A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que, tendo reconhecido abuso no conteúdo de propaganda, havia isentado a responsável da compensação de danos morais coletivos.
Para o colegiado, como o TJSC reconheceu que o conteúdo veiculado foi reprovável, dispensar a responsável do pagamento do dano moral coletivo tornaria inepta a proteção jurídica à lesão de interesses transindividuais e permitiria a apropriação individual de vantagens decorrentes da lesão a interesses sociais.
Tema sensível
Na origem do caso, o Ministério Público de Santa Catarina ajuizou ação coletiva de consumo contra publicidade da revista Quatro Rodas veiculada em programa de rádio. De acordo com o MP, a publicidade era manifestamente abusiva, por tratar de tema moralmente sensível.
Segundo os autos, a propaganda reproduz o seguinte diálogo: “– Oi, pai. – Fala, filhota. – Sabe o que é, pai, eu queria te pedir um favor. – O quê? – Posso trazer meu namorado para dormir em casa, passar a noite fazendo sexo selvagem e acordando a vizinhança toda? – Claro, filhota! – Aí, paizão, valeu! Sabia que você ia deixar. – Ufa! Achei que ela ia me pedir o carro!”
A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos do Ministério Público e, além de proibir a divulgação da publicidade, condenou a Editora Abril, responsável pela revista, a pagar danos morais coletivos no valor de R$ 50 mil.
O TJSC, reconhecendo que houve abuso no conteúdo da publicidade, deu parcial provimento à apelação da editora, apenas para excluir da condenação o pagamento dos danos morais coletivos.
No recurso apresentado ao STJ, o MPSC alegou que a propaganda ofende bem jurídicos fundamentais, pois prioriza bens materiais em detrimento de valores essenciais. Argumentou ainda que a compensação por danos morais coletivos deve ter caráter punitivo, para impedir a reincidência.
Dano moral coletivo
A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que os danos morais coletivos se configuram na própria prática ilícita, não exigem prova de efetivo dano ou sofrimento da sociedade e se baseiam na responsabilidade de natureza objetiva, a qual dispensa a comprovação de culpa ou de dolo do agente lesivo.
Os danos morais coletivos, acrescentou, têm como função a repressão e a prevenção à prática de condutas lesivas à sociedade, além de representarem uma forma de reverter o benefício econômico obtido individualmente pelo causador do dano em favor de toda a coletividade.
“As lesões envolvidas no dano moral coletivo relacionam-se, ademais, a uma espécie autônoma e específica de bem jurídico extrapatrimonial, referente aos valores essenciais da sociedade”, de modo que “o dano moral coletivo trata, pois, da reparação da ofensa ao ordenamento jurídico como um todo e aos valores juridicamente protegidos que garantem a própria coexistência entre os indivíduos”, sendo, ademais, necessário para sua configuração que o dano se apresente “como injusto e de real significância, usurpando a esfera jurídica de proteção à coletividade, em detrimento dos valores (interesses) fundamentais do seu acervo”, ponderou a ministra.
A relatora ressaltou que a jurisprudência do STJ entende que, para configurar dano moral coletivo, o ato praticado deve ultrapassar os limites do individualismo, afetando, “por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais” (REsp 1.473.846).
Contradição
Segundo Nancy Andrighi, a decisão do TJSC deve ser revista por existir contradição na solução adotada pelo acórdão recorrido. Para ela, se a corte condenou a editora a não mais veicular a propaganda por entender que seu conteúdo vulnera de forma injustificada, injusta e intolerável os valores sociais, a revelar sua abusividade – nos termos do artigo 37, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor –, não é possível deixar de aplicar a função preventiva e pedagógica típica dos danos morais coletivos, sob pena de se permitir que ela se aproprie individualmente das vantagens decorrentes da indevida lesão de interesses transindividuais.
“Se o tribunal de origem concluiu pela reprovabilidade da propaganda questionada, em virtude de clara abusividade por ofensa a valores da sociedade – reconhecendo que seu conteúdo fomenta o privilégio a um bem material sobre comportamentos positivos na relação paterno-filial –, não poderia ter deixado de condenar a recorrida a compensar a sociedade pelos danos causados por essa conduta ilícita”, explicou.
Leia o acórdão.