Para os participantes de audiência realizada no Senado nesta sexta-feira (20), a navegação de cabotagem é mais do que adequada para um país de extenso litoral como o Brasil, mas o setor precisa contar com regras que de fato garantam a redução de custos, a geração de empregos e a competitividade, mas evitem a perda de soberania, a concentração de mercado ou o aumento da dependência externa.
Essa avaliação foi feita durante sessão de debate temático sobre o PL 4.199/2020, projeto de lei que institui o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem (BR do Mar). De autoria do Executivo, o projeto tramita atualmente na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), sob a relatoria do senador Nelsinho Trad (PSD-MS). Foi ele quem solicitou a realização do debate.
A palavra “equilíbrio” foi usada pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, para definir o projeto. Ele acompanhou o debate virtual de Cuiabá, ao lado do senador Wellington Fagundes (PL-MT).
— O que se procurou construir é uma proposta de equilíbrio, que permita o crescimento da cabotagem com maior velocidade, em cima de novas possibilidades de afretamento e consoante com aquilo que vemos em países de referência. É uma abertura equilibrada; estabelece mecanismos de proteção. A política de estrutura de transporte para cabotagem está calcada em alguns pilares, como o aumento da concorrência, a geração de empregos, segurança da navegação e proteção à indústria naval — afirmou Tarcísio.
Na avaliação do ministro da Infraestrutura, o redesenho do setor de cabotagem vai proporcionar o aumento da frota de embarcações, sem prejudicar a eficiência da indústria da construção naval.
— O projeto constitui grande avanço na cabotagem brasileira, em função das conversas que vêm sendo mantidas no mercado com segmentos de usuários e operadores interessados em atuar no setor. A gente verá o aumento das embarcações e a redução dos custos. A gente vai conseguir crescer a taxas mais relevantes do que aquelas que a gente tem hoje. É uma abertura equilibrada, que será extremamente benéfica para o país — disse ele.
Complexidade
Ao abrir a sessão, o senador Nelsinho Trad, relator do projeto, apontou a complexidade do tema e interesse setoriais que se articulam em torno do assunto.
— Queremos, de alguma forma, ajudar a reduzir o Custo Brasil. A nossa economia cresceu de forma modesta nos últimos 40 anos, e aumenta nesse horizonte de tempo a diferença que separa o Brasil dos demais países desenvolvidos. O meio de transporte pode e deve se adaptar à característica de cada local, mas há desafios relacionados à questão do custo do afretamento. Não seria razoável criar uma estrutura que fosse viável somente em alguma parte do ano. O projeto prevê flexibilização de regras relativas a empresas brasileiras de navegação, sem obrigação da propriedade — declarou.
O senador Wellington Fagundes também defendeu a proposta e disse que o desenvolvimento econômico requer investimentos em todos os setores.
— O BR do Mar é uma redescoberta. Vamos fazer com que esse potencial que temos aí sirva também para o desenvolvimento do Brasil. Será uma nova oportunidade. Se a gente não inovar, vamos ficar para trás — alertou.
Secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários do Ministério de Infraestrutura, Diogo Piloni disse que o projeto do Executivo busca abertura, aumento da competição no setor, entrada de novos “players” e mantém dispositivo para formação de frota vinculada com o Brasil, de forma regular e com custo de fretes regulares. Ele destacou ainda que o Brasil utiliza apenas 9% de sua matriz logística, enquanto a China utiliza 31%, o Japão responde por 44% e a União europeia atinge 32%.
— Um país como o nosso, com a costa que tem, não pode se limitar a uma participação tão tímida. Este é o coração da proposta: abrimos novas possibilidade de afretamento de embarcações sem qualquer necessidade de lastro de embarcação própria. Uma outra modalidade está sendo inserida, o afretamento para contratos de longo prazo; temos a possibilidade de afretamento a casco nu — afirmou.
