Direitos do Cidadão
18 de Junho de 2019 às 17h20
Em evento sobre migrantes, MPF na PB recebeu refugiado sírio que escolheu capital paraibana como recomeço para uma vida longe da guerra
Advogado pela Faculdade de Damasco, Hayan Aldaas vende artesanato sírio em João Pessoa para sobreviver
Refugiado sírio, Hayan Aldaas é formado em Direito pela Universidade de Damasco. Imagem: Ascom MPF/PB
Acolhimento e integração de refugiados e imigrantes foi tema de um simpósio e sete oficinas realizados na sede do Ministério Público Federal (MPF) na Paraíba, entre os dias 10 e 12 de abril, reunindo agentes públicos, sociedade civil, acadêmicos e migrantes, dentre eles Hayan Aldaas, advogado sírio de 30 anos, que reside em João Pessoa há seis meses e que aproveitou a oportunidade para expor seus artesanatos, atividade que complementa a sua renda, já que, devido a questões burocráticas e à crise no mercado de trabalho, não pode, por enquanto, exercer a carreira jurídica na capital paraibana.
Formado em Direito pela Faculdade de Damasco, na capital da Síria, após os dois anos de estágio exigidos para a aptidão do exercício da advocacia, Hayan não conseguiu permanecer no país de origem por causa da guerra. Com as dificuldades que surgiram, veio a escolha de partir para o Brasil. Além do emprego, a guerra na Síria, que em março completou oito anos, trouxe a Hayan outras perdas. “A guerra começou em 2011. Durante quatro anos eu vi coisas horríveis acontecerem com amigos, vizinhos, com Damasco, cidade em que morava. Já perdi minha casa, perdi primos, passei por muitas coisas ruins. Cada ano que passava vinha a esperança de que a guerra iria acabar, mas era uma falsa esperança”, contou.
Em busca de uma nova trajetória para a sua vida, em outubro de 2015, Hayan Haldaas mudou-se para São Paulo, onde encontrou seu irmão, o arquiteto Muhanad Aldaas, que havia chegado no Brasil quatro meses antes. Ao entrar em terras brasileiras, Hayan contou que sua maior dificuldade foi aprender a nova língua. “Fiz um curso de português durante dois meses em São Paulo, no Instituto Adus [Instituto de Reintegração do Refugiado], foi quando comecei a me relacionar melhor com a língua”, relatou.
Após três meses morando em São Paulo, ajudado pela rede de comerciantes sírios da capital paulista, Hayan conseguiu emprego de distribuidor, área em que atuou por um ano. “Pra mim, que tenho formação de advogado, foi difícil trabalhar com algo totalmente diferente”, reconheceu. Em seguida, ele tentou ganhar a vida em um país vizinho, Paraguai, onde passou apenas dois meses. Ao retornar para São Paulo, enfrentou seis meses de desemprego e só conseguiu trabalho como vendedor de uma empresa de equipamentos de segurança. Após esse tempo, começou a atuar na área comercial de uma empresa de cosméticos.
As vendas de artesanato iniciaram ainda na capital paulista em um evento cultural e gastronômico realizado pela organização social Compassiva, onde Hayan expôs materiais como tapetes, capas para almofadas e porta-joias, todos vindos da Síria. Após o período residindo na maior capital do país, Hyan e seu irmão Muhanad decidiram que estava na hora de procurar outra cidade.
A escolha por João Pessoa foi realizada em conjunto. “Eu e meu irmão queríamos nos mudar para uma cidade litorânea, fizemos pesquisas e muitas pessoas nos falavam que João Pessoa é uma cidade que está se desenvolvendo bastante, é limpa, organizada, tem um clima agradável, então a nossa expectativa era crescer junto com a cidade”, explicou Hayan. Expectativas renovadas, em janeiro de 2019 os irmãos chegaram à capital paraibana.
