O projeto de lei para incentivar os clubes a se transformarem em empresas foi aprovado nesta quinta-feira (10) no Plenário do Senado (PL 5.516/2019). O texto segue agora para votação na Câmara dos Deputados.
De iniciativa do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o projeto cria o Sistema do Futebol Brasileiro, mediante tipificação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Também estabelece normas de governança, controle e transparência, institui meios de financiamento da atividade futebolística e prevê um sistema tributário especial. “O projeto permite à iniciativa privada ter participação nos clubes sem desnaturar os valores do clube, a cor da camisa. É uma proposta que busca profissionalizar clubes”, explicou Pacheco.
O texto foi relatado pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ), que é advogado especializado em direito esportivo. Veja, abaixo, os principais pontos do projeto.
Estrutura societária
O projeto do clube-empresa permite a formação de uma estrutura societária específica para o futebol, a SAF. É um modelo de sociedade anônima, que permite a emissão de títulos, com a regulação dos clubes pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Atualmente, os clubes de futebol são caracterizados como uma associação civil sem fins lucrativos. Com o projeto, as SAFs terão a possibilidade de levantar recursos por meio de emissão de debêntures, de ações ou de investidores. Elas poderão pagar menos tributos que uma empresa tradicional, mas terão que oferecer contrapartidas.
Com a proposta do clube-empresa, pessoas físicas, empresas e fundos de investimentos poderão participar da gestão dos times. Entre outros pontos, o projeto determina que os diretores deverão ter dedicação exclusiva à administração da Sociedade Anônima do Futebol. Também veda a participação de integrantes do conselho de administração, do conselho fiscal ou da diretoria da SAF de um clube em outra agremiação.
Gestão e receitas
Segundo Pacheco, a SAF deverá melhorar a gestão dos clubes, aumentar as receitas e permitir que talentos continuem no Brasil. Ele cita como inspiração modelos de negócios bem-sucedidos na Alemanha, na Espanha e em Portugal e aposta no projeto como caminho para superar o panorama de alto endividamento dos clubes brasileiros.
“Para além de ser um dos mais importantes fenômenos culturais e sociais deste país, o futebol revelou-se atividade econômica de grande relevância nacional: os principais clubes geram bilhões de reais em faturamento, empregam milhares de pessoas (direta e indiretamente) e movimentam verdadeiras indústrias de bens de consumo e prestação de serviços”, apontou Pacheco, na justificativa do projeto.
Mudança facultativa
Pelo texto aprovado, a constituição da SAF é facultativa, respeitando a liberdade de associação e a autonomia desportiva. O autor e o relator consideraram que a sociedade anônima, de todos os modelos empresariais, é o único que possui instrumentos de capitalização e financiamento próprios, tais como lançamento de debêntures, atração de fundos de investimentos, lançamento e subscrição de ações e mesmo a abertura do seu capital em bolsa, eventualmente.
A sociedade anônima possui instrumentos de controle, de governança e compliance, e de fiscalização por órgãos internos e externos. No caso previsto na proposta para os clubes-empresas, a fiscalização será feita pela CVM. “Na sociedade anônima a regra é a responsabilidade da gestão, algo almejado há muitos anos no futebol brasileiro”, afirma Portinho no relatório.
Direitos
Foram apresentadas 31 emendas à proposta. O relator acolheu integralmente nove delas (Emendas nº 3, 4, 8, 10, 12, 13, 23, 28 e 31) e parcialmente outras cinco (Emendas nº 5, 7, 9, 14 e 21). Duas foram consideradas prejudicadas, por já terem sido contempladas em outras propostas (Emendas nº 1 e 11) e as outras 15 emendas foram rejeitadas por Portinho.
A primeira emenda acatada (nº 3), sugestão do senador Paulo Paim (PT-RS), determina que sejam transferidos do clube para a SAF não somente os direitos decorrentes de relações com entidades de administração, mas também de eventuais encargos, dívidas e obrigações constituídos até a data da transformação do clube em empresa vinculada à prática do futebol, dando ao passivo tratamento específico.
Também foram acolhidas as Emendas nº 4 e 10, de Jayme Campos (DEM-MT) e Rose de Freitas (MDB-ES), que inseriram no texto aprovado a possibilidade de aquisição de equipamentos necessários à prática esportiva no âmbito do Convênio Escola-Futebol. A parte acatada da Emenda nº 5, do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), incluiu no texto requisitos para a segurança de atletas em formação que morem em alojamentos mantidos por SAF.
