O Plenário do Senado aprovou, nesta quarta-feira (31), um projeto que proíbe o uso de arquitetura urbana de caráter hostil ao livre trânsito da população de rua em espaços de uso público. A técnica é caracterizada pela instalação de equipamentos urbanos como pinos metálicos pontudos e cilindros de concreto nas calçadas para afastar pessoas, principalmente as que estão em situação de rua. Do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), o PL 488/2021 altera o Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 2001). Relatada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), a proposta segue agora para a Câmara dos Deputados.
O projeto foi apresentado após o padre Júlio Lancellotti — conhecido por suas ações de acolhimento às pessoas em situação de rua em São Paulo — usar uma marreta para remover pedras pontiagudas instaladas pela prefeitura sob um viaduto. O protesto do religioso teve grande repercussão e apoio. Por isso, Paim acatou emenda que denomina a lei a ser originada pela proposta de “Lei Padre Júlio Lancelotti”.
Para Contarato, o episódio não foi apenas um fato isolado. Na justificativa do projeto, o senador afirma que muitas cidades brasileiras têm incentivado a chamada “arquitetura defensiva”, em razão da especulação imobiliária de determinadas regiões. Outros exemplos desse tipo de arquitetura incluem bancos sem encosto, ondulados ou com divisórias, cercas eletrificadas, muros com cacos de vidro e pedras ásperas e pontiagudas.
— A ideia que está por trás dessa lógica neoliberal é a de que a remoção do público indesejado em determinada localidade resulta na valorização de seu entorno e, consequentemente, no aumento do valor de mercado dos empreendimentos que ali se localizam, gerando mais lucro a seus investidores — disse Contarato.
Paim destaca em seu relatório que o quadro é agravado pela pandemia da covid-19, pois a doença atinge mais fortemente a população em situação de rua.
— [População] que não dispõe de abrigo e água para se proteger desse vírus altamente infeccioso e precisa ser acolhida, em vez de ser expulsa — ressaltou.
Acessibilidade
O senador acrescentou em emenda que a arquitetura urbana, além de não ser hostil, deverá promover conforto, abrigo, descanso, bem-estar e acessibilidade na fruição dos espaços livres de uso público, de seu mobiliário e de suas interfaces com os espaços de uso privado.
Na leitura do relatório, Paim destacou que, em lugar de propiciarem fruição da paisagem, encontro, lazer e descanso, as praças, calçadas e parques tornam-se locais de passagem em um percurso entre espaços privados.
— A desagradável experiência propiciada ao pedestre contribui, ainda, para outros problemas urbanos, pois induz as pessoas ao uso do automóvel, gerando, cada vez mais, poluição, congestionamento de trânsito e espraiamento urbano. E se convertem em congestionamento de trânsito e espraiamento urbano. E se convertem em manifestação clara de hostilidade e fator de marginalização dos que não tem acesso a habitação regular ou que, momentaneamente, necessitam de acesso a um espaço para repouso — reforçou Paim.
Voto contrário
Na discussão da matéria, o senador Carlos Viana (PSD-MG), afirmou que, apesar de aplaudir as ações do padre Júlio Lancelotti, a proposta cria situações que podem “limitar o poder decisório dos gestores municipais”. Pare ele, o termo “arquitetura hostil” pode causar dúvidas e imprecisão. Para o senador a matéria deveria ser discutida com associações de prefeitos, gestores municipais e com o Ministério Público.
— Arquitetura hostil, técnicas hostis, são termos abstratos que podem nos levar muitas vezes a completa nulidade das possiblidades de uma prefeitura resolver questões ligadas a moradores de rua ou em rua — afirmou, argumentando que um gestor público pode decidir implantar um canteiro ou uma academia em local público antes usado por moradores de rua.
Em resposta, Contarato, ressaltou que o termo “arquitetura hostil” é embasado por arquitetos e instituições relacionadas à área.
— O artigo 182 [da Constituição] é claro quando determina que política de desenvolvimento urbano seja executada pelo poder público municipal a partir das diretrizes gerais fixadas em lei pela União, que estamos discutindo aqui. Ou seja, o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade que garanta o bem-estar dos seus habitantes. Nós temos que entender que não é o interesse da prefeitura, mas é o interesse da cidade como um todo — respondeu.
Ele também ressaltou que não defende a fixação de moradores de rua nesses espaços, mas vê o impedimento à sua circulação por meio da arquitetura hostil não como uma solução para o problema social. Mas como um agravamento.
— Não bastassem a invisibilidade e as mazelas sofridas pelas pessoas em situação de rua, que hoje totalizam cerca de 222 mil indivíduos no Brasil, o Estado, sob pressão do capital financeiro, tenta removê-los até mesmo de um lugar em que se abrigam da chuva — disse o autor da proposta.
Marginalização
Ainda de acordo com Contarato, o desenvolvimento urbano está diretamente ligado à redução da marginalização. Para ele, qualquer ação em sentido contrário deve ser repudiada pelo Estado.
— A raiz do problema está na pobreza, na marginalização e na falta de moradia digna. Tirar pessoas vulneráveis do alcance da vista não resolve tais problemas. Pelo contrário, aprofunda ainda mais a desigualdade urbana.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)