Foi adiada a votação do projeto de decreto legislativo (PDL 55/2021) que cancela quatro decretos do presidente Jair Bolsonaro que ampliam o acesso a armas e munições. A retirada de pauta foi solicitada pelo relator do projeto, senador Marcos do Val (Podemos-ES), que pediu mais tempo para elaborar seu relatório. Ele disse que recebeu a relatoria no começo da semana. Mas diversos senadores cobraram a votação do projeto já nesta quinta-feira (8), conforme estava previsto, porque os decretos presidenciais entram em vigor na semana que vem. A votação do PDL não tem data para ser retomada.
— Eu me considero uma pessoa estudiosa na área. São 20 anos trabalhando à frente da segurança pública não só do Brasil, mas dos Estados Unidos e em vários países europeus, países considerados de primeiro mundo, referências em segurança pública. Como senador da República, eu tenho as minhas responsabilidades e sei das consequências, dos atos e das responsabilidades de um projeto, que não deve seguir o populismo; deve seguir as questões técnicas, os estudos. Não são armas que matam pessoas, são pessoas que matam pessoas — declarou Marcos do Val.
O PDL 55/2021 tramita em conjunto com outros 13 projetos de decreto legislativo, todos com o objetivo de sustar os decretos presidenciais deste ano que ampliam o acesso a armas e munições. Os PDLs PDLs 55, 57 a 66, 69, 73 e 74, todos de 2021, pretendem suspender os Decretos 10.627, 10.628, 10.629 e 10.630, que regulamentam o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826 de 2003).
Entre as principais mudanças trazidas por esses decretos estão o aumento do número máximo de armas que cada usuário pode ter e da quantidade máxima de munição que pode ser comprada por ano.
Na justificativa do PDL 55/2021 afirma-se que o Executivo extrapolou seu poder regulamentar, usurpando competência do Congresso Nacional, que “é o local adequado para se realizar qualquer alteração no que diz respeito ao porte e à posse de armas de fogo, uma vez que está havendo criação de direitos. Tal medida burla claramente o princípio constitucional da reserva legal e da separação dos Poderes”.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) chegou a apresentar um relatório alternativo favorável à sustação desses decretos presidenciais. Mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, não acatou o documento como relatório devido à falta de previsão regimental. Eliziane afirmou que os decretos do presidente Bolsonaro alteram drasticamente o Estatuto do Desarmamento.
— O Brasil quer vacina, o Brasil não quer armas — criticou.
Fiscalização
Eduardo Girão (Podemos-CE) questionou a retirada de pauta do PDL 55/2021. Para ele, os decretos do presidente da República precisam ser anulados, pois facilitam em demasia o acesso a armas e munições e, ao mesmo tempo, dificultam a fiscalização do poder público sobre essas armas. Segundo Girão, os decretos autorizam a compra de até seis armas sem justificativa e flexibilizam o porte de armas, inclusive fuzis. O senador acrescentou que os decretos de Bolsonaro também permitem o uso de arma pessoal por policial em serviço, o que reduziria a responsabilidade do Estado em fornecer equipamentos de qualidade para o desempenho das atividades policiais.
— Tais medidas vão no sentido de facilitar o acesso de armas e dificultar a fiscalização pelos órgãos competentes. Tudo isso coloca em risco o cidadão de bem e, provavelmente, incorrerá no aumento de tragédias sociais. Eu peço apenas que nós possamos fazer o nosso trabalho. Não podemos nos omitir em um tema que pode resultar em uma covardia com a população brasileira.
O senador Humberto Costa (PT-PE) também insistiu para que esse PDL fosse votado nesta quinta-feira. Segundo ele, os decretos de Bolsonaro dificultam o rastreamento de munições e ampliam as categorias que têm acesso a armas
— No momento em que o nosso país está clamando por outras prioridades, a prioridade da vacinação, a prioridade do auxílio emergencial, a geração do emprego, tantas e tantas coisas que são importantes, que são relevantes, o Brasil está, na verdade, aprovando um acesso quase que absoluto às armas, não é? Isso é para montar grupo paramilitar, que, lá na frente, o presidente da República vai querer usar contra o próprio Congresso Nacional, como aconteceu lá no Capitólio, nos Estados Unidos — alertou Humberto.
Zenaide Maia (Pros-RN), por sua vez, afirmou que as mulheres brasileiras serão duramente penalizadas, já que muitos feminicídios ocorrem com armas de fogo.
— Querem jogar armas nas mãos dos civis! Isso é muito grave. Por favor! Nós temos que vetar, não podemos aprovar isso. Quem tem obrigação de cuidar da segurança do povo brasileiro é o Estado brasileiro. O que é que o governo está mostrando: quem tiver dinheiro que compre armas e vá se defender? Por favor, não vamos deixar esse decreto entrar em vigor.
Na mesma linha, a senadora Rose de Freitas (MDB-ES) disse que as mortes provocadas por armas de fogo cresceram 80% nos últimos dez anos. Para ela, o que deve mover os senadores neste momento é o salvamento de vidas.
— Só em 2019, 43.062 assassinatos foram registrados no Brasil. Cerca de 30 mil foram causados por arma de fogo. Armar a população não é a saída, não vai resolver o problema do aumento da criminalidade e tampouco da violência.
Os decretos do presidente da República foram considerados inconstitucionais por vários senadores, como a senadora Simone Tebet (MDB-MS). Para ela, os decretos “são inconstitucionais, imorais e afrontam a autonomia do Congresso Nacional”.
A violação da Constituição também foi apontada por Fabiano Contarato (Rede-ES). Segundo ele, a Carta determina que a segurança pública é dever do Estado e essa atribuição não pode ser repassada para os cidadãos.
— Nós não podemos admitir isso. Quem está morrendo são os pobres, são os negros. Trabalhador não vai ter dinheiro para pagar R$ 3 mil numa arma. O mesmo governo que zerou a alíquota de impostos de importação para revólver e pistola quer taxar livros. É o mesmo governo que aumentou a tributação sobre cilindros de oxigênio em plena pandemia. Nós, como senadores, vamos ficar assistindo a isso passivamente? O que a população precisa não é de arma. A população precisa de vacina. A população precisa voltar a trabalhar, ter saúde de qualidade, educação de qualidade.
Por sua vez, o senador Omar Aziz (PSD-AM) argumentou que o tema era mais complexo que os decretos presidenciais. Para ele, os senadores precisam debater a questão da segurança pública como um todo.
— Nós podemos contribuir com o debate, com audiências públicas dentro da Comissão de Segurança Pública, não só para discutir a questão do desarmamento. O Estatuto do Desarmamento serve só para a pessoa de bem, porque a gente não consegue desarmar no Brasil e não consegue evitar que o Brasil importe armas pelas suas fronteiras.
Também debateram o tema os senadores Esperidião Amin (PP-SC), Paulo Rocha (PT-PA), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Daniella Ribeiro (PP-PB), Jean Paul Prates (PT-RN) e outros.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)