Geral
26 de Abril de 2021 às 11h59
Atuação do MPF em Uberlândia (MG) garante cancelamento das matrículas de estudantes da UFU que ocupavam irregularmente vagas destinadas a cotas raciais
Decisões judiciais afirmam que instituições de ensino têm o dever de assegurar que objetivo da lei seja alcançado, e isto implica impedir a ocupação das vagas por pessoas que não fazem parte do público a que se destinam
Arte: Secom/PGR
Uberlândia. A Justiça Federal manteve o cancelamento das matrículas de três alunas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), por elas estarem ocupando irregularmente as vagas destinadas ao sistema de cotas (não serem os verdadeiros beneficiários da política pública), autodeclarando-se negras ou pardas durante o processo seletivo para ingresso nos cursos de graduação.
As decisões foram proferidas em ações ajuizadas pelas próprias estudantes pedindo a anulação dos atos administrativos que determinaram seu desligamento da universidade. Inicialmente, o Juízo 2ª Vara Federal de Uberlândia (MG) havia concedido liminar determinando a suspensão dos efeitos desses atos, mas, no curso dos processos, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou nos feitos e atuou para a manutenção das decisões proferidas pela universidade.
Com fundamento em julgados dos tribunais superiores, o Ministério Público Federal defendeu que a Administração Pública possui o poder de autotutela, em razão do qual pode anular atos administrativos eivados de ilegalidade (art. 53 da Lei n. 9.784/99), que é justamente o caso de matrículas feitas por pessoas que, ao burlarem o sistema de cotas, acabaram fraudando o próprio sistema de ingresso na universidade.
O Juízo Federal concordou com o MPF, e, revendo suas decisões anteriores, não só negou os pedidos feitos pelas estudantes, como reconheceu a legalidade do cancelamento das matrículas, por entender que “tratando-se de ato administrativo ilegal, a revogação não é mera faculdade, mas poder-dever da Administração Pública”.
Por meio do GT de Promoção da Igualdade Racial e Combate ao Racismo da PGR/PFDC e do Fórum Nacional de Cotas, o MPF em Uberlândia tem acompanhado os casos individuais de desvio na utilização das cotas raciais para acesso ao ensino superior e trabalhado pela implementação da política afirmativa como um todo, em articulação com outras entidades públicas e privadas que atuam no combate ao racismo institucional.
Os fatos – Gabrielle Maria Amélia Fuzato, que ingressou pelo sistema de cotas no curso de Medicina em 2017, declarou-se parda, porque, segundo ela, teria cabelos ondulados e nariz grande. Ully Stheffany era aluna do curso de Medicina Veterinária