Indígenas
27 de Junho de 2019 às 19h5
Justiça volta a negar pedido de fazendeiros para intervir em ação que cobra estudos de terra indígena no PA
Após negativa da Justiça Federal em Santarém (PA), integrantes do agronegócio recorreram a Tribunal, sem sucesso
Arte: Secom/PGR
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília (DF), negou pedido de fazendeiros que solicitaram serem incluídos como réus em processo no qual o Ministério Público Federal (MPF) pede à Justiça que a Fundação Nacional do Índio (Funai) seja obrigada a realizar os estudos de identificação e delimitação de território reivindicado pelos povos indígenas Munduruku e Apiaká na área conhecida como planalto santareno, em Santarém, oeste do Pará. Oficialmente comunicada ao MPF na quarta-feira (26), a decisão do desembargador federal Jirair Meguerian, foi publicada em processo aberto no Tribunal a partir de recurso dos fazendeiros contra a primeira decisão que também havia negado o mesmo pedido, assinada em setembro do ano passado, pelo juiz federal Domingos Daniel Moutinho, de Santarém.
“Inexiste interesse jurídico ou mesmo puramente econômico no pedido de ingresso no feito, pois não se pretende na ação civil pública o reconhecimento da área como indígena, mas sim que os entes públicos adotem as medidas de identificação e de delimitação”, destaca o desembargador federal na decisão. “Nesse sentido, somente em caso de posterior procedimento administrativo de reconhecimento é que poderia nascer, em tese, o interesse jurídico dos agravantes”, complementa.
Suposições sobre glebas bloqueadas – Na decisão publicada no ano passado, o juiz federal Domingos Daniel Moutinho havia registrado que a ação não objetiva a demarcação da terra indígena e sim as medidas administrativas que a antecedem, bem como a elaboração de Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), documento técnico-administrativo que atesta ou não a ocupação tradicional de um território e define seus limites. “Portanto, sem essa delimitação, não há como definir quem terá sua esfera jurídica afetada por eventual demarcação, que poderá ou não ocorrer. Assim, não obstantes as alegações dos pretensos terceiros interessados, de possuírem algum direito (detenção, posse, propriedade etc.) sobre as terras em tela, tais alegações não passam de suposições, uma vez que não há como prever quais relações jurídicas poderão ser afetadas pela demarcação”, concluiu.
O juiz federal ressaltou: “há outro elemento fundamental a ser tido em conta na apreciação do interesse jurídico dos terceiros no ingresso do feito: as glebas federais da região já se encontram bloqueadas administrativamente para quaisquer processos de regularização. Não se trata, pois, de consequência a advir da presente demanda, de vez que já caracterizada antes mesmo de sua propositura.”
Pedido não compreendido – Em manifestação ao tribunal, os procuradores da República Camões Boaventura e Luisa Astarita Sangoi apontaram que o pedido dos fazendeiros indica que o objetivo da ação do MPF não foi compreendido por eles. Os membros do MPF frisaram que, conforme registrado no pedido inicial, a ação não pede a demarcação da terra indígena, e sim apenas a elaboração e posterior apreciação do RCID. “Os peticionantes parecem desconhecer os diferentes contornos jurídicos que possuem as etapas de ‘identificação e delimitação’ (inicial) e de ‘demarcação’ (ulterior, inclusive após período para contestação administrativa de eventuais interessados), no bojo do processo administrativo de demarcação de uma terra indígena, conforme previsto no Decreto 1.775/1996”, observaram os procuradores da República.
Entre outros argumentos, os fazendeiros afirmaram que o interesse jurídico deles no processo decorre do fato de serem “proprietários circunvizinhos da área pretendida pela comunidade”. Em resposta, o MPF voltou a sublinhar que não há área identificada e delimitada até o momento. “É o trabalho técnico da Funai que identificará e delimitará o território indígena, uma vez constatada ocupação tradicional. Sem a delimitação não há como constatar quais relações jurídicas pendentes e não controvertidas – interesse jurídico – poderão vir a ser afetadas pela demarcação”, contra-argumentaram os membros do MPF, destacando que, para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o interesse meramente econômico não se confunde com interesse jurídico.
Histórico e acordo – Desde 2008, mais de 600 indígenas do planalto santareno vêm solicitando formalmente a adoção de medidas para dar início aos estudos de identificação e delimitação. Ajuizada em maio do ano passado, a ação do MPF alerta que a falta de providências por parte da Funai transformou o planalto santareno no epicentro de uma série de violações de direitos, em grande parte associadas à expansão do monocultivo da soja: desmatamento, destruição de sítios arqueológicos, assoreamento de igarapés, contaminação do ar, da fauna e da flora por agrotóxicos – inclusive com a morte de animais –, tentativas de grilagem, ameaças e intimidações, entre outros problemas.
Enquanto na última década diversos outros processos administrativos de identificação e delimitação de territórios indígenas tiveram andamento na região, no Planalto Santareno o território Munduruku e Apiaká vem sendo fragilizado ano a ano e, na época do ajuizamento da ação, já contava com mais de 100 registros de empresários rurais que dizem possuir partes da área, mesmo que não tenham apresentado comprovação da legalidade dessas propriedades. Vários supostos detentores de terras permanecem explorando e cultivando soja no perímetro reivindicado pelos indígenas – inclusive nos arredores das aldeias – e vêm comercializando e arrendando partes do território. Até uma área sagrada dos indígenas foi cercada e só pode ser visitada mediante pagamento aos que se dizem donos do terreno.
Em outubro do ano passado, a Justiça Federal em Santarém homologou acordo entre o MPF e a Funai no processo judicial. A partir desse acordo foi publicada portaria de constituição do grupo técnico responsável pela elaboração dos estudos. O RCID será concluído e avaliado tecnicamente até 3 de dezembro de 2020. Esse prazo poderá ser prorrogado por, no máximo, um ano, mediante justificativa técnica previamente apresentada no processo judicial. Concluída a avaliação técnica, o RCID será imediatamente remetido à presidência da Funai, e essa remessa será informada no processo, prevê o texto da conciliação judicial. Também está previsto que a presidência da Funai deve se manifestar sobre o RCID, aprovando ou desaprovando-o de forma fundamentada, no prazo de 15 dias contados da data em que receber o documento, conforme determina a legislação.
Caso o RCID seja aprovado, a presidência da Funai deve publicar resumo do relatório no Diário Oficial da União e no Diário Oficial do Estado do Pará, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área. Nesse mesmo prazo, a publicação será afixada na sede da prefeitura do município em que a área estiver localizada. O acordo judicial estabelece, ainda, que a Funai apresentará, no processo, relatório semestral simplificado com descrição resumida das atividades realizadas no período, devendo ser concedida vista desses relatórios ao MPF.
Processo nº 1030424-13.2018.4.01.0000 – 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília (DF)
Íntegra das contrarrazões do MPF
Processo nº 1000141-38.2018.4.01.3902 – 1ª Vara Federal Cível e Criminal da Subseção Judiciária de Santarém (PA)
Íntegra da portaria de criação do grupo de trabalho responsável pelos estudos
Íntegra da decisão de homologação do acordo entre o MPF e a Funai
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