Responsabilidade
A Emenda nº 7, de Paulo Rocha (PT-PA), foi acolhida no trecho que determina que, para que os recursos captados em todas as esferas de governo, inclusive os provenientes Lei de Incentivo ao Esporte (Lei 11.438, de 2006), possam ser utilizados pelas entidades especificadas para pagamento de dívidas trabalhistas. A possibilidade é limitada às entidades com receita bruta anual de até R$ 78 milhões. Apresentada por Wellington Fagundes (PL-MT), a Emenda nº 8 adequou os impostos e contribuições que serão abarcados pelo Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF) ao documento que define as contribuições sobre a folha de pagamento (INSS de terceiros).
A Emenda nº 9, também de Rose de Freitas, tornou expressa a referência à responsabilidade dos dirigentes de SAFs por responder solidariamente por eventuais danos causados à empresa, ao clube e ou à pessoa jurídica original, por atos ilícitos praticados e por atos de gestão irregular ou temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto. Também serão responsabilizados quando tiverem conhecimento do não cumprimento dos deveres estatutários ou contratuais por seu antecessor ou pelo administrador competente e não comunicarem o fato ao órgão estatutário competente. O relator rejeitou a parte da emenda que previa a extensão da responsabilidade aos dirigentes para todo e qualquer ato (responsabilidade objetiva), pois considerou que essa parte iria de encontro à cláusula geral de responsabilidade prevista no Código Civil.
Já a Emenda nº 12, de autoria do senador Luiz do Carmo (MDB-GO), retirou do texto do projeto original o dispositivo que previa a não correção dos dividendos e remunerações retidos por ausência de regularização do dever de informar de acionista detentor de 5% ou mais de participação.
Mulheres
O substitutivo incorporou a Emenda nº 13, do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), para garantir à alunas matriculadas em escolas públicas oportunidades iguais de participação no Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (PDE). Portinho estendeu a garantia às mulheres em geral. A Emenda nº 14, também de Contarato, definiu informações que a SAF deverá publicar em seu sítio eletrônico para promover um ambiente de mais transparência e governança. A parte que Portinho acolheu da Emenda nº 21, de Izalci Lucas (PSDB-DF), retirou do substitutivo a possibilidade de acionista único.
A Emenda nº 23, apresentada por Eduardo Braga (MDB-AM), prevê a necessidade de deliberação de acionistas classe A, quando da participação do clube-empresa em competição esportiva de ligas regionais ou nacionais. O substitutivo também acolheu as Emendas nº 28, do senador Irajá (PSD-TO), e nº 31, de Romário (PL-RJ), para prever a possibilidade de todos os credores terem a faculdade de anuir com o deságio sobre o valor discutido.
Dívidas
O relator excluiu do projeto original tanto a possibilidade de outras modalidades esportivas que não sejam o futebol migrarem para a SAF, quanto a de entidades de administração, federações e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) transformarem-se em SAF.
O projeto original, além de não determinar a sucessão das obrigações pela SAF, previa dividendos obrigatórios na ordem de 25% ao final do exercício fiscal destinado ao clube ou à pessoa jurídica original, sendo que 50% desses dividendos se reverteriam para pagamento do passivo dos clubes. No substitutivo, o relator optou por reconhecer a sucessão, mas estabelecendo limites ao empenho das receitas, ao modo e à forma do pagamento das dívidas cível e trabalhista dos clubes ou da pessoa jurídica original.
Ajustando o projeto de Pacheco ao que já existe e vigora nos tribunais, o substitutivo de Portinho outorga ao clube ou a pessoa jurídica original as seguintes alternativas para o tratamento do seu passivo: o pagamento direto das dívidas pelo clube; a recuperação judicial (negociação coletiva); ou o concurso de credores, mediante a centralização das execuções (negociação individual ou coletiva), respeitando o privilégio da dívida trabalhista e a preferência dos idosos, gestantes, acidentes de trabalho, acordos, entre outros elementos prioritários.
