Governo quer lei para regular vigilância estatal por meio de reconhecimento facial
Will Shutter/Câmara dos Deputados
Representantes do governo defenderam, na Câmara dos Deputados, o uso de câmaras de reconhecimento facial para combater a criminalidade e a discussão urgente de uma legislação específica para regular o assunto. O tema foi debatido em audiência pública na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática nesta quarta-feira (3). No debate, especialistas alertaram para a alta taxa de erro da tecnologia.
O oficial de inteligência da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Filipe Soares, integrante do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, disse que o reconhecimento facial pode ser utilizado para rastrear fugitivos, agressores, desaparecidos, suspeitos de terrorismo e potenciais espiões. “Aceitamos muito facilmente a vigilância promovida por empresas privadas, como o Google, mas somos reticentes quanto à vigilância realizada pelo Estado”, opinou.
Soares destacou que o País ainda não tem legislação adequada para promover a vigilância estatal por meio do reconhecimento facial e citou como diretrizes para essa regulação: diferenciar vigilância pública e privada; e traçar requisitos legais para que haja a vigilância das pessoas, com limites para o Estado invadir a privacidade das pessoas. “O cidadão tem que saber até onde o Estado pode ir”, observou. Conforme ele, a decisão de seguir e monitorar alguém deve ser do ser humano, e não da máquina.
O secretário de Telecomunicações do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Vitor Menezes, salientou que a recente Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/18) não regulamenta o uso de reconhecimento facial para a segurança pública. Ele também considera urgente a discussão de uma lei que regulamente especificamente essa tecnologia, que já está sendo usada no Brasil. No Carnaval, em Salvador (BA) e Rio de Janeiro (RJ), pessoas foram presas com base no reconhecimento facial feito por câmaras na rua.
Taxa de erro
Vitor Menezes foi um dos que alertou que há taxa de erro elevada no início da aplicação da tecnologia, e essa erros têm que ser levados em conta na legislação. Ele ressaltou que a tecnologia de reconhecimento facial precisa de amplo banco de dados para ser eficaz, e esses levam tempo para ser acumulados. Para ele, é preciso que a regulação determine que sempre haja supervisão humana sobre a tecnologia e que o cidadão tenha poder de contestar dados, para que não haja violação de direitos e garantias.
Diretor-executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), Fabro Steibel também disse que a precisão do reconhecimento facial é baixa e há até 92% de falsos positivos, fazendo com que pessoas inocentes sejam apontadas como criminosas. “É improvável que o sistema utilizado em larga escala, sem ambiente controlado, tenha taxa de acerto boa”, alertou.
Joana Aron, diretora executiva da organização da sociedade civil Coding Rights, citou estudo feito na Inglaterra pela organização Big Brother Watch, que mostrou até 98% de falsos positivos. Segundo ela, outro estudo da Massachusetts Institute of Technology (MIT) mostra que as respostas do sistema são mais acuradas com homens brancos, havendo mais falsos positivos no caso de homens negros e mais ainda de mulheres negras. Ela defende cautela com as pressões do mercado para adoção da tecnologia no Brasil e alertou que até mesmo a empresa Google prefere não vender a tecnologia por enquanto por conta da alta taxa de erros.
Outra questão que deve ser debatida, segundo a representante da Coding Rights, é quem terá acesso aos dados sensíveis do cidadão. Ela destacou que há propensão a abusos policiais, levando em conta o alto número de policiais militares envolvidos com milícias. E observou que no Rio de Janeiro a adoção das câmaras de reconhecimento foi parceria do estado com as empresas Oi e a chinesa Huawei, sendo que a Oi já foi multada por venda de dados de clientes e a Huawei está sendo banida por diversos países por conta da suspeita de auxiliar o governo chinês em espionagem dos cidadãos.
Banco de dados
Wanderley Júnior, da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, informou que está em fase de implantação o chamado big data (banco de dados) da segurança pública. O ministério estuda as alternativas apresentadas pelo mercado para o reconhecimento facial – tecnologia que poderá integrar o programa. Ele prevê que em 60 dias uma primeira fase desse programa já estará implementada, com dados disponibilizados para órgãos de segurança pública estaduais e municipais.