Modal adequado
Coordenador do Departamento Econômico do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Ricardo de Castro declarou que a cabotagem é um programa interessante e bom para o modal logístico e próprio para o Brasil, que conta com uma costa com sete mil e quinhentos mil quilômetros. Em 1995, destacou, a legislação flexibilizou a cabotagem, mas o setor continuou impedido do fretamento de embarcação estrangeira. O representante do Cade, porém, defendeu o aprimoramento do texto do projeto de lei.
— O projeto pode ser melhorado, há restrições a alguns tipos de afretamento, há restrições à exigência mínima de profissionais por nacionalidade, há liberação de cascos novos somente após alguns meses e regras ligadas à transparência dos preços — destacou.
Vice-presidente-executiva da Associação Brasileira das Empresas de Apoio Marítimo (Abeam) e representando também a Confederação Nacional do Transporte (CNT), Lilian Schaefer defendeu a melhoria do texto, com a inclusão de mecanismos que permitam às instituições financeiras alongarem os prazos de amortização e carência nos financiamentos contratados com o fundo da marinha mercante.
Lilian também defendeu a manutenção das alíquotas do fundo da marinha mercante nos patamares atualmente praticados, tendo em vista a importância do mecanismo para o desenvolvimento das regiões mais carentes do país. Em relação à navegação interior, ela cobrou a atenção dos parlamentares para o projeto BR dos Rios, em fase de estudos no governo, para que suas premissas possam ser observadas no texto que propõe o BR do Mar.
“Janela de oportunidade”
Representantes do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Eberaldo de Almeida Neto e Pedro Alem Filho apontaram a importância do BR do Mar para o setor do petróleo, que representa 70% das cargas movimentadas na cabotagem no país. O Brasil é hoje o 10º maior produtor mundial de petróleo. Eles afirmaram que o setor contará com cada vez mais players distintos, e que a competitividade estará centrada na logística, favorecendo investimentos em dutos e portos. Em sua avaliação, o Brasil possui uma “janela de oportunidade”, tendo em vista, segundo eles, a questão da transição energética e a constatação que o valor do petróleo na economia vai ser diferente do que é hoje.
Presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte (Anut), Luis Henrique Teixeira Baldez avaliou que o projeto melhora o ambiente concorrencial, mas sugeriu mudanças no que diz respeito a embarcações afretadas a tempo, estrutura de custo e transparência, concentradas no artigo 11 do texto.
— Há situação parecida com as ferrovias. 75% da carga é de petróleo e gás; a capacidade que sobra para a carga geral é muito pequena. A infraestrutura tem que vir na frente da demanda. Evidentemente que ninguém vai comprar navio se não tem demanda. O que o projeto trará como benefício ao equacionamento dessa situação de mercado? O setor de petróleo e gás vai crescer. E as outras cargas, vão sumir da cabotagem? — questionou.
Arrecadação do frete
Vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), Fábio Vasconcelos destacou que o adicional de frete acabou sendo alterado pelas emendas da Câmara, que alteraram o texto original do projeto, cuja redação não mexia na arrecadação de frete da marinha mercante. Ele ressaltou que esse adicional é arrecadado pela iniciativa privada e não faz parte do Orçamento da União.
— A alteração das alíquotas e o ressarcimento afetará os estados do Norte e do Nordeste, o que poderá provocar o sucateamento da indústria naval de médio porte, pujante no Brasil. Isso não constava no texto original — frisou.
Presidente da Mediterranean Shipping Company (MSC), Elber Justo disse que há uma concentração muito grande de desenvolvimento portuário em poucos portos brasileiros, embora o país tenha uma costa com mais de sete mil quilômetros.
— O aumento da escala dos navios é uma evolução natural aqui no Brasil, e a gente tem que estar pronto para isso. O mercado mundial espera que o Brasil se posicione para atender essa infraestrutura com legislação adequada, e o BR do Mar é uma delas. A gente gostaria de ver o BR do Mar aprovado, o que permitirá a operação de mais empresas na cabotagem, reduzindo custos e favorecendo a competitividade — argumentou.