Transferência mensal
Portinho considerou, no substitutivo, que “clubes de variados tamanhos e regiões do país, como o Flamengo, Athlético Paranaense, Atlético Goianiense e CSA, mas não exclusivamente, praticamente zeraram as suas dívidas, cumprindo esse sistema”. O Flamengo, segundo o relator, quitou em aproximadamente 6 anos o seu passivo trabalhista, e pagou mais de um bilhão de reais em dívidas em 8 anos — mesmo como Associação Civil, mas implementando modelo de gestão típico de uma sociedade anônima (governança, transparência e controle).
“Considerando que nem todos os clubes do Brasil têm o tamanho da torcida do Flamengo e a mesma capacidade de gerar receitas, o substitutivo confere o prazo de 10 anos para o seu pagamento, num sistema que permite a transferência mensal de receitas ao clube em percentual fixado sobre o faturamento da SAF e o seu lucro anual, com a obrigação e a responsabilidade pessoal do dirigente do clube de remeter esses recursos ao juízo, efetuando de forma ordenada o pagamento dos seus credores”.
Aceleração
O texto aprovado prevê alguns “instrumentos de aceleração” que hoje já são adotados muitas vezes por determinação da Justiça do Trabalho, mas que ainda não estavam previstos em regulamentação. O relator destaca que esses instrumentos foram validados com advogados dos credores e sindicatos de todo o Brasil, com o objetivo de satisfazer a dívida social, que é o passivo trabalhista, e as dívidas de natureza civil.
São os seguintes: deságio (permite ao titular do crédito negociar a redução da dívida em acordo com o devedor), cessão do crédito a terceiro (permite que o titular do crédito, não concordando com o deságio oferecido pelo devedor, busque no mercado condições melhores, num sistema semelhante aos precatórios, ocupando o terceiro a mesma posição do titular na fila de credores), conversão do todo ou de parte da dívida em ações da SAF, e emissão de títulos de mercado revertendo para o pagamento da dívida.
“Vale notar que as alternativas não se anulam e, na hipótese de o clube não suportar o concurso de credores, ele ainda terá à disposição a sua recuperação judicial, uma vez reconhecida na Lei da SAF a legitimidade do clube para requerê-la, e com isso buscar a negociação coletiva do seu passivo, lançando mão da recuperação judicial, seja como primeira ou última alternativa, para a sua reestruturação a qualquer tempo”, destaca Portinho.
Tratamento tributário
O substitutivo prevê a Tributação Específica do Futebol (TEF) para as SAFs. Nos primeiros cinco anos a partir da constituição da SAF, incidirá a alíquota de 5%, em regime de caixa mensal, exceto sobre a cessão de direitos de atletas. A partir do sexto ano da constituição da SAF, incidirá a alíquota de 4%, em “regime de caixa mensal”, sobre todas as receitas, inclusive sobre cessão de direitos de atletas.
O texto obriga as SAFs a oferecer contrapartida social, além das obrigações com a formação dos atletas jovens previstas na Lei Pelé (Lei 9.615, de 1998). Quanto ao passivo tributário, o relator destaca que os clubes já estão inscritos no Profut, programa de refinanciamento do governo federal. Para aqueles que eventualmente não se enquadram no Profut, o substitutivo admite a mediação tributária, caso manifestem o desejo de se transformar em SAF.
Protagonismo
Portinho considera que, “com a constituição da SAF, os clubes retomarão o seu lugar nos negócios do futebol”. Ele cita como exemplo a venda dos direitos desportivos do atleta Vinicius Junior, ex-Flamengo, ao Real Madrid. O jogador, segunde ele, era um “jovem expoente e revelação do Flamengo, cujo negócio alcançou 40 milhões de euros”.
“Para um investidor, ou clube estrangeiro, possivelmente seria melhor o investimento desse valor na SAF, diluindo os riscos do seu investimento e tendo uma cesta de atletas em formação para dela se beneficiar como acionista. O momento da venda poderia inclusive ser postergado, com isso retendo com maior frequência os jovens talentos no nosso país. Um aporte nessa ordem de 40 milhões de euros numa SAF sanearia imediatamente as finanças de muitos clubes formadores, hoje em difícil situação financeira, permitindo a sua reestruturação. O retorno do protagonismo das entidades de prática desportiva nos negócios do futebol também se projeta com a SAF”, concluiu o relator.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)