Em um mês, Muhanad Aldaas, arquiteto também formado pela Faculdade de Damasco, conseguiu emprego na área de arquitetura, mas, mesmo a capital paraibana tendo um custo de vida mais barato que São Paulo, existe um porém, “os salários oferecidos aqui não são bons”, comentou Hayan. De acordo com o jovem, os seis primeiros meses na capital não estão sendo fáceis. Ainda atuando na empresa de cosméticos, como homeoffice, Hayan também vende seus artesanatos e, mesmo em meio às dificuldades, acredita que João Pessoa é um local que tem potencial e que, com o tempo, a situação melhorará.
Uma pesquisa realizada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados(ACNUR) e pela Catédra Sérgio Vieira de Melo (CSVM), lançada em maio de 2019, entrevistou refugiados para um levantamento inédito de perfil socioeconômico. Foram entrevistados 487 refugiados residentes em oito unidades da federação: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Amazonas e Distrito Federal. A pesquisa constatou que 34,4% dessas pessoas possuem ensino superior. O levantamento também constatou que 68% dos 462 refugiados que responderam sobre uso das habilidades profissionais no mercado de trabalho não atuam em suas áreas de formação. A revalidação de diplomas é um dos empecilhos, como no caso de Hayan. Os números afirmam que a escolaridade apresentada pelos refugiados entrevistados está acima da média brasileira, mesmo assim, o desemprego e falta de melhores oportunidades continuam sendo a realidade das pessoas que são obrigadas a abandonarem os seus países de origem na procura de um novo recomeço para suas vidas.
Validação de diploma – Considerado entre os países mais rigorosos para a habilitação de advogados estrangeiros, o Brasil possui fases burocráticas que muitas vezes desanimam quem vem de outros países. Entre os critérios para que um estrangeiro esteja apto a atuar como advogado no país estão: ser aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ter a validação do diploma obtido em instituição estrangeira. Processo moroso, a validação do diploma é uma das esperas ansiosas de Hayan, que já deu entrada no procedimento. Segundo ele, a prova da OAB faz parte de planos futuros. “Quero obter mais conhecimento sobre as leis brasileiras e melhorar meu português, para depois poder fazer o Exame de Ordem”, adiantou.
A coordenadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Deslocados Ambientais (NEPDA) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Andrea Maria Calazans, explica que a falta de validação do diploma é um problema que leva o migrante ao “trabalho informal e por vezes fortalece seus sentimentos negativos, comuns a pessoas em situação de vulnerabilidade, como inutilidade, letargia, depressão e até suicídio”, alerta Calazans, que também é professora adjunta da graduação e pós-graduação em Relações Internacionais na UEPB e soma mais de 20 anos de atuação com temas voltados à integração de refugiados e migrantes.
De acordo com a professora, em todo o Brasil, apenas quatro instituições realizam esse tipo de procedimento: a Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e a Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB). A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) ainda não realiza a validação de diplomas estrangeiros mas, segundo a docente, esse é um tema que vem sendo debatido dentro da instituição. “Temos conversado sobre como implementá-lo”, adiantou Andrea Calazans.
Em meio às dificuldades que surgem, Hayan Aldaas, de olhar firme e sorriso discreto, através de seus gestos e palavras evidencia que as agruras da vida chegaram cedo e de forma muito intensa para ele, mas seu semblante ainda deixa transparecer que a esperança se mantém acesa e é o que lhe dá forças para seguir e acreditar que dias melhores estão por vir. “A vida é uma surpresa, nunca imaginei que fosse passar por essas experiências. O Brasil tem as suas dificuldades, não é o único que está enfrentando problemas com o mercado de trabalho, mas é um lugar de muito potencial, é um lugar lindo. Eu e meu irmão estamos animados e acreditamos que as coisas vão dar certo e estamos trabalhando para isso.”, assegurou.
Rede de apoio – A Rede de Capacitação a Refugiados e Migrantes realizou em abril de 2019, no MPF em João Pessoa, o evento “Refugiados e Migrantes na Paraíba: Como Acolher e Integrar?“, que abordou questões relacionadas à integração e acolhimento de pessoas que vêm de outros países para o estado paraibano em busca de condições melhores de vida, como é o caso de Hayan e de seu irmão Muhanad. A programação foi composta por um simpósio e sete oficinas que trataram de assuntos relacionados ao papel da imprensa no combate à xenofobia; nova Lei de Migração; Lei do Refúgio; prevenção ao trabalho escravo e tráfico de pessoas, dentre outros.
