Indígenas
13 de Maio de 2021 às 11h22
Ataques armados a indígenas contrários à mineração ilegal podem se repetir no Pará, alerta MPF
Depois dos Yanomami, em Roraima, alvos de grupo pró-garimpo podem ser os Munduruku, no sudoeste paraense, registra documento
Arte: Ascom/MPF
O Ministério Público Federal (MPF) decidiu na terça-feira (11) solicitar a órgãos públicos a tomada de medidas para evitar que evento programado para ser iniciado neste sábado em Jacareacanga, no Pará, resulte em violência contra indígenas Munduruku contrários à mineração. Além de citar uma série de ataques e ameaças que levaram a unidade do MPF no Pará a solicitar que o procurador-geral da República (PGR) peça intervenção federal na região, nos ofícios o MPF alerta que a presença de pessoas armadas no grupo pró-garimpo pode fazer com que os indígenas antimineração virem alvo de disparos, como ocorreu na segunda-feira com os Yanomami, em Roraima, segundo relatos da Hutukara Associação Yanomami.
O MPF requisitou ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, à Força Nacional de Segurança e à Polícia Federal que aloquem forças policiais em estado de prontidão para debelar possíveis conflitos armados dentro da Terra Indígena (TI) Munduruku, na aldeia Missão São Francisco. Também foi requisitado que, caso ocorram atos de violência no evento organizado pela associação Pusuru, da minoria Munduruku aliciada por garimpeiros, as forças policiais efetuem prisões em flagrante dos responsáveis.
Aos órgãos que receberam convite da associação Pusuru para comparecimento ao evento, o MPF recomendou que ponderem sobre a real necessidade de participarem desse e de outros encontros em que seja discutida também a liberação da mineração dentro do território indígena, considerando que nessas discussões tem sido verificada a presença de pessoas armadas e a possibilidade de conflitos, sobretudo porque o evento que começa neste sábado e vai até a próxima quarta-feira está sendo realizado em total discordância com a posição política dos caciques e lideranças locais Munduruku.
Assembleia geral desrespeitada – Como um dos objetivos do evento organizado pela associação Pusuru – chamado pela associação de assembleia – é autorizar a mineração ilegal em território Munduruku, mesmo que essa proposta tenha sido rejeitada em assembleia geral realizada pelos Munduruku em abril, com 72 caciques e mais de 500 indígenas, representando 140 aldeias, à Funai o MPF solicitou explicações sobre a atuação da autarquia, após ter recebido informações de que a coordenação local do órgão teria dado suporte à Pusuru, além de ter confirmado presença no evento. O MPF registra que a atuação da Funai contrária à autorização dos caciques e em um cenário de iminente violência pode acarretar responsabilização penal, civil e administrativa dos envolvidos.
“Discutimos sobre a organização Pusuru, como está sendo usada para destruir nosso território, desrespeitando nossos caciques e não protegendo a vida de nosso povo. Decidimos extingui-la, para que parem de usar contra nosso povo, contra nosso rio e território. Estamos doentes, sem água, os peixes e caças sumindo, associação é para ajudar o povo e não pra ajudar a destruir nosso futuro”, registra trecho da carta dos caciques elaborada durante a assembleia geral. “Não queremos o projeto de lei 191/20 [liberação da mineração em terras indígenas] que o governo federal Jair Bolsonaro quer aprovar de qualquer custo em cima do nosso território, sem consultar e sem o consentimento do povo, esse projeto de morte é o que está trazendo divisão entre o nosso povo, trazendo violência, estão atacando as mulheres e lideranças que lutam pela defesa do território. Os pariwat [não indígenas] estão usando o nome do nosso povo Munduruku a favor da PL 191. Nenhum senador, deputado ou vereador pode falar pelo povo Munduruku, e nem dizer que representa o povo”, destaca outro trecho (confira a íntegra da carta).
Violência em série – Na segunda-feira, em Jacareacanga, o cacique Fernando Kaba Munduruku foi atacado a pauladas por um garimpeiro, conforme o advogado do indígena registrou em boletim de ocorrência. O ataque foi o mais recente de uma série. Segundo nota técnica do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração publicada na Semana dos Povos Indígenas deste ano, os Munduruku vêm denunciando ao poder público as invasões às suas terras desde 1987.
Nos últimos três anos o problema vem se intensificando, e em março foi identificada a chegada de maquinário pesado, grupo armado e helicóptero suspeito de escoltar os criminosos, que estão avançando em direção a bacias hidrográficas fundamentais para a garantia da vida indígena, como a bacia do rio Cururu.
