A procura por uma literatura infantojuvenil que tivesse referências na cultura negra para a filha Sara, de 3 anos, levou a professora Sinara Rúbia a criar a princesa Alafiá. A princesa Alafiá ganhou corpo durante a elaboração da monografia de Sinara no curso de letras, na Universidade Estácio de Sá (Unesa), em Petrópolis (RJ), virou conto e um livro que traz histórias da guerreira e quilombola imaginada em 2003, quando a professora se preocupava com a construção da identidade da filha, uma menina negra que crescia e precisava ter referências tanto em filmes, como nas bonecas e em narrativas.
“[Em 2003] foi quando eu me deparei com este tema, comecei a procurar personagens e referenciais dentro da literatura. Entendi a escassez e praticamente ausência de personagens negros com referenciais positivos e saudáveis. Quando tinha, eram sempre estereotipados e narrados de uma outra forma a partir do racismo”, disse à Agência Brasil.
Para a monografia, em 2005, Sinara entrevistou meninas negras de 5 a 12 anos de escolas da rede pública de Petrópolis e concluiu que a literatura infantil só com personagens brancos dos contos de fadas impactava a construção da identidade das crianças negras. Segundo a professora, com as entrevistas, ela percebeu que com essa ausência, somada a outros mecanismos de imagens como a televisão, as bonecas e os brinquedos, a literatura legitimava a presença desqualificada que contribuía no processo de branqueamento e negação negra.
“Quando perguntava para elas se pudessem mudar alguma coisa na personagem que mais gostavam ou preferiam, era perceptível que preferiam algo próximo ao biotipo físico delas. Havia a motivação para que elas se identificassem com as personagens, porém, para elas não as representava e contribuía para a negação dessa não condição de negro”, disse.
Hoje, Sinara administra cursos de contação de história negra e de literatura infantojuvenil. Ao longo dos anos, ela percebeu que era uma das poucas pessoas que fazia este tipo de trabalho, incluindo a aplicação da Lei 10.639, que trata da obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino público e privado. “A literatura infantojuvenil vem crescendo, a gente vem tendo um número de pessoas interessadas nessas narrativas. Infelizmente ainda tem quem esteja mais voltado para o mercado e repete estereótipos, apesar de colocar a criança negra”.
Conto virou livro
O conto, escrito em 2007, após a conclusão da monografia, se transformou em livro que foi lançado, no dia 15, no Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá. “Essa história surgiu por conta do resultado da minha monografia e segue a mesma estética dos contos de fada. Tem a aventura, só que a minha princesa é uma princesa negra, que foi escravizada, se tornou guerreira e quilombola, que resistiu à escravidão com resiliência. Tem a questão do amor também, mas não é com um homem que resolve todos os problemas e leva ela para viver submersa em um castelo. É uma princesa que casa e se apaixona pelo chefe do quilombo, inspirada na trajetória das mulheres negras do Brasil”, indicou.
O livro, segundo Sinara, foi a forma de ampliar o universo da princesa Alafiá, que até ali ficava restrita aos momentos de contação de história de que participava. “Resolvi colocar a história no libro, para ela, além da minha voz na contação de história e do meu trabalho, circular com uma abrangência maior da proposta que fala de mulher, de empoderamento feminino, da história do negro no Brasil e da história do Brasil em uma outra perspectiva da literatura infantojuvenil”, disse.
Estreia tripla
A escritora disse que entre as editoras brasileiras, cerca de 10 fazem um trabalho específico de literatura infantojuvenil voltada para a cultura negra. O livro foi publicado pela Editora Nia Produções Literárias, de Tatiane Oliveira e ilustrado pela artista plástica Valeria Felipe. Foi uma estreia para as três. Tatiane tem uma livraria itinerante que leva a diversos eventos e Valeria, embora tenha muitos trabalhos de pintura, nunca tinha se dedicado à ilustração de livros.
A artista plástica explica que para fazer o trabalho precisou estudar um pouco a história de negros escravizados, como a princesa Alafiá, que pertencia ao antigo reino de Daomé e chegou ao Brasil em navios durante o período de colonização portuguesa.
“A experiência de ilustrar é mais um resgate para mim também como referência, até porque eu sou preta. No meu tempo de escola não tive história de cultura preta. Fui pesquisar a história. Tive que entender o que aconteceu em Daomé e porque hoje é Benin, quem foi o povo que invadiu lá e quem morou ali. Passei a ter um resgate da história que não vivi quando criança”, disse Valeria.
Os interessados na compra de um exemplar podem acessar o perfil no Facebook da editora. “Estou trabalhando há três anos como livraria de literatura infantojuvenil e agora lancei meu primeiro livro como editora, com três mulheres estreantes”, disse Tatiane.