De acordo com o procurador da República responsável pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) na Paraíba, José Godoy Bezerra de Souza, a rede de apoio de acolhimento a imigrantes e refugiados no estado paraibano é uma iniciativa importante para proporcionar aos estrangeiros que chegam, muitas vezes, em situação de vulnerabilidade, um espaço acolhedor pronto a oferecer oportunidades e garantias de bem-estar. “Nós somos um dos estados que acolhe imigrantes e refugiados, principalmente, após o programa de interiorização dos venezuelanos. Então, a Paraíba precisa estar preparada para receber essa população que vem numa situação extremamente difícil, fugindo de uma crise política, econômica e humanitária muito grave. O simpósio e as oficinas capacitaram os órgãos parceiros, a mídia e a sociedade a receber essas pessoas, para que tenhamos uma rede de acolhimento competente”, explicou Godoy.
Parcerias – A Rede de Capacitação a Refugiados e Migrantes é composta pela ESMPU, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), Ministério Público do Trabalho (MPT), ACNUR, Organização Internacional para as Migrações (OIM), Conectas Direitos Humanos, Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), Defensoria Pública da União (DPU), Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Missão Paz e UNICEF. Já realizou as atividades de capacitação em outras oito capitais (Belém, Manaus, São Paulo, Boa Vista, Porto Alegre, Recife, Curitiba e Florianópolis) e, conforme dados da ESMPU, já capacitou cerca de três mil pessoas, dentre jornalistas, agentes públicos, representantes de ONGs, migrantes, pesquisadores, refugiados e demais interessados.
Destino de refugiados – A Paraíba tem se tornado um destino para refugiados e migrantes. Ela é um dos 17 estados brasileiros que recepcionaram venezuelanos nos últimos meses. Desde o início da crise na Venezuela, estima-se que, aproximadamente, 350 cidadãos venezuelanos migraram para a Paraíba. De acordo com informações do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), 244 deles chegaram ao estado por meio do projeto de interiorização, coordenado pelo Governo Federal. Os demais, segundo a coordenadora do Grupo de Trabalho Migrações e Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Maritza Farena, escolheram João Pessoa e outros municípios paraibanos por iniciativa própria ou para reencontrar familiares que deixaram a Venezuela há mais tempo.
Além de João Pessoa, outro município paraibano que participa do projeto de interiorização dos venezuelanos é Conde, localizado na região metropolitana de João Pessoa. De acordo com a prefeita do município, Márcia Lucena, o local já recebeu, desde meados de 2018, 45 migrantes. Márcia conta que o resultado positivo no acolhimento se deve à atuação conjunta do Serviço Pastoral dos Migrantes do Nordeste (SPM-NE), as secretarias municipais de saúde, educação e desenvolvimento social, o Ministério Público e os moradores.
Em meio a esse cenário de acolhida, o mercado de trabalho continua sendo um dos grandes desafios. Segundo o procurador da República José Godoy, trabalhos estão sendo feitos para sanar problemas como esses. “A Constituição Federal de 1988 é a própria garantia que assegura aos migrantes que aqui chegam os mesmos direitos que são garantidos aos brasileiros. Em relação a emprego, essas pessoas são inseridas no mercado de trabalho a partir do seu nível de qualificação ou buscando quem no mercado possa absorver esses profissionais. O MPF e os órgãos parceiros estão trabalhando e mantendo um diálogo constante para descobrir os problemas ainda existentes no acolhimento de migrantes e buscar resolvê-los”, concluiu.
