Indígenas
23 de Agosto de 2021 às 15h40
Para MPF, Brasil não tem evoluído na proteção dos direitos dos povos indígenas
Avaliação do órgão foi em audiência na Câmara, onde se debateu o cumprimento de recomendações da ONU para a garantia de direitos aos povos originários
Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados
“Os povos indígenas estão se sentindo agredidos por várias ações governamentais que não refletem aquilo que eles pensam. Eles precisam ter reconhecidos sua autonomia e o seu lugar de fala”. Essa foi a avaliação da subprocuradora-geral da República e coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), Eliana Torelly, sobre a evolução da garantia de direitos aos povos indígenas brasileiros, durante audiência pública na Câmara dos Deputados, na última sexta-feira (20).
O debate virtual abordou o cumprimento pelo Brasil das 25 recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) relacionadas aos povos indígenas. O grupo compõe quadro de 246 orientações para a melhoria dos direitos humanos, feitas no último ciclo de avaliações da Revisão Periódica Universal (RPU) da ONU, válidas para o período de 2017 a 2022. O encontro entre representantes de órgãos federais que cuidam da temática indigenista, entidades de classe e sociedade civil foi organizado pelo Observatório Parlamentar da RPU, que faz parte da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.
Eliana Torelly pontuou que as comunidades tradicionais estão se sentindo desassistidas pelo Estado, que não tem cumprido o dever constitucional de proteção aos povos originários. A subprocuradora-geral criticou a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai) que, na sua avaliação, precisa voltar a exercer seu papel como a maior agência indigenista do mundo. “A Funai é um patrimônio nacional, que tem uma longa história de defesa dos povos indígenas. E os povos indígenas do Brasil precisam que ela reassuma o seu papel, sobretudo na demarcação de terras”, defendeu.
Sobre a demarcação de territórios, Torelly lamentou que os processos estejam “praticamente paralisados” no país. “Fomos informados que vários processos já aptos à publicação do Relatório de Identificação e Delimitação, à portaria declaratória, ou mesmo ao decreto [de demarcação] estão sendo restituídos à diretoria de proteção territorial da Funai para adequação à tese do marco temporal”. A prática, segundo ela, vai contra decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender os efeitos do Parecer Normativo 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), que determina à administração pública a adoção de medidas restritivas à demarcação de terras indígenas, entre elas a tese do marco temporal.
A subprocuradora-geral também reiterou o compromisso do Ministério Público na proteção dos direitos dos povos originários. Ao apresentar algumas das ações desenvolvidas pela instituição, e que se enquadram nos eixos temáticos das recomendações da ONU, a coordenadora da 6CCR mencionou ação civil pública que pede a condenação do Estado por omissão na condução da política indigenista e grave violação de direitos fundamentais dos povos tradicionais. “Nós estamos vivendo um momento de extrema preocupação, de um recrudescimento do discurso de ódio, que tem levado a retaliações e motivado invasões de territórios”, pontuou.
Retrocesso – Outra questão abordada pela coordenadora da 6CCR na audiência pública foi a preocupação do MPF com projetos legislativos que buscam o desmonte dos direitos já garantidos aos povos tradicionais. Entre eles, Eliana Torelly citou o Projeto de Decreto Legislativo 177/2021, que busca autorizar o presidente da República a denunciar a Convenção 169 da OIT; o Projeto de Lei 490/2007, que modifica dispositivos do Estatuto do Índio, incluindo a tese do marco temporal; e o PL 191/2020, que pretende liberar a mineração dentro dos territórios indígenas. “Todas essas propostas vão em sentido contrário às recomendações para os direitos humanos da ONU”, alertou a coordenadora da 6CCR.
Segundo dados do último relatório da RPU, produzido no contexto da pandemia de covid-19, nenhuma das 25 orientações na temática indígena e do meio ambiente foram cumpridas pelo Brasil até o momento. Ao contrário, 11 delas estão em retrocesso, como as que tratam da proteção dos direitos territoriais dos povos indígenas, da proteção dos direitos indígenas e da consulta integral sobre medidas legislativas e administrativas que os afetem. “O mais importante é garantir que os povos indígenas tenham seu lugar de fala assegurado. Que não se sintam ameaçados e possam defender seus interesses de forma livre e desembaraçada”, concluiu Eliana Torelly.
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