A construção da identidade de gênero ao longo do tempo, as problemáticas históricas em torno da questão racial e a evolução do entendimento acerca da sexualidade humana foram alguns dos temas discutidos no Seminário “Gênero e Raça”, iniciado na última quinta-feira (21), no prédio anexo da Procuradoria da República no Amazonas (PR/AM). O primeiro dia de evento contou com palestras ministradas pela coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidades e Interseccionalidades da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), professora Fátima Weiss de Jesus, e pela coordenadora do Comitê Gestor de Gênero e Raça do MPF, a subprocuradora-geral da República Ela Wiecko.
Fátima Weiss falou sobre pesquisadoras feministas que estudaram a temática da identidade de gênero desde o século passado para formar a compreensão do que é ser mulher, como Simone de Beauvoir e Joan Scott, além do histórico de opressão das mulheres nas sociedades patriarcais e de que maneira o papel da mulher na sociedade foi se modificando ao longo dos anos. A pesquisadora também fez diferenciação de conceitos essenciais relacionados a aspectos biológicos, emocionais e culturais do ser humano.
“Sinteticamente, sexo seria a categoria que ilustra as diferenças biológicas entre homens e mulheres; gênero remete à construção cultural coletiva de atributos de masculinidade e feminilidade; a identidade de gênero é um conceito pertinente para pensar o indivíduo no interior de uma cultura determinada e a sexualidade é um conceito contemporâneo para se referir às práticas e aos sentimentos ligados à atividade sexual dos indivíduos”, pontuou Fátima Weiss.
Ao falar sobre a sexualidade humana, Fátima Weiss ainda lembrou de momentos importantes para a superação de preconceitos, como a retirada do termo “homossexualismo” da lista de distúrbios mentais da American Psychology Association, em 1973.
A estagiária do Ministério Público do Trabalho Camila Silva dos Santos, que acompanhou o evento, acredita que o cenário político brasileiro atual reforça a importância do debate sobre as desigualdades e os preconceitos que ainda permanecem enraizados na sociedade. “A polarização em que vivemos é uma ameaça porque acredita-se que quem não está inserido nesse grupo (das maiorias) não merece respeito ou mesmo que dar igualdade de direitos significaria tirar de outros”, opinou.
O seminário encerrou na última sexta-feira (22), com oficinas que trataram sobre racismo, sexismo, discriminação de estereótipos, dentre outros temas.
Desafios institucionais – De acordo com a coordenadora da Comissão de Gênero e Raça do MPF no Amazonas, procuradora da República Michèle Diz Y Gil Corbi, esta é a primeira de seis edições do seminário promovido pela Escola Superior do Ministério Público (ESMPU), que será levado a outros estados brasileiros. Para ela, o evento é uma oportunidade de discutir de que forma é possível superar as desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho e na sociedade mais amplamente.
“O MPF tem papel de discutir o tema internamente porque a própria instituição apresenta desigualdades no número de mulheres em relação ao de homens, de negros com relação ao de brancos; os indígenas também são pouco representados. O MPF precisa olhar para dentro para corrigir essa questão e proporcionar mais inclusão. Mas essa é uma questão que afeta a população economicamente ativa como um todo. Então, também é possível ampliar a discussão e atuar em conjunto com outros agentes da sociedade”, declarou a procuradora.
A subprocuradora-geral da República Ela Wiecko destacou que, embora o Brasil esteja vivendo um momento conturbado politicamente, as discussões promovidas pelo MPF em torno dos assuntos que envolvem gênero e raça tem sido mantidas desde a criação do Comitê Gestor, em 2014.
“Há uma proposta, em nível de governo, de não discutir essas questões. De banir a palavra ‘gênero’, de acabar com cotas. (…) No caso do MPF, fico feliz por estarmos conseguindo, em um momento tão adverso, tocar esses projetos na Escola Superior e em todo o país. Na minha fala durante o evento de hoje, eu vou mostrar que é lei. Não podemos deixar de falar em perspectiva de gênero e raça, principalmente nós do Ministério Público, a quem cabe a defesa do Estado Democrático e dos direitos fundamentais, temos que estabelecer igualdade interna para fazer valer a Constituição e as leis”, afirmou a subprocuradora, antes de iniciar sua palestra.
Ainda segundo Ela Wiecko, a participação de homens e mulheres no âmbito dos servidores do MPF é equilibrada, mas em relação aos membros, a presença feminina está abaixo de 30%. “É um desafio que não é só nosso, mas de todos os organismos”, concluiu.