Dia Mundial – Comemorado em 20 de junho, o Dia Mundial do Refugiado é uma oportunidade de renovar a esperança e praticar a solidariedade no acolhimento de pessoas que se encontram em estado de vulnerabilidade, como é o caso do último grupo de venezuelanos que chegaram à Paraíba, em março deste ano. Desde o dia 16 de junho, vem sendo realizada a 34ª Semana do Migrante, organizada pelo Serviço Pastoral do Migrante em diversos locais do Brasil, com o lema “Acolher, Proteger, Promover, Integrar e Celebrar. A luta é todo o dia”. Como parte da 34ª Semana do Migrante, entre os dias 16 e 23 desse mês, a rádio da Arquidiocese da Paraíba transmitirá programa especial com Arisvaldo Sezyshta, coordenador da Casa do Migrante no estado paraibano.
De acordo com o coordenador geral do Serviço Pastoral do Migrante do Nordeste, Roberto Saraiva, essas são formas de chamar a atenção da população. “É um modo de mostrar a importância do tema e sensibilizar a sociedade sobre o combate à xenofobia”, explica o coordenador.
A Casa do Migrante, vinculada à pastoral, localizada no município de Conde, na Paraíba, surgiu como “chamamento da Igreja Católica para o atendimento aos migrantes venezuelanos”, enfatiza Roberto. Ele conta que um dos fatores que acelerou o processo de inauguração da casa foi o agravamento da crise em Roraima. Por meio de um plano organizado pela igreja no Brasil, em consonância com o SPM Nacional, a casa recebeu os primeiros venezuelanos, 44 no total, pelo programa de interiorização do Governo Federal, organizado pelo Exército Brasileiro e pela ACNUR. “Hoje, já somamos mais de 165 pessoas acolhidas e 80% estão trabalhando e buscando integrar-se à sociedade paraibana”, confirmou o coordenador do SPM-NE.
No próximo dia 3 de julho de 2019, a Casa do Migrante, em Conde, completará um ano de atuação. “Vamos celebrar um ano de muito trabalho e desafios, com o objetivo de que as parcerias com o Ministério Público do Trabalho (MPT), com a Arquidiocese e outros seguimentos que já tivemos, sejam renovados em busca de uma cidadania digna e de uma ação essencialmente de efetivação de Direitos Humanos. Esse é um princípio dos mais observados por nossa entidade. O Papa Francisco, vive nos chamando a viver essa comunhão” completou Saraiva.
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Advogado pela Faculdade de Damasco, Hayan Aldaas vende artesanato sírio em João Pessoa para sobreviver
Refugiado sírio, Hayan Aldaas é formado em Direito pela Universidade de Damasco. Imagem: Ascom MPF/PB
Acolhimento e integração de refugiados e imigrantes foi tema de um simpósio e sete oficinas realizados na sede do Ministério Público Federal (MPF) na Paraíba, entre os dias 10 e 12 de abril, reunindo agentes públicos, sociedade civil, acadêmicos e migrantes, dentre eles Hayan Aldaas, advogado sírio de 30 anos, que reside em João Pessoa há seis meses e que aproveitou a oportunidade para expor seus artesanatos, atividade que complementa a sua renda, já que, devido a questões burocráticas e à crise no mercado de trabalho, não pode, por enquanto, exercer a carreira jurídica na capital paraibana.
Formado em Direito pela Faculdade de Damasco, na capital da Síria, após os dois anos de estágio exigidos para a aptidão do exercício da advocacia, Hayan não conseguiu permanecer no país de origem por causa da guerra. Com as dificuldades que surgiram, veio a escolha de partir para o Brasil. Além do emprego, a guerra na Síria, que em março completou oito anos, trouxe a Hayan outras perdas. “A guerra começou em 2011. Durante quatro anos eu vi coisas horríveis acontecerem com amigos, vizinhos, com Damasco, cidade em que morava. Já perdi minha casa, perdi primos, passei por muitas coisas ruins. Cada ano que passava vinha a esperança de que a guerra iria acabar, mas era uma falsa esperança”, contou.
Em busca de uma nova trajetória para a sua vida, em outubro de 2015, Hayan Haldaas mudou-se para São Paulo, onde encontrou seu irmão, o arquiteto Muhanad Aldaas, que havia chegado no Brasil quatro meses antes. Ao entrar em terras brasileiras, Hayan contou que sua maior dificuldade foi aprender a nova língua. “Fiz um curso de português durante dois meses em São Paulo, no Instituto Adus [Instituto de Reintegração do Refugiado], foi quando comecei a me relacionar melhor com a língua”, relatou.
