Em audiência pública interativa nesta segunda-feira (13), especialistas debateram na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) o projeto de lei que cria a obrigação de pessoas presas ressarcirem ao Estado despesas com a própria manutenção no estabelecimento prisional (PLS 580/2015). Vários dos convidados aproveitaram o debate para defender a criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar a gestão do sistema penitenciário do país. O debate foi conduzido pelo presidente da comissão, o senador Paulo Paim (PT-RS). O projeto será votado pela CDH na terça-feira (14), às 11h30.
A advogada criminalista Clarissa Tatiana Borges, representante do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), disse que toda e qualquer alteração na legislação penal tem de ser precedida por uma avaliação de impacto que mostre os custos sociais e financeiros para o Estado. Ela foi uma das que defendeu que o Congresso crie uma CPI para investigar, entre outras questões, a gestão orçamentária do sistema carcerário. Para ela, o sistema penitenciário brasileiro tem muitos recursos financeiros disponíveis, mas esses recursos são mal geridos. A advogada afirmou que o sistema é caro e dá aos presos um tratamento degradante, com violações de direitos e garantias individuais.
Segundo afirmou Clarissa Borges, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, ficando atrás apenas de Estados Unidos e China. Ela sugeriu que o Brasil passe a investir em alternativas ao encarceramento para diminuir o número de presos.
O advogado Roberto Lassere defendeu a aprovação do PLS 580/2015 e disse que os 737 mil presos do país custam anualmente R$ 17 bilhões ao Estado. Ele afirmou que a Lei de Execuções Penais (LEP) já prevê a possibilidade de haver trabalho para presos, mas que o instrumento ainda é pouco usado.
— É certo que nós, cidadãos que não entramos no mundo do crime, é certo que a gente pague isso exclusivamente? A reinserção social é maior pelo trabalho e pelo estudo. O trabalho e o estudo dignificam o aprisionado e traz reinserção social. É o que todo brasileiro faz no dia a dia, trabalhar para pagar suas obrigações — afirmou Lassere.
Ele também afirmou que 70% dos presos voltam a delinquir quando são soltos e que métodos alternativos, que incluem trabalho e estudo, têm reincidência de 15%. Disse ainda que, atualmente, apenas 9% dos presos brasileiros trabalham e 13% estudam na cadeia.
A professora do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) Carolina Costa Ferreira disse que o Brasil não tem condições de oferecer trabalho prisional para a maioria dos encarcerados. Segundo ela, apenas 22% das instituições penais do país têm condições de oferecer trabalho aos presos. Para a professora, o problema está na execução das políticas públicas penitenciárias. Ela defendeu uma maior fiscalização dos repasses aos estados de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), com auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU). Questionou também como serão afetadas as famílias dos presos com a obrigação de ressarcimento das despesas com o cumprimento da pena.
Por sua vez, o desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) George Lopes Leite disse que a maioria dos presos brasileiros não têm sequer condições de pagar as custas do próprio processo, que giram em torno de R$ 200. Ele defendeu que mudanças legislativas penais precisam de estudos mais aprofundados para serem implantadas. Ex-juiz de execução penal, George Leite afirmou também que, no Brasil, 35% estão presos provisoriamente, ou seja, sem condenação definitiva. Disse ainda que, dos mais de 16 mil presos no Distrito Federal, pouco mais de 5 mil trabalham ou estudam, ou seja, mais de 11 mil presos no DF estão “sem fazer absolutamente nada”. O desembargador acrescentou que faltam no país iniciativas de reabilitação do preso pelo trabalho e que nunca foi feito um recenseamento dos presidiários brasileiros.
O diretor da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) Luiz Antonio Colussi elogiou o PLS 580/2015 pela previsão de que o ressarcimento não será cobrado de quem não tem condições de pagar. Ele alertou que há casos de exploração de trabalho de apenados por parte de empresas privadas. Colussi afirmou que a Anamatra defende que a contratação de presos por empresas privadas seja feita pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que atualmente é vedado pela legislação, que determina que o preso pode receber remuneração inferior ao salário mínimo. Ele disse que sua entidade advoga que o mínimo a ser pago deve ser o salário mínimo e que empresas privadas só possam ter 10% de trabalhadores presos entre seus funcionários, para evitar concorrência desleal, já que os trabalhadores presos custam menos que trabalhadores livres.