Edição: Fábio Massalli
A procura por uma literatura infantojuvenil que tivesse referências na cultura negra para a filha Sara, de 3 anos, levou a professora Sinara Rúbia a criar a princesa Alafiá. A princesa Alafiá ganhou corpo durante a elaboração da monografia de Sinara no curso de letras, na Universidade Estácio de Sá (Unesa), em Petrópolis (RJ), virou conto e um livro que traz histórias da guerreira e quilombola imaginada em 2003, quando a professora se preocupava com a construção da identidade da filha, uma menina negra que crescia e precisava ter referências tanto em filmes, como nas bonecas e em narrativas.
“[Em 2003] foi quando eu me deparei com este tema, comecei a procurar personagens e referenciais dentro da literatura. Entendi a escassez e praticamente ausência de personagens negros com referenciais positivos e saudáveis. Quando tinha, eram sempre estereotipados e narrados de uma outra forma a partir do racismo”, disse à Agência Brasil.
Para a monografia, em 2005, Sinara entrevistou meninas negras de 5 a 12 anos de escolas da rede pública de Petrópolis e concluiu que a literatura infantil só com personagens brancos dos contos de fadas impactava a construção da identidade das crianças negras. Segundo a professora, com as entrevistas, ela percebeu que com essa ausência, somada a outros mecanismos de imagens como a televisão, as bonecas e os brinquedos, a literatura legitimava a presença desqualificada que contribuía no processo de branqueamento e negação negra.
“Quando perguntava para elas se pudessem mudar alguma coisa na personagem que mais gostavam ou preferiam, era perceptível que preferiam algo próximo ao biotipo físico delas. Havia a motivação para que elas se identificassem com as personagens, porém, para elas não as representava e contribuía para a negação dessa não condição de negro”, disse.
Hoje, Sinara administra cursos de contação de história negra e de literatura infantojuvenil. Ao longo dos anos, ela percebeu que era uma das poucas pessoas que fazia este tipo de trabalho, incluindo a aplicação da Lei 10.639, que trata da obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino público e privado. “A literatura infantojuvenil vem crescendo, a gente vem tendo um número de pessoas interessadas nessas narrativas. Infelizmente ainda tem quem esteja mais voltado para o mercado e repete estereótipos, apesar de colocar a criança negra”.
Conto virou livro
O conto, escrito em 2007, após a conclusão da monografia, se transformou em livro que foi lançado, no dia 15, no Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá. “Essa história surgiu por conta do resultado da minha monografia e segue a mesma estética dos contos de fada. Tem a aventura, só que a minha princesa é uma princesa negra, que foi escravizada, se tornou guerreira e quilombola, que resistiu à escravidão com resiliência. Tem a questão do amor também, mas não é com um homem que resolve todos os problemas e leva ela para viver submersa em um castelo. É uma princesa que casa e se apaixona pelo chefe do quilombo, inspirada na trajetória das mulheres negras do Brasil”, indicou.
O livro, segundo Sinara, foi a forma de ampliar o universo da princesa Alafiá, que até ali ficava restrita aos momentos de contação de história de que participava. “Resolvi colocar a história no libro, para ela, além da minha voz na contação de história e do meu trabalho, circular com uma abrangência maior da proposta que fala de mulher, de empoderamento feminino, da história do negro no Brasil e da história do Brasil em uma outra perspectiva da literatura infantojuvenil”, disse.
Estreia tripla
A escritora disse que entre as editoras brasileiras, cerca de 10 fazem um trabalho específico de literatura infantojuvenil voltada para a cultura negra. O livro foi publicado pela Editora Nia Produções Literárias, de Tatiane Oliveira e ilustrado pela artista plástica Valeria Felipe. Foi uma estreia para as três. Tatiane tem uma livraria itinerante que leva a diversos eventos e Valeria, embora tenha muitos trabalhos de pintura, nunca tinha se dedicado à ilustração de livros.
A artista plástica explica que para fazer o trabalho precisou estudar um pouco a história de negros escravizados, como a princesa Alafiá, que pertencia ao antigo reino de Daomé e chegou ao Brasil em navios durante o período de colonização portuguesa.
“A experiência de ilustrar é mais um resgate para mim também como referência, até porque eu sou preta. No meu tempo de escola não tive história de cultura preta. Fui pesquisar a história. Tive que entender o que aconteceu em Daomé e porque hoje é Benin, quem foi o povo que invadiu lá e quem morou ali. Passei a ter um resgate da história que não vivi quando criança”, disse Valeria.
Os interessados na compra de um exemplar podem acessar o perfil no Facebook da editora. “Estou trabalhando há três anos como livraria de literatura infantojuvenil e agora lancei meu primeiro livro como editora, com três mulheres estreantes”, disse Tatiane.
Edição: Fábio Massalli