A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) intermediou o diálogo e garantiu a assinatura de uma série de acordos entre a empresa Assaí e dezenas de famílias prejudicadas pela construção de uma nova loja da rede atacadista no bairro Crespo, na Zona Sul de Manaus. A empresa disponibilizou mais de R$ 2,5 milhões como forma de ressarcimento dos imóveis danificados pela obras na área afetada, que fica na margem de um igarapé.
O trabalho foi coordenado pela Defensoria Pública Especializada em Atendimento de Interesses Coletivos (DPEIC) e contou com o apoio da Secretaria Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários (Semhaf). A etapa final foi selada na tarde desta segunda-feira (3) na sede da Semhaf. O acordo será submetido ao Judiciário para homologação nesta terça-feira (4).
Com a realização dos acordos extrajudiciais, o caso chegou a uma solução efetiva em um período de tempo muito menor que em uma eventual judicialização.
Os moradores se mobilizaram e se organizaram para buscar uma resolução assim que começaram perceber que as obras estavam danificando as casas vizinhas ao terreno da empresa, em novembro 2023. Nessa busca, em fevereiro deste ano, encontraram o apoio que precisavam na Defensoria Pública. “Alguns dos moradores constituíram um advogado, que é morador da comunidade, e depois procuraram a Defensoria Pública para somar forças”, explicou o defensor Carlos Almeida Filho, titular da DPEIC.
“Em visita em campo, nós constatamos que estava tendo uma grande situação de risco porque as obras implicaram em rachaduras e ameaças às casas lá presentes”, observou.
Ao todo, 36 moradias foram afetadas diretamente pelas obras e seus moradores participaram das negociações. “A solução coletiva aconteceu. O Poder Público municipal vai ajudar na remoção das famílias e com o aluguel social, que deve ser pago por dois meses. A empresa vai pagar as indenizações e o Município vai assumir e urbanizar a área para impedir que haja novas ocupações no local”, acrescentou o defensor. Ele destacou que a atuação do Município, por meio da Semhaf da Procuradoria Geral (PGM), foi fundamental na construção de uma solução coletiva adequada.
O secretário da Semhaf, Jesus Alves, explicou que a área ocupada é de preservação permanente (APP) e foi ocupada irregularmente. Alves destacou que a Semhaf esteve no local e também constatou que as casas apresentam fissuras estruturais que comprometem a segurança dos moradores.
“Então, hoje, a gente oficializou um grande acordo para a remoção daquelas pessoas que lá estão, com a indenização da empresa a eles. A prefeitura, em contrapartida, vai realizar a demolição daquelas habitações que estão na área, dando a destinação adequada dos entulhos que lá estão, para que não poluam o igarapé, bem como o pagamento de um aluguel social de dois meses para que as famílias possam ter tempo e se ajustar antes de irem para suas novas casas”, disse.
O secretário anunciou que o trecho, após ser desocupado, vai ser transformado em uma praça.
Solução efetiva
Para o defensor Carlos Almeida, a atuação coletiva e a busca de composição levou à solução mais razoável. “Isso porque, não havendo composição, o caminho seria a judicialização. Nós ingressaríamos com uma Ação Civil Pública e buscaríamos talvez até valores maiores, mas com um tempo de julgamento que nós não podemos prever”, observou.
“Para os moradores, essa relação custo-benefício foi adequada. Vários deles já acharam novas moradias para comprar com a indenização, inclusive próximo da localidade e fora de área de risco”, acrescentou.
Assinaturas dos acordos
As assinaturas individuais dos acordos foram realizadas no dia 17 de maio na unidade da DPE-AM localizada na rua 24 de Maio, Centro de Manaus, onde fica sediada a DPEIC.
Os pagamentos acordados variam de R$ 70 mil a R$ 120 mil. A discussão de valores ocorreu de forma individualizada, levando em conta cada caso em particular, pois, na área afetada, há imóveis de diferentes tipos e tamanho.
Dona Ivanilde Benedito esteve no local representando a mãe idosa, que mora há mais de 40 anos na localidade. “Lá na comunidade, tem casa com três dedos de rachadura. Tem casa que está para desabar. Tem pessoas idosas, pessoas com deficiência morando lá. Todo mundo estava no seu cantinho no momento que começou acontecer essas coisas. Quando vêm as máquinas, tudo treme. Tem risco e ninguém quer morrer ou perder seus familiares”, relatou.
“Nós, moradores, estamos juntos desde o primeiro momento lutando para resolver. E agora estamos muito gratos. Era isso que a gente queria, que realmente fosse resolvido, que ninguém fosse enganado. Agora, vem a indenização. Eu desejo que cada família do meu bairro consiga comprar seu imóvel”, completou.
Morador da área e advogado atuante na causa, Jhonatan Campos Cutrim contou que foi procurado no fim do ano passado por outros moradores, que relataram o problema. Segundo ele, os maquinários pesados da obra passavam muito próximo aos muros que separam o terreno da futura loja das casas. “A dois, três metros dos imóveis, que começaram a rachar”, detalhou. “As pessoas, então, se sentirem inseguras, com medo dos imóveis caírem e começaram a procurar os seus direitos”, explicou.
Cutrim entrou com uma ação pedindo a suspensão da obra, que foi inicialmente acatada pela Justiça, mas derrubada após a empresa recorrer. “Após isso, as pessoas se sentiram em um barco afundando. Então, todo mundo ali ficou com medo de realmente ficarem desamparados. Foi nesse momento que eu decidi procurar a Defensoria Pública”, disse.
O advogado da rede Assaí, Marcus Albano, também esteve presente. Ele destacou que, não fosse a atuação da DPE-AM, prezando pelo bom senso, o caso acabaria sendo judicializado.
Albano ressaltou que, na prática, a empresa está “comprando as benfeitorias”, mas que não tem interesse de ficar com o terreno, que pertence ao Município.
“Nós chegamos ao consenso de fazer o seguinte: adquirir todas essas benfeitorias dessas pessoas, desses moradores. Ou seja, nós estamos comprando a casa deles. Nós estamos passando imediatamente para a prefeitura. Essa área vai retornar a posse do Município. O Assaí não vai adquirir, não vai vender, não vai aumentar a sua área, não vai aumentar expandir seus muros para aumentar a sua área de terreno”, ressaltou Albano. “Estamos comprando, com isso dando condição a essas pessoas de buscarem uma casa no local mais apropriado”, acrescentou.
O diretor corporativo do grupo empresarial que controla a rede de supermercados, Paulo Pompílio, participou da assinatura final do acordo coletivo, entre a DPE-AM, a Semhaf e o Assaí. Ele disse aos moradores que o valor foi disponibilizado de forma que todos possam ter acesso a uma boa habitação.
Cronograma
Após a Justiça homologar o acordo, a Semhaf vai realizar o pagamento da primeira parcela do auxílio aluguel, de R$ 600 por família, e começar a desocupação do local. O pagamento das indenizações vai ser feito, de forma imediata, assim que a área estiver completamente desocupada.