Já o diretor de Políticas Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Sandro Abel Souza Barradas, citou como bom exemplo para o país presídios de Santa Catarina que têm praticamente 100% dos presos trabalhando. Ele disse que esse estado tem planos para implantar o instrumento em vários outros presídios e que outros estados estão interessados em replicar a experiência catarinense.
A procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) Carolina Mercante disse que uma das pautas prioritárias do ministério é o fomento ao trabalho prisional e a fiscalização das condições desse trabalho. Ela também defendeu que o Legislativo crie uma CPI da gestão dos orçamentos do sistema prisional, com foco especial nas licitações para prestação de serviços por empresas privadas, como o fornecimento de alimentação a presos. A procuradora afirmou que não basta colocar o preso para trabalhar, mas é necessário também prezar pela saúde e segurança laborais, seguindo as orientações para trabalho decente preconizadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
— São pessoas que cometeram crimes, mas continuam sendo seres humanos — disse Carolina Mercante ao defender que a remuneração do preso deve ser de um salário mínimo pelo menos.
Em seguida, a vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Distrito Federal, Cristiane Damaceno, disse que o Brasil desconhece quem são os presos do país e defendeu “uma política séria de gestão” do sistema penitenciário. Para ela, a aprovação do PLS 580/2015 é prematura e necessita de mais estudos. A advogada também cobrou uma CPI sobre a questão penitenciária.
O representante da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) Cleber Pinheiro Costa disse que a entidade tem 50 unidades no estado de Minas Gerais e que o preso em Apacs custa um terço do que custa um preso em penitenciária tradicional, pois há estudo e trabalho para todos. Ele também disse ser necessária uma CPI para investigar a “corrupção generalizada no sistema prisional”.
Autora do requerimento que pediu a audiência pública, a senadora Zenaide Maia (Pros-RN) concluiu que todos os debatedores participantes, apesar das divergências, acreditam que o trabalho e o estudo são importantes para os presos.
A relatora do PLS 580/2015, senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), informou que mais de 45 mil pessoas já declaram apoio à proposta por meio do portal do e-Cidadania, contra pouco mais de 1.400 contrários. Ela também destacou a participação popular com mensagens à página da audiência pública.
— A maioria da população brasileira quer que o preso pague suas despesas — disse a senadora ao explicar que o projeto prevê a suspensão do débito se o preso comprovar não ter condições de pagar.
De acordo com o relatório apresentado pela senadora, o preso deverá ressarcir ao Estado “as despesas realizadas com a sua manutenção no estabelecimento prisional”. Se não possuir recursos próprios para realizar o ressarcimento, o preso poderá valer-se do trabalho para pagar essas despesas, com descontos mensais de até um quarto do valor da remuneração recebida.
Ainda segundo o texto proposto, caso o preso tenha condições financeiras, mas se recusar a pagar ou a trabalhar, será inscrito na dívida ativa da Fazenda Pública.
Quanto à situação de presos provisórios, Soraya Thronicke acatou emenda para impedir o ingresso imediato nos cofres públicos de valores descontados da remuneração ou pagos com recursos próprios.
Nesses casos, as quantias recebidas pelo Estado serão depositadas judicialmente, e deverão ser revertidas para o pagamento das despesas de manutenção somente no caso de condenação transitada em julgado. Em caso de absolvição, os valores depositados serão então devolvidos ao preso.
Buscando atender presos em condição de hipossuficiência, a senadora sugere em seu relatório a suspensão da exigibilidade do débito por até cinco anos, aguardando uma eventual modificação da condição econômica do devedor, extinguindo-se a obrigação após este prazo.
Soraya afirma estar ciente que nem sempre o Estado terá condições de prover oportunidades de trabalho para os presos. Nestes casos, não deve então exigir que o condenado que não tenha recursos, arque com os custos da manutenção.
Outra emenda acolhida pela relatora prevê que, nos casos em que o preso for hipossuficiente e chegue ao final do cumprimento da pena com restos a pagar por seus gastos, terá então a dívida perdoada ao ser colocado em liberdade.
Também participaram do debate os senadores Nelsinho Trad (PSD-MS), Eduardo Girão (Pode-CE), Paulo Rocha (PT-PA), Styvenson Valentim (Pode-RN), Leila Barros (PSB-DF) e Antonio Anastasia (PSDB-MG), que disse que alguns presídios do país parecem “masmorras medievais ou depósitos de presos”.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)