Ao afirmar aos senadores da CPI, nesta quarta-feira (2), que “informação correta também é medicação”, em referência às fake news que se multiplicam na atual crise sanitária, a infectologista Luana Araújo enfatizou ser preciso uma mudança de eixo para modificar o atual cenário pandêmico no país. Para isso, são essenciais, segundo a médica, investimento em comunicação clara e unificada para a população, precocidade no diagnóstico, educação quanto às medidas sanitárias e de ação, testagem em massa, propagação da vacina e uma ação proativa do Ministério da Saúde.
Ao final do depoimento, que durou mais de sete horas, a infectologista respondeu à senadora Simone Tebet (MDB-MS) que “faltou planejamento, coordenação e compreensão da situação em que nos encontrávamos e que continua”.
— Faltam equipes técnicas, faltam gestões profissionalizadas da saúde, faltam profissionais de saúde pública em todas as instâncias, temos um longo caminho a percorrer. O importante era que se recuperasse o tempo perdido e passasse a ter ações mais assertivas — afirmou.
Simone esclareceu que se utilizou de perguntas de um documento enviado pela Casa Civil da Presidência da República aos seus ministros de estados “com acusações esperadas na CPI”. Para a senadora, “o Brasil errou e é preciso buscar responsabilidades, doa a quem doer”.
Questionada pelo senador Humberto Costa (PT-PE) sobre qual seria o atual cenário se houvesse uma maior preocupação com a atenção primária no combate à pandemia, Luana foi categórica em dizer que a resposta à crise pandêmica não pode estar focada na atenção terciária.
— Eu não posso focar em hospitais simplesmente toda a minha estratégia de combate à pandemia, ou em leitos de CTI, porque eu já estou atrasada. É preciso mudar o eixo de resposta para a atenção primária, não só para um diagnóstico precoce, mas principalmente para educação, aconselhamento e acompanhamento das pessoas. Então, quando eu digo que a pandemia é uma crise de confiança também, isso poderia ter sido amenizado pelo uso da atenção primária. Espero que seja utilizada de forma mais contundente daqui pra frente.
Aos senadores Eduardo Braga (MDB-AM) e Marcos Rogério (DEM-RO), Luana esclareceu que há dificuldades para as pessoas compreenderem a diferença entre abordagem precoce de um paciente, “tratamento precoce” e profilaxia.
A médica explicou que o paciente com suspeita de covid-19 precisa ter acesso a diagnóstico imediato, ser educado quanto às medidas de distanciamento social, quanto à evolução da doença, quanto ao monitoramento, precisa ser informado quanto ao que esperar da doença, como e onde procurar auxílio.
— Quando a gente fala de profilaxia, a gente está se referindo a impedir que a pessoa adoeça ou diminuir a chance, o risco, de a pessoa adoecer. A gente está falando na intervenção vacinal majoritariamente e, associadas a ela, nas outras estratégias não farmacológicas de comportamento. Com relação à intervenção precoce, ela não significa adoção de terapêutica, não necessariamente; ela significa uma intervenção pra que a gente tente diminuir o risco de agravamento e/ou diminuir ou cessar a cadeia de transmissão.
Para Marcos Rogério, “levando-se em consideração o cenário de 2020″, a afirmação da médica “não seria respondida pela vacina, porque ainda não a tínhamos”. O senador questionou ainda o porquê de a depoente considerar frágil a plausibilidade teórica da ação médica ao receitar medicamentos, como a hidroxicloroquina, aos pacientes.
Ao afirmar que não há ferramenta farmacológica que possa ser utilizada de forma inicial, a médica, que possui um site para esclarecimento de informações científicas, sobre a covid-19, expôs que muitas drogas têm efeito antiviral apenas in vitro.
— Quando a gente vai transferir essa potência antiviral in vitro para a complexidade dos organismos multicelulares e organizados, a gente tem menos de 10% de sucesso nessa transferência. A hidroxicloroquina tem vários mecanismos de ação, mas nenhuma dessas circunstâncias foi provada ser eficaz na questão da covid-19 propriamente dita.
Luana reforçou, ainda, que nunca houve evidências sólidas pelo “tratamento precoce”, ao que classificou como uma questão “anacrônica” e reducionista. Ela fez um apelo pelo investimento na ciência.
— A gente está vendo muitas pessoas entrarem num quadro de covid-19, agravando e, quando vai tentar a intervenção, já não há mais o que fazer, daqui a pouco, está intubado e a taxa de óbito para quem vai para esse processo é muito alta, lamentavelmente — pontuou Marcos Rogério.
Testagem em massa
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) afirmou que o país está na posição de número 77 quando se refere à questão da testagem, com 149 testes por cada mil habitantes. Ela questionou informação acerca da quantidade de 7 milhões de testes vencidos, o que representaria um valor da ordem de R$ 700 milhões. Pediu, inclusive, que a CPI averigue essa situação.
— O que me foi informado é que esses testes não venceram; mas eles teriam sido trocados por outros testes com validade superior pra que eles ainda pudessem ser usados — disse Luana.
Ao afirmar que a testagem em massa é um dos pilares da resposta eficaz à pandemia, a infectologista considerou ser mais importante estar atento ao fato que o “padrão ouro” de testagem no país — o chamado teste PCR — leva muito tempo para conferir resposta e, com isso, se perde a oportunidade de interrupção da cadeia da doença.
— A nossa estratégia de testagem, até o momento, foi baseada num tipo de teste, que vocês já devem ter feito, muitos aqui, chamado PCR, que é aquele em que a gente coloca um swab no nariz. Infelizmente, pelo tamanho do nosso país e pelas dificuldades técnicas de realização de um teste que precisa de uma estrutura laboratorial grande e complexa, leva muito tempo pra gente ter o resultado desse teste. Então, na hora em que o paciente recebe de volta esse resultado, a gente já perdeu a oportunidade de interrupção da cadeia de transmissão da doença, que é o que a gente precisa hoje — detalhou.
A infectologista disse esperar que o plano de testagem em massa seja levado a cabo pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, de forma a ser “bastante assertivo e trazer bons resultados”.
Vacinação
Ao senador Jorginho Mello (PL-SC), que questionou algumas mortes terem ocorrido no pais mesmo após a imunização, a infectologista garantiu que a vacina confere proteção individual e populacional, mas que nunca é 100%, sendo muito maior o número de mortes pela sua falta.
Luana afirmou, contudo, ser importante também a manutenção de outras medidas de contenção ao vírus durante a pandemia, já que não há como imunizar a todos ao mesmo tempo.
A médica classificou como uma estratégia “não inteligente” a tese de imunidade de rebanho e disse que a vacina “induz uma resposta ao mesmo tempo muito mais sólida do que infecção natural e num período de tempo mais curto”.
Nessa linha, Eliziane apontou resultados obtidos em experiência com a imunização da população adulta com CoronaVac em Serrana (SP).
— Temos um resultado de uma experiência de Serrana, que acaba nos trazendo realmente muita esperança por conta da eficiência da CoronaVac. Por exemplo, a imunização de toda população adulta no município do interior paulista com a vacina fez os casos sintomáticos da covid-19 despencarem 80% no caso de internação e em 95% em relação às mortes — expôs Eliziane.
Zenaide Maia (Pros-RN) também ratificou a importância da vacina no braço, com manutenção das medidas sanitárias e de isolamento, além de campanhas educativas nacionais.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)