Após três meses morando em São Paulo, ajudado pela rede de comerciantes sírios da capital paulista, Hayan conseguiu emprego de distribuidor, área em que atuou por um ano. “Pra mim, que tenho formação de advogado, foi difícil trabalhar com algo totalmente diferente”, reconheceu. Em seguida, ele tentou ganhar a vida em um país vizinho, Paraguai, onde passou apenas dois meses. Ao retornar para São Paulo, enfrentou seis meses de desemprego e só conseguiu trabalho como vendedor de uma empresa de equipamentos de segurança. Após esse tempo, começou a atuar na área comercial de uma empresa de cosméticos.
As vendas de artesanato iniciaram ainda na capital paulista em um evento cultural e gastronômico realizado pela organização social Compassiva, onde Hayan expôs materiais como tapetes, capas para almofadas e porta-joias, todos vindos da Síria. Após o período residindo na maior capital do país, Hyan e seu irmão Muhanad decidiram que estava na hora de procurar outra cidade.
A escolha por João Pessoa foi realizada em conjunto. “Eu e meu irmão queríamos nos mudar para uma cidade litorânea, fizemos pesquisas e muitas pessoas nos falavam que João Pessoa é uma cidade que está se desenvolvendo bastante, é limpa, organizada, tem um clima agradável, então a nossa expectativa era crescer junto com a cidade”, explicou Hayan. Expectativas renovadas, em janeiro de 2019 os irmãos chegaram à capital paraibana.
Em um mês, Muhanad Aldaas, arquiteto também formado pela Faculdade de Damasco, conseguiu emprego na área de arquitetura, mas, mesmo a capital paraibana tendo um custo de vida mais barato que São Paulo, existe um porém, “os salários oferecidos aqui não são bons”, comentou Hayan. De acordo com o jovem, os seis primeiros meses na capital não estão sendo fáceis. Ainda atuando na empresa de cosméticos, como homeoffice, Hayan também vende seus artesanatos e, mesmo em meio às dificuldades, acredita que João Pessoa é um local que tem potencial e que, com o tempo, a situação melhorará.
Uma pesquisa realizada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados(ACNUR) e pela Catédra Sérgio Vieira de Melo (CSVM), lançada em maio de 2019, entrevistou refugiados para um levantamento inédito de perfil socioeconômico. Foram entrevistados 487 refugiados residentes em oito unidades da federação: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Amazonas e Distrito Federal. A pesquisa constatou que 34,4% dessas pessoas possuem ensino superior. O levantamento também constatou que 68% dos 462 refugiados que responderam sobre uso das habilidades profissionais no mercado de trabalho não atuam em suas áreas de formação. A revalidação de diplomas é um dos empecilhos, como no caso de Hayan. Os números afirmam que a escolaridade apresentada pelos refugiados entrevistados está acima da média brasileira, mesmo assim, o desemprego e falta de melhores oportunidades continuam sendo a realidade das pessoas que são obrigadas a abandonarem os seus países de origem na procura de um novo recomeço para suas vidas.
Validação de diploma – Considerado entre os países mais rigorosos para a habilitação de advogados estrangeiros, o Brasil possui fases burocráticas que muitas vezes desanimam quem vem de outros países. Entre os critérios para que um estrangeiro esteja apto a atuar como advogado no país estão: ser aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ter a validação do diploma obtido em instituição estrangeira. Processo moroso, a validação do diploma é uma das esperas ansiosas de Hayan, que já deu entrada no procedimento. Segundo ele, a prova da OAB faz parte de planos futuros. “Quero obter mais conhecimento sobre as leis brasileiras e melhorar meu português, para depois poder fazer o Exame de Ordem”, adiantou.
A coordenadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Deslocados Ambientais (NEPDA) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Andrea Maria Calazans, explica que a falta de validação do diploma é um problema que leva o migrante ao “trabalho informal e por vezes fortalece seus sentimentos negativos, comuns a pessoas em situação de vulnerabilidade, como inutilidade, letargia, depressão e até suicídio”, alerta Calazans, que também é professora adjunta da graduação e pós-graduação em Relações Internacionais na UEPB e soma mais de 20 anos de atuação com temas voltados à integração de refugiados e migrantes.
De acordo com a professora, em todo o Brasil, apenas quatro instituições realizam esse tipo de procedimento: a Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e a Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB). A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) ainda não realiza a validação de diplomas estrangeiros mas, segundo a docente, esse é um tema que vem sendo debatido dentro da instituição. “Temos conversado sobre como implementá-lo”, adiantou Andrea Calazans.
Em meio às dificuldades que surgem, Hayan Aldaas, de olhar firme e sorriso discreto, através de seus gestos e palavras evidencia que as agruras da vida chegaram cedo e de forma muito intensa para ele, mas seu semblante ainda deixa transparecer que a esperança se mantém acesa e é o que lhe dá forças para seguir e acreditar que dias melhores estão por vir. “A vida é uma surpresa, nunca imaginei que fosse passar por essas experiências. O Brasil tem as suas dificuldades, não é o único que está enfrentando problemas com o mercado de trabalho, mas é um lugar de muito potencial, é um lugar lindo. Eu e meu irmão estamos animados e acreditamos que as coisas vão dar certo e estamos trabalhando para isso.”, assegurou.
Rede de apoio – A Rede de Capacitação a Refugiados e Migrantes realizou em abril de 2019, no MPF em João Pessoa, o evento “Refugiados e Migrantes na Paraíba: Como Acolher e Integrar?“, que abordou questões relacionadas à integração e acolhimento de pessoas que vêm de outros países para o estado paraibano em busca de condições melhores de vida, como é o caso de Hayan e de seu irmão Muhanad. A programação foi composta por um simpósio e sete oficinas que trataram de assuntos relacionados ao papel da imprensa no combate à xenofobia; nova Lei de Migração; Lei do Refúgio; prevenção ao trabalho escravo e tráfico de pessoas, dentre outros.
De acordo com o procurador da República responsável pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) na Paraíba, José Godoy Bezerra de Souza, a rede de apoio de acolhimento a imigrantes e refugiados no estado paraibano é uma iniciativa importante para proporcionar aos estrangeiros que chegam, muitas vezes, em situação de vulnerabilidade, um espaço acolhedor pronto a oferecer oportunidades e garantias de bem-estar. “Nós somos um dos estados que acolhe imigrantes e refugiados, principalmente, após o programa de interiorização dos venezuelanos. Então, a Paraíba precisa estar preparada para receber essa população que vem numa situação extremamente difícil, fugindo de uma crise política, econômica e humanitária muito grave. O simpósio e as oficinas capacitaram os órgãos parceiros, a mídia e a sociedade a receber essas pessoas, para que tenhamos uma rede de acolhimento competente”, explicou Godoy.
Parcerias – A Rede de Capacitação a Refugiados e Migrantes é composta pela ESMPU, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), Ministério Público do Trabalho (MPT), ACNUR, Organização Internacional para as Migrações (OIM), Conectas Direitos Humanos, Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), Defensoria Pública da União (DPU), Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Missão Paz e UNICEF. Já realizou as atividades de capacitação em outras oito capitais (Belém, Manaus, São Paulo, Boa Vista, Porto Alegre, Recife, Curitiba e Florianópolis) e, conforme dados da ESMPU, já capacitou cerca de três mil pessoas, dentre jornalistas, agentes públicos, representantes de ONGs, migrantes, pesquisadores, refugiados e demais interessados.
Destino de refugiados – A Paraíba tem se tornado um destino para refugiados e migrantes. Ela é um dos 17 estados brasileiros que recepcionaram venezuelanos nos últimos meses. Desde o início da crise na Venezuela, estima-se que, aproximadamente, 350 cidadãos venezuelanos migraram para a Paraíba. De acordo com informações do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), 244 deles chegaram ao estado por meio do projeto de interiorização, coordenado pelo Governo Federal. Os demais, segundo a coordenadora do Grupo de Trabalho Migrações e Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Maritza Farena, escolheram João Pessoa e outros municípios paraibanos por iniciativa própria ou para reencontrar familiares que deixaram a Venezuela há mais tempo.
Além de João Pessoa, outro município paraibano que participa do projeto de interiorização dos venezuelanos é Conde, localizado na região metropolitana de João Pessoa. De acordo com a prefeita do município, Márcia Lucena, o local já recebeu, desde meados de 2018, 45 migrantes. Márcia conta que o resultado positivo no acolhimento se deve à atuação conjunta do Serviço Pastoral dos Migrantes do Nordeste (SPM-NE), as secretarias municipais de saúde, educação e desenvolvimento social, o Ministério Público e os moradores.
Em meio a esse cenário de acolhida, o mercado de trabalho continua sendo um dos grandes desafios. Segundo o procurador da República José Godoy, trabalhos estão sendo feitos para sanar problemas como esses. “A Constituição Federal de 1988 é a própria garantia que assegura aos migrantes que aqui chegam os mesmos direitos que são garantidos aos brasileiros. Em relação a emprego, essas pessoas são inseridas no mercado de trabalho a partir do seu nível de qualificação ou buscando quem no mercado possa absorver esses profissionais. O MPF e os órgãos parceiros estão trabalhando e mantendo um diálogo constante para descobrir os problemas ainda existentes no acolhimento de migrantes e buscar resolvê-los”, concluiu.
Dia Mundial – Comemorado em 20 de junho, o Dia Mundial do Refugiado é uma oportunidade de renovar a esperança e praticar a solidariedade no acolhimento de pessoas que se encontram em estado de vulnerabilidade, como é o caso do último grupo de venezuelanos que chegaram à Paraíba, em março deste ano. Desde o dia 16 de junho, vem sendo realizada a 34ª Semana do Migrante, organizada pelo Serviço Pastoral do Migrante em diversos locais do Brasil, com o lema “Acolher, Proteger, Promover, Integrar e Celebrar. A luta é todo o dia”. Como parte da 34ª Semana do Migrante, entre os dias 16 e 23 desse mês, a rádio da Arquidiocese da Paraíba transmitirá programa especial com Arisvaldo Sezyshta, coordenador da Casa do Migrante no estado paraibano.
De acordo com o coordenador geral do Serviço Pastoral do Migrante do Nordeste, Roberto Saraiva, essas são formas de chamar a atenção da população. “É um modo de mostrar a importância do tema e sensibilizar a sociedade sobre o combate à xenofobia”, explica o coordenador.
A Casa do Migrante, vinculada à pastoral, localizada no município de Conde, na Paraíba, surgiu como “chamamento da Igreja Católica para o atendimento aos migrantes venezuelanos”, enfatiza Roberto. Ele conta que um dos fatores que acelerou o processo de inauguração da casa foi o agravamento da crise em Roraima. Por meio de um plano organizado pela igreja no Brasil, em consonância com o SPM Nacional, a casa recebeu os primeiros venezuelanos, 44 no total, pelo programa de interiorização do Governo Federal, organizado pelo Exército Brasileiro e pela ACNUR. “Hoje, já somamos mais de 165 pessoas acolhidas e 80% estão trabalhando e buscando integrar-se à sociedade paraibana”, confirmou o coordenador do SPM-NE.
No próximo dia 3 de julho de 2019, a Casa do Migrante, em Conde, completará um ano de atuação. “Vamos celebrar um ano de muito trabalho e desafios, com o objetivo de que as parcerias com o Ministério Público do Trabalho (MPT), com a Arquidiocese e outros seguimentos que já tivemos, sejam renovados em busca de uma cidadania digna e de uma ação essencialmente de efetivação de Direitos Humanos. Esse é um princípio dos mais observados por nossa entidade. O Papa Francisco, vive nos chamando a viver essa comunhão” completou Saraiva.
Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República na Paraíba
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