A preocupação com a segurança nas instituições de ensino foi a principal motivação de uma audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), nesta terça-feira (2). Autor do requerimento para o debate, o senador Styvenson Valentim (Pode-RN) abriu a reunião informando que não citaria nenhum episódio de violência dentro de escolas nos últimos tempos, para não estimular esse tipo de ação.
— Não mencionamos os fatos, não relatamos nomes, porque vamos começar essa mudança por aqui. Precisamos alterar a legislação, mas, também, pensarmos na aplicabilidade da lei, da maneira mais prática possível — avisou.
Styvenson ressaltou a importância do tema, já que o Brasil desponta como um dos países com maior índice de violência nas escolas, conforme levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2013. Segundo o parlamentar, 12.5% dos professores brasileiros ouvidos nessa pesquisa relataram que são agredidos ou recebem intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana.
— Nosso índice só perde para países como a Estônia, que também tem indicadores altíssimos. Só para citar um dado brasileiro, quase 11 mil episódios [de violência em escolas] foram registrados somente no estado de Minas Gerais nesse período, e isso é muito preocupante — afirmou.
A advogada Ana Paula Siqueira, especialista no tema bullying e ciberbullying, defendeu a inclusão digital, mas ressaltou a necessidade de preparo das crianças e jovens antes de elas terem acesso a qualquer aparelho ou conteúdo eletrônico. Ana Paula alertou que algumas crianças têm instigado outras a cometer suicídio por meio de grupos em aplicativos como o WhatsApp, por exemplo.
— E nem estou falando de adolescentes, mas de pessoas com oito, nove, dez anos de idade. Vamos dar celulares, vamos dar internet, mas vamos também atentar para as consequências de nossas postagens. Vale lembrar que toda ação tem uma reação e que isto inclusive está previsto no ordenamento jurídico nacional — ressaltou.
Ao afirmar que as leis precisam andar lado a lado com a educação, Ana Paula Siqueira apontou que, quase sempre, a violência doméstica repercute em sala de aula. Segundo a advogada, enquanto as gerações mais antigas foram formadas por meio de instrumentos analógicos, a juventude atual não enxerga diferenças entre o mundo real e o virtual.
— Precisamos falar sobre bulling. Hoje, um tuíte, um post, um comentário ou uma foto adulterada numa rede social causa um sofrimento sem precedentes na vida de um adolescente. E esse não é um problema apenas jurídico, mas multidisciplinar — analisou.
Valores
Representante da Unesco, o professor Célio Cunha disse que há uma crise mundial em curso, nos aspectos político, econômico, ético e de conscientização sobre valores humanos. Ele apontou que a segurança nas escolas precisa ser vista além dos fatores físicos, porque envolve sensações, como a de pertencimento à comunidade de aprendizagem e a de valorização dos indivíduos em grupo. De acordo com o especialista, os códigos de conduta de cada escola podem ser um caminho para a redução da violência.
— Nós premiamos as olimpíadas, mas não temos a cultura de premiarmos os alunos de boa conduta, os que desenvolvem e aplicam valores, por exemplo — observou.
Já a pedagoga pela Universidade Estadual de Goiás Antonieta das Graças Rodrigues Santos elogiou o debate e disse que é fundamental a articulação entre as autoridades e os profissionais que trabalham nas escolas. Ela destacou o papel dos orientadores educacionais e apontou que a violência é resultado de um “efeito cascata” iniciado dentro de casa.
— O mau comportamento de alguns alunos tem sido reflexo da atitude dos próprios responsáveis. O pai chega nervoso do trabalho, bate na esposa, que desconta no menino, e este, por sua vez, se vinga no cachorro. Esse jovem precisa entender, no entanto, que cada professor conhece o problema dele e o compreende, mas isso não pode ser usado como justificativa para a agressão — disse a pedagoga.
Contribuições
Ex-secretário de Educação no Paraná, o senador Flávio Arns (Rede-PR) demonstrou preocupação com o fato de que há apenas um pedagogo para atender a cerca de 500 alunos na maioria das escolas brasileiras. Para ele, o ideal seria um profissional para cada grupo de 250 estudantes. Arns também elogiou o debate e disse ser fundamental que as soluções para a violência sejam apontadas pelos próprios integrantes das instituições de ensino.
—Por exemplo, a presença de uma pedagoga aqui, para falar da sua experiência e do seu cotidiano, considero essencial. É ela quem está lá, discutindo, acompanhando, se interessando e vindo aqui mostrar que a escola tem gente qualificada, gente boa, que entende do assunto, mas que também precisa de apoio e de respeito — declarou.
Já a senadora Zenaide Maia (Pros-RN) defendeu investimentos nas estruturas das escolas, de modo a tornarem o ambiente agradável. Para ela, a disponibilização de espaços para a socialização entre os jovens, a modernização de bibliotecas e a oferta de ensino integral são instrumentos que levam os estudantes a não terem pressa de sequer irem embora.
— Precisamos oferecer educação de qualidade não apenas a um grupo privilegiado. Agindo assim, estaremos fortalecendo os laços sociais, porque todos se sentirão abraçados em suas unidades de ensino — justificou.
Soluções possíveis
Leonardo Lapa Pedreira, coordenador-geral de Temas Transversais e Educação Integral do Ministério da Educação, disse que a violência se apresenta de forma diferente em cada região. Segundo ele, apesar de não haver soluções mágicas para a questão, há 200 países, 27 estados brasileiros, 5 mil municípios e cerca de 100 mil escolas engajadas no assunto.
Na visão de Leonardo Lapa, casos de sucesso nacionais e internacionais e estudos de órgãos como a Unesco e a Organização Mundial da Saúde abrem horizontes e propõem medidas que podem gerar resultados. Além disso, o especialista ressaltou que estudantes bem informados podem atuar como aliados da escola e colaboradores do Estado, prevenindo atitudes agressivas.
Lapa destacou ainda a importância do apoio institucional à família e à comunidade local, a necessidade de revisão das normas e das relações sociais, além de melhorias na formação dos professores.
— Muitas vezes, os estudos nos mostram o óbvio, mas acho importante termos o óbvio sistematizado e assim garantir que a gente está trabalhando em todas as frentes possíveis. É importante termos referências em temas complexos, como é o caso da violência — analisou.
e-Cidadania
Vários cidadãos participaram da audiência pública por meio do canal e-Cidadania. Maria Izolina Sousa, do Ceará, acredita que um currículo escolar voltado para o mundo do trabalho e baseado em valores sociais ajudaria a gerar “uma cultura de paz”. Mãe de estudantes de escolas públicas do Rio Grande do Norte, Veronica Dias sugere a instalação de câmeras de monitoramento em todos os estabelecimentos de ensino e a implantação de ponto eletrônico para todos os professores.
Regiane Lima, de São Paulo, defende que a conscientização sobre a violência deve ser “um trabalho educacional forte desde os anos iniciais da aprendizagem”. Já Adriano Silva, do Rio de Janeiro, ressalta que colégio tratado como cárcere não é um ambiente seguro. Para ele, o governo tem o dever de monitorar as mídias sociais e estimular o debate nas escolas, já que “reprimir o pensamento gera extremismo e violência”.