar movimentações em redes sociais que não estão diretamente ligadas a financiamento de campanhas mas podem influir nas eleições? — ponderou.
A tipificação do caixa dois é parte de um pacote anticrime sugerido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e encaminhado à Câmara em fevereiro passado. A proposta original, defendida pelo ministro da pasta, Sergio Moro, não é a prioridade atual da Câmara e, assim, um grupo de parlamentares apresentou no Senado três projetos com o mesmo teor do pacote, assinados pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). A proposta está pronta para ser votada da CCJ. O relator na comissão, senador Márcio Bittar (MDB-AC), já apresentou parecer favorável ao texto.
Anistia?
Para Ademar Borges de Sousa Filho, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o projeto não inova porque o crime de caixa 2 já está enquadrado no artigo 350 do Código Eleitoral (Lei 4.737, de 1965) que trata de “falsidade ideológica eleitoral” (no caso, a prestação de contas de campanhas). Ele advertiu que uma nova lei sobre o tema pode abrir caminho para uma anistia a quem já cometeu o crime.
— Vai ocorrer uma corrida para que a nova lei não tenha aplicação retroativa. Precisamos discutir a conveniência ou não de aprovar novo tipo penal — defendeu.
Mas outros debatedores consideram que o projeto aperfeiçoa a legislação e trará maior segurança jurídica. O PL 1.865/2019 classifica como crime “arrecadar, receber, manter, movimentar ou utilizar” dinheiro, bens ou serviços que não estejam registrados na contabilidade oficial de campanha. A pena prevista é de dois a cinco anos de prisão. A mesma punição vale para quem doar, contribuir ou fornecer os recursos, assim como para os candidatos e integrantes de partidos que contribuírem para a prática criminosa. Se o autor do delito for agente público, a pena pode ser aumentada de um a dois terços.
Para Rodolfo Laterza, da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), o projeto avança na criminalização do corruptor e não apenas do corrompido e evita a criação de tipos penais imprecisos.
— A cooptação dos agentes econômicos é muito mais poderosa. Quem se beneficia diz que isso sempre ocorreu. É um mecanismo muito poderoso de contaminar vontades — afirmou.
Criminalização da política
Francisco Bastos, diretor da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), reforçou que a ação dos corruptores é ainda mais reprovável do que a dos agentes políticos.
— Esse tipo de ação não se deu direcionada a nenhum grupo político especifico ou partido, mas era disseminado por todas as correntes políticas. Fazia parte do jogo desse agentes economicamente poderosos — lamentou.
Mesma opinião manifestou Saulo de Almeida, que representou a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) no debate. Para ele, o projeto é um avanço, mas não se deve aceitar a criminalização da política.
— Não se pode falar em cidadania sem política. O que se tem que fazer é criminalizar a conduta dos que estão à margem da lei — ressaltou.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)