A diretora executiva da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, negou que a companhia tenha ofertado a dose da vacina indiana Covaxin a US$ 10, valor bem abaixo do contratado pelo Ministério da Saúde a US$ 15. Em depoimento à CPI da Pandemia nesta quarta-feira (14), a diretora da empresa disse que nunca houve essa oferta e que as informações da ata da reunião entre o Ministério da Saúde e a Precisa sobre o assunto, em 20 de novembro, são “imprecisas”.
As dúvidas sobre o valor superior da dose fechado pelo governo com a empresa foram levantadas pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) e reforçadas pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Izalci Lucas (PSDB-DF) e Simone Tebet (MDB-MS).
Eles argumentaram que a Covaxin foi o imunizante mais caro contratado pelo Ministério da Saúde em um contrato de R$ 1,6 bilhão para fornecer 20 milhões de doses. A vacina é fabricada pelo laboratório indiano Bharat Biotech e tem como representante no Brasil a Precisa Medicamentos.
A depoente afirmou que na reunião de 20 de novembro houve uma “expectativa” de preço da dose abaixo de U$ 10 dólares, mas que até aquela data nem mesmo o laboratório tinha a estimativa do valor. Segundo Emanuela Medrades, a empresa recebeu a primeira oferta da dose da Bharat Biotech em dezembro, a U$ 18 dólares, e que houve uma “insistente tentativa” de negociação para redução do preço, chegando ao valor final de U$ 15 por dose, já inclusos impostos, frete e riscos relacionados.
— Existia sim uma expectativa de precificação, de que o produto custasse menos do que 10 dólares. Não sei porque colocaram [memória da reunião] que custaria 10 dólares, porque não foi ofertada. O que existia no momento era uma expectativa, e eu consigo demonstrar através de todas as minhas comunicações — afirmou ao ler e-mails com as negociações com o laboratório.
Para o senador Marcos Rogério (DEM-RO) as explicações de Emanuela foram esclarecedores.
— É importante esclarecer que se se tratou realmente de uma projeção, de uma estimativa, de uma expectativa.
Já o relator, Renan Calheiros, rebateu a afirmação ao salientar que os e-mails complementam a memória da reunião elaborada pelo Ministério da Saúde. Na sua visão, a comissão só vai conseguir avançar na investigação sobre a precificação quando for disponibilizado o contrato entre o laboratório e sua representante no Brasil.
— Os e-mails que acabam de ser lidos não desautorizam a memória. Ao contrário: ele colabora. O que desautoriza a evolução, a partir da memória da reunião, é o contrato sigiloso que esta CPI ainda não teve acesso de quanto a Bharat remunerou a Precisa, que é a dúvida que nós temos em toda essa negociação. É isso que vai explicar toda a variação do preço.
Para a senadora Simone Tebet, o depoimento de Emanuela à CPI não trouxe nada de novo, restando então que o contrato para a venda da Covaxin ao governo contém várias irregularidades.
— O seu depoimento para mim, que analisei o contrato da Covaxin, que fiquei o final de semana sobre ele, ele não acrescenta nada quanto à materialidade [dos fatos]. Para mim está comprovado que é um contrato fraudulento, superfaturado, de um esquema de propina dentro do Ministério da Saúde — disse a senadora {a depoente.
Após seguidas reclamações de senadores, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues, solicitou o contrato com cláusula de confidencialidade entre a Precisa Medicamentos e a Bharat Biotech.
Invoice
Emanuela Medrades negou ainda que a primeira versão da invoice (nota fiscal internacional) para autorização da importação da Covaxin tenha sido enviada ao Ministério da Saúde no dia 18 de março. Mesmo após a exibição de um vídeo pelo relator onde ela cita o envio da documentação no referido dia, a diretora da Precisa sustentou que a invoice só chegou ao email do Ministério no dia 22.
— Eu não fui detalhista no vídeo. Provei e provo mais uma vez que essa invoice só foi enviada no dia 22 [de março]. Desafio William Amorim e Luis Ricardo Miranda a provarem que receberam dia 18, porque eles não vão conseguir. Estou disposta inclusive a fazer uma acareação.
O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) disse que o colegiado deve realizar a acareação. Para as investigações, é importante certificar a data do envio já que o servidor Luis Ricardo Miranda citou irregularidades na fatura e que teria sido este documento apresentado ao presidente da República, Jair Bolsonaro, pelo deputado Luis Miranda no dia 20 de março.
Para o líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) a afirmação da diretora e a acareação farão com que o “suposto crime de prevaricação caia por terra”, argumento endossado pelos senadores Marcos Rogério e Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que elogiou Emanuele Medrades pelo depoimento. Para ele, não se pode falar em escândalo de corrupção, não tendo havido pagamento pela vacina indiana.
Por sua vez, o relator, Renan Calheiros, disse que a prevaricação independe das datas dos invoices, já que o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, confirmou ter sido alertado pelo deputado Luís Miranda das irregularidades do contrato. Já o senador Rogério Carvalho (PT-SE), observou que Emanuela admitiu ter sido a pessoa a inserir o Invoice no Dropbox — com isso, bastaria à CPI solicitar à empresa responsável pela plataforma a perícia sobre a atividade da diretora, que poderia ter apagado as mensagens anteriores. Ainda para o senador, a compra irregular da Covaxin foi impedida pela CPI da Pandemia.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) exibiu vídeos em que o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, e o ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, citam datas anteriores a 22 de março se referindo ao invoice da Precisa. Em resposta, Emanuela afirmou que os dois “provavelmente se equivocaram”. Depois, ao citar o consultor técnico William Santana, que apontou o recebimento do invoice no dia 18, ela afirmou que ele mentiu.
— Senadores, antes do dia 22, ninguém tinha tido acesso a essa invoicedentro do Ministério da Saúde. O que estou dizendo é que sim, William veio aqui e mentiu para os senhores. Quem veio aqui e disse que recebeu antes mentiu.
Randolfe observou que, ao tratar do ex-secretário-executivo Elcio Franco e do ministro Onyx, a depoente fala em “equívoco”, quando se refere aos funcionários do Ministério da Saúde, a diretora da Precisa diz que “mentiram”.
Madison
Ao afirmar que a negociação para fechar o contrato com o Ministério da Saúde durou 114 dias, Emanuela declarou que isso só foi possível porque a empresa “atendeu todas as exigências da pasta”.
Senadores questionaram a afirmação e citaram a intermediação da Madison Biotech como empresa recebedora do pagamento, o que não estava previsto no contrato assinado em 25 de fevereiro. A presença de uma terceira empresa, segundo o relator, alguns senadores e os servidores do Ministério da Saúde que já prestaram depoimento, é um fato incomum.
— Aqui foi dito pelos três [servidores do Ministério] que isso não é comum, que nunca viram isso: uma empresa que não está no contrato receber o recurso que deveria ser pago pelo Ministério da Saúde — acusou o senador Humberto Costa (PT-PE).
No entanto, Emanuela informou que a intermediadora representava a Bharat Biotech nas compras do imunizante e que seria normal a sua presença na invoive em razão de o pagamento ser em dólar.
— Nós temos casos em que o empenho é para a Precisa, mas o pagamento é lá fora. Não existe a possibilidade de receber dentro do Brasil em dólar. O empenho é destinado à representação, mas não caracteriza o pagamento, muito menos consolida que aquele pagamento vai ser feito a nós — informou acrescentando que não recebeu solicitação do ministério para alterar a empresa recebedora na invoice.
Ao questionar a diretora, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disse que é preciso notificar os órgãos de controle sobre pagamentos à Precisa no Brasil, detectados pelo Siafi, o Sistema Integrado de Administração Financeira. Para ele, é preciso abrir um inquérito para investigar esses pagamentos.
Pagamento antecipado
Uma das inconsistências da invoice citada pelos senadores era o pagamento antecipado de U$ 45 milhões. O contrato só previa o pagamento após a entrega do imunizante, como determina a legislação.
Segundo Emanuela Medrades, o procedimento de pagamento era um padrão adotado pelo laboratório Bharat Biotech e por este motivo o documento foi apresentado com o “erro”.
— A Bharat tem o modo dela de fazer as emissões dessas invoices, e ela usou o tempo todo como se fosse uma minuta-padrão. A primeira que recebemos, que foi enviada no dia 22 [de março], ela era com as condições padronizadas para o mundo inteiro — afirmou.
Ela ainda afirmou que o mesmo padrão foi adotado em outros países, como no Paraguai.
— Independentemente se é do Paraguai ou não, se foi por parte da Precisa, da Madison ou da Bharat, tem um ponto essencial: não havia previsão legal no contrato seja pela lei brasileira, seja pelo contrato assinado, de pagamento antecipado de vacinas sem comprovação científica de eficácia, sem autorização da Anvisa, nem mesmo autorização das autoridades sanitárias dos Estados Unidos, da China e da Europa, como previa naquele momento a lei brasileira, que não permitia a autorização sanitária da Índia — contestou a senadora Simone Tebet.
Divergências
Outras divergências na invoice foram apontadas pelos senadores como mudança de datas na entrega do primeiro lote, a redução no número de doses da primeira leva (de 4 milhões para 3 milhões) e a cobrança de frete e seguro. A diretora respondeu que as divergências seguiram na invoice após autorização da fiscal do contrato, Regina Célia.
Ela disse ainda que, em relação ao frete e seguro, o próprio Ministério da Saúde pediu para fracionar os valores, e o fato de terem sido apresentados separadamente não significava que tenha havido a efetiva cobrança. Segundo ela, a cobrança só seria efetivada com uma alteração no contrato. Já sobre o quantitativo de doses, ela informou que o pedido de redução foi feito pela própria Bharat Biotech por conta do transporte. Era preciso registrar, de acordo com ela, um processo de validação da cadeia de transporte, o que não deu tempo de ser feito antes.
Já a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) mostrou documentos que apontam pressão da Precisa sobre a Anvisa e sobre o Ministério da Saúde. Além disso, disse, o Ministério Público aponta superfaturamento sobre uma vacina que não era aprovada nem mesmo em seu país de origem.
— Para nenhuma outra vacina o presidente da República teve o empenho que teve para a Covaxin. Ele ligou para primeiro-ministro da Índia, ele mandou para lá telegrama intercedendo por uma vacina que não tinha autorização da Anvisa brasileira e nem da Anvisa indiana — afirmou a senadora.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)