Concorrência desleal
Diretor-executivo da Associação Brasileira de Armadores e Cabotagem (Abac), Luís Fernando Resano criticou o BR do Mar, mas ponderou que o projeto traz uma série de oportunidades para a cabotagem, entre elas a visibilidade do setor, “que sempre foi aberto, sem restrição a entradas de empresas, mesmo com o capital estrangeiro”.
— Operamos em um ambiente de concorrência, ainda que o mercado seja pequeno. Nós não podemos abrir mão de investimento no país, e esse projeto vai permitir que sejam constituídas empresas brasileiras sem frota e investimento. Isso traz vulnerabilidade para o setor e irregularidade para o usuário, que estará sujeito à volatilidade do preço do mercado internacional. Nós precisamos ter navios fixados aqui no país, adquiridos por empresas brasileiras, que poderão multiplicar sua frota. Nossa frota tem idade média de 12 anos, uma frota jovem, considerada a frota mundial. Se nós permitirmos que possam ser navios afretados a casco nu, ninguém trará navios mais novos; trará navios mais velhos, que sairão do tráfego internacional para o Brasil. Isso tem que ser regulado. Se não, permitiremos uma concorrência desleal. O navio estrangeiro deveria operar aqui na excepcionalidade; é esse o conceito que deveríamos que ter.
Representantes da Logística Brasil, André de Seixas e Abrahão Salomão avaliaram que o BR do Mar é contraditório no que diz respeito à defesa da concorrência, e um exemplo seria o artigo 5º do projeto. Eles afirmaram que o excesso regulatório gera alguma instabilidade e estimula a evasão fiscal. Atualmente, o uso do navio estrangeiro é permitido na ausência do navio nacional. Ao avaliarem que o afretamento por tempo baseado na tonelagem afasta a concorrência, e que o afretamento a casco nu aumenta o custo operacional, eles concluíram que a flexibilidade contida no projeto não é capaz de gerar concorrência, atrativo comercial e operacional, mas de atrair a atuação de aventureiros.
Presidente da Federação Nacional das Operações Portuárias (Fenop), Sérgio Paulo Perruci de Aquino destacou que “não há porto sem navio, não há porto sem competitividade”. Ele ressaltou que houve flutuações da cabotagem nos últimos dez anos, mas que o modal vem crescendo de forma contínua, com a entrada de novas embarcações. Perruci defendeu a equiparação da Antaq com as demais agências reguladoras, bem como o Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto), para que os investimentos portuários e ferroviários possam ser garantidos e para que não haja questão de reequilíbrios econômicos nos contratos já firmados.
Logística e segurança nacional
Diretor-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos (Conttmaf), Carlos Augusto Müller disse que o usuário está insatisfeito com o custo elevado do frete. Ele defendeu mecanismos que garantam a contratação de mão de obra nacional, e criticou a desnacionalização do setor de petróleo e gás.
— Há falta de competição entre armadores na cabotagem; a armação que atua com contêineres tem conseguido aumento consistente, de 10% ao ano; a armação não é controlada por capital nacional; acabam definindo como esse transporte ocorre. A tripulação a bordo é o último link genuinamente nacional com o Brasil — afirmou.
Diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Eduardo Nery Machado Filho disse que o transporte de cabotagem vem crescendo nos últimos anos para atender parte da condição logística do país. Ele concordou que o texto pode ser melhorado no Senado, mas destacou que o projeto busca implantar mecanismos para proteger o mercado interno da volatilidade do mercado internacional.
— A cabotagem representa uma grande oportunidade para tornar o Brasil mais eficiente do ponto de vista econômico e ambiental e remover um gargalo na movimentação de mercadorias no país — argumentou.
Vice-almirante e diretor de Portos e Costas da Marinha do Brasil, Alexandre Cursino de Oliveira disse que o BR do Mar aproveita o potencial econômico do mar territorial brasileiro e mantém diretriz voltada à soberania nacional. Ele também destacou a importância dos recursos do Adicional de Frete da Marinha Mercante (Afrem) e afirmou que a segurança energética está envolvida na navegação de cabotagem, no petróleo e seus derivados.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)