Também em março, na zona urbana de Jacareacanga, o grupo pró-garimpo depredou o prédio da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn. Foram destruídos documentos, móveis e equipamentos, além de produtos indígenas à venda no local. A violência foi uma tentativa de silenciar as mulheres Munduruku, contrárias à mineração ilegal em terras indígenas. O escritório vandalizado é de uso coletivo com outras organizações indígenas antigarimpo.
Em abril o grupo de garimpeiros e representantes da minoria Munduruku aliciada por garimpeiros impediu que uma viatura do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) entrasse em Jacareacanga. A viatura fazia fiscalização contra a mineração ilegal em floresta nacional e área de preservação ambiental na região.
Ainda em abril, novamente na zona urbana de Jacareacanga, por duas vezes o grupo pró-garimpo roubou itens pertencentes à Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, conforme as indígenas relataram ao MPF. No dia 18 foram roubados mais de 830 litros de combustível e um tanque de motor de barco. Apesar de no dia anterior o MPF ter divulgado que os roubos poderiam voltar a ocorrer, no dia 21 o grupo pró-garimpo roubou um motor de barco das mulheres indígenas.
O MPF abriu investigações sobre esses ataques dos garimpeiros. Apesar de esses ataques ocorrerem há alguns anos, “os últimos dias representaram inequívoca ruptura da dinâmica desafortunadamente estabelecida, o que revela inclusive a pretensão de instituição de ilegítimo Estado paralelo timonado por um grupo de pessoas caracterizado originalmente pela prática de crimes ambientais e, agora, por crimes de natureza profusa e diversa”, diz o ofício enviado pela unidade do MPF no Pará ao PGR em abril, com solicitação de que o Supremo Tribunal Federal (STF) seja acionado para declarar a violação de direitos humanos e requisitar a intervenção federal no estado para o estrito fim de garantir o provimento da segurança pública na região de Jacareacanga.
Autoridades inertes – Apesar de o MPF já ter cobrado providências das autoridades inclusive por meio de ações judiciais, até agora não há combate contínuo à mineração ilegal no território Munduruku.
No processo judicial em que o MPF pede à Justiça que obrigue a atuação de forças federais, em decorrência de decisão liminar (urgente) foi apresentado plano operacional em que constam as tratativas entre os órgãos competentes, para concretizar a fiscalização nas TIs Munduruku e Sai Cinza.
O plano foi contestado judicialmente pelo MPF, sendo confirmadas judicialmente as deficiências indicadas, por ausência de cronograma concreto para implementação das ações emergenciais e inexistência de medidas duradouras que busquem resolver as irregularidades de forma satisfatória.
Enquanto isso, uma ação de fiscalização do Ibama em agosto do ano passado foi interrompida após visita do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da intervenção do Ministério da Defesa. As circunstâncias da interrupção incluíram suspeitas de vazamento de informações sigilosas e transporte de garimpeiros em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), e estão sendo investigadas em dois inquéritos do MPF.
O MPF também abriu apurações sobre a ocorrência de improbidade administrativa por parte de autoridades responsáveis por evitar a invasão garimpeira, e sobre a ocorrência de dano coletivo aos indígenas.
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Arte: Ascom/MPF
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O MPF requisitou ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, à Força Nacional de Segurança e à Polícia Federal que aloquem forças policiais em estado de prontidão para debelar possíveis conflitos armados dentro da Terra Indígena (TI) Munduruku, na aldeia Missão São Francisco. Também foi requisitado que, caso ocorram atos de violência no evento organizado pela associação Pusuru, da minoria Munduruku aliciada por garimpeiros, as forças policiais efetuem prisões em flagrante dos responsáveis.
Aos órgãos que receberam convite da associação Pusuru para comparecimento ao evento, o MPF recomendou que ponderem sobre a real necessidade de participarem desse e de outros encontros em que seja discutida também a liberação da mineração dentro do território indígena, considerando que nessas discussões tem sido verificada a presença de pessoas armadas e a possibilidade de conflitos, sobretudo porque o evento que começa neste sábado e vai até a próxima quarta-feira está sendo realizado em total discordância com a posição política dos caciques e lideranças locais Munduruku.
Assembleia geral desrespeitada – Como um dos objetivos do evento organizado pela associação Pusuru – chamado pela associação de assembleia – é autorizar a mineração ilegal em território Munduruku, mesmo que essa proposta tenha sido rejeitada em assembleia geral realizada pelos Munduruku em abril, com 72 caciques e mais de 500 indígenas, representando 140 aldeias, à Funai o MPF solicitou explicações sobre a atuação da autarquia, após ter recebido informações de que a coordenação local do órgão teria dado suporte à Pusuru, além de ter confirmado presença no evento. O MPF registra que a atuação da Funai contrária à autorização dos caciques e em um cenário de iminente violência pode acarretar responsabilização penal, civil e administrativa dos envolvidos.
“Discutimos sobre a organização Pusuru, como está sendo usada para destruir nosso território, desrespeitando nossos caciques e não protegendo a vida de nosso povo. Decidimos extingui-la, para que parem de usar contra nosso povo, contra nosso rio e território. Estamos doentes, sem água, os peixes e caças sumindo, associação é para ajudar o povo e não pra ajudar a destruir nosso futuro”, registra trecho da carta dos caciques elaborada durante a assembleia geral. “Não queremos o projeto de lei 191/20 [liberação da mineração em terras indígenas] que o governo federal Jair Bolsonaro quer aprovar de qualquer custo em cima do nosso território, sem consultar e sem o consentimento do povo, esse projeto de morte é o que está trazendo divisão entre o nosso povo, trazendo violência, estão atacando as mulheres e lideranças que lutam pela defesa do território. Os pariwat [não indígenas] estão usando o nome do nosso povo Munduruku a favor da PL 191. Nenhum senador, deputado ou vereador pode falar pelo povo Munduruku, e nem dizer que representa o povo”, destaca outro trecho (confira a íntegra da carta).
Violência em série – Na segunda-feira, em Jacareacanga, o cacique Fernando Kaba Munduruku foi atacado a pauladas por um garimpeiro, conforme o advogado do indígena registrou em boletim de ocorrência. O ataque foi o mais recente de uma série. Segundo nota técnica do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração publicada na Semana dos Povos Indígenas deste ano, os Munduruku vêm denunciando ao poder público as invasões às suas terras desde 1987.
Nos últimos três anos o problema vem se intensificando, e em março foi identificada a chegada de maquinário pesado, grupo armado e helicóptero suspeito de escoltar os criminosos, que estão avançando em direção a bacias hidrográficas fundamentais para a garantia da vida indígena, como a bacia do rio Cururu.
Também em março, na zona urbana de Jacareacanga, o grupo pró-garimpo depredou o prédio da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn. Foram destruídos documentos, móveis e equipamentos, além de produtos indígenas à venda no local. A violência foi uma tentativa de silenciar as mulheres Munduruku, contrárias à mineração ilegal em terras indígenas. O escritório vandalizado é de uso coletivo com outras organizações indígenas antigarimpo.
Em abril o grupo de garimpeiros e representantes da minoria Munduruku aliciada por garimpeiros impediu que uma viatura do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) entrasse em Jacareacanga. A viatura fazia fiscalização contra a mineração ilegal em floresta nacional e área de preservação ambiental na região.
Ainda em abril, novamente na zona urbana de Jacareacanga, por duas vezes o grupo pró-garimpo roubou itens pertencentes à Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, conforme as indígenas relataram ao MPF. No dia 18 foram roubados mais de 830 litros de combustível e um tanque de motor de barco. Apesar de no dia anterior o MPF ter divulgado que os roubos poderiam voltar a ocorrer, no dia 21 o grupo pró-garimpo roubou um motor de barco das mulheres indígenas.
O MPF abriu investigações sobre esses ataques dos garimpeiros. Apesar de esses ataques ocorrerem há alguns anos, “os últimos dias representaram inequívoca ruptura da dinâmica desafortunadamente estabelecida, o que revela inclusive a pretensão de instituição de ilegítimo Estado paralelo timonado por um grupo de pessoas caracterizado originalmente pela prática de crimes ambientais e, agora, por crimes de natureza profusa e diversa”, diz o ofício enviado pela unidade do MPF no Pará ao PGR em abril, com solicitação de que o Supremo Tribunal Federal (STF) seja acionado para declarar a violação de direitos humanos e requisitar a intervenção federal no estado para o estrito fim de garantir o provimento da segurança pública na região de Jacareacanga.
Autoridades inertes – Apesar de o MPF já ter cobrado providências das autoridades inclusive por meio de ações judiciais, até agora não há combate contínuo à mineração ilegal no território Munduruku.
No processo judicial em que o MPF pede à Justiça que obrigue a atuação de forças federais, em decorrência de decisão liminar (urgente) foi apresentado plano operacional em que constam as tratativas entre os órgãos competentes, para concretizar a fiscalização nas TIs Munduruku e Sai Cinza.
O plano foi contestado judicialmente pelo MPF, sendo confirmadas judicialmente as deficiências indicadas, por ausência de cronograma concreto para implementação das ações emergenciais e inexistência de medidas duradouras que busquem resolver as irregularidades de forma satisfatória.
Enquanto isso, uma ação de fiscalização do Ibama em agosto do ano passado foi interrompida após visita do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da intervenção do Ministério da Defesa. As circunstâncias da interrupção incluíram suspeitas de vazamento de informações sigilosas e transporte de garimpeiros em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), e estão sendo investigadas em dois inquéritos do MPF.
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