Para comemorar o Dia da Mãe Terra, celebrado mundialmente nessa segunda-feira (22), o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) realizou, com o apoio do Supremo Tribunal Federal (STF), o encontro Diálogos das Cortes Constitucionais e o Programa Harmonia com a Natureza da Organização das Nações Unidas (ONU). O evento aconteceu na sede do STF, em Brasília, e teve coordenação científica da corregedora-geral da Justiça Federal e diretora do CEJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Além da magistrada, compuseram a mesa de discussão o ministro do STF Edson Fachin; o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins; o juiz da Corte Constitucional do Equador Agustin Grijalva e a professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Cristiane Derani.
Abertura
O encontro é resultado de um convênio firmado pelo CEJ/CJF, durante a gestão da ministra Laurita Vaz e do ministro Raul Araújo, com as Universidades Federais do Ceará, de Goiás e de Santa Catarina. O objetivo do acordo, conforme explicado pela ministra Maria Thereza de Assis Moura na abertura do debate, foi estabelecer parcerias para oferecer suporte ao Programa Harmonia com a Natureza, da ONU.
“Este é o primeiro evento que promovemos na execução do convênio. Para esta abertura escolhemos a dedo a data e o local. O dia 22 de abril é o Dia da Mãe Terra. Anualmente, na sede da assembleia geral das Nações Unidas e em diversos países ao redor do globo, é celebrado e debatido o desenvolvimento sustentável. Quanto ao local, o STF foi o auditório selecionado como forma de promover discussões sobre a penetração dos direitos da natureza nos distintos ordenamentos jurídicos. Trata-se de um foro que ressalta a importância do diálogo entre instituições e nações”, declarou a corregedora-geral da Justiça Federal.
De acordo com o ministro Edson Fachin, o Programa Harmonia com a Natureza surgiu de diálogos interativos presenciais e virtuais determinados pela ONU em busca de um modelo jurídico, econômico, social e cultural que esteja em concordância com os direitos da Terra. “O Judiciário estará diante de uma seara interessantíssima à medida que a comunidade planetária for reconhecida como sujeito de direitos. Estaremos diante de tribunais especializados e de uma jurisprudência da Terra e da contribuição de outras ciências como economia ecológica”, afirmou.
Pioneirismo equatoriano
O juiz Agustin Grijalva, da Corte Constitucional do Equador, primeiro expositor da tarde, traçou um panorama histórico sobre os direitos da natureza – assunto que, apesar de ser significativo para povos antigos e indígenas, só começou a ser discutido de forma global nos Estados Unidos durante os anos 1970.
Outro tópico abordado pelo magistrado foi o pioneirismo da Constituição equatoriana, a qual, em 2008, já discorria sobre o biocentrismo – conceito diverso do antropocentrismo –, que considera todas as formas de vida igualmente importantes. Os direitos dos animais não humanos, segundo ele, foi o pontapé inicial para que os tópicos relacionados à proteção dos ecossistemas fossem amplamente difundidos.
“A noção de direitos da natureza tem a ver com a dignidade do próprio ser humano. Muitas culturas ancestrais ao redor do mundo não veem a natureza como nós, como um conjunto de objetos inertes, mortos, com relações mecânicas entre eles. Na maioria, essas culturas veem a natureza como uma mãe, como um sistema vivo de seres vivos. A pergunta é: os sistemas constitucionais, as constituições e a jurisprudência não deveriam tomar conta destas missões?”, indagou o magistrado, ressaltando também que, embora tenha sido pioneira, a Constituição equatoriana teve mais influência internacionalmente do que no país de origem.
Perigo de extinção
O risco de extinção foi um dos questionamentos propostos pela segunda palestrante, a professora da UFSC Cristiane Derani. Na visão da docente, o conceito do humano moderno construído de 500 anos para cá promove um pensamento desvinculado da condição biológica, fator que nos colocaria em um perigo eminente de extermínio.
“A construção do vocabulário que vem do direito ambiental é objetivada, portanto, de um objeto a ser apropriado e extremamente marcado pelo viés econômico e economicista. A própria expressão recursos naturais vem de legislações anteriores mesmo ao processo de meio ambiente”, criticou a professora ao defender o tratamento da natureza como sujeito jurídico e não como um bem a ser explorado irresponsavelmente pela espécie humana.
Cristiane Derani argumentou ainda que o direito é uma fonte criadora e não apenas delimitadora de comportamentos. Na avaliação da conferencista, o caso do Rio Atrato, reconhecido pela Corte Constitucional da Colômbia como sujeito de direitos, em 2017, trouxe uma grande contribuição para humanidade ao mostrar que o Ocidente é capaz de compreender e incorporar uma racionalidade que não é de sua cultura original. “Deu-se um passo adiante na jurisprudência de produção constitucional da nossa biodiversidade, da nossa biocultura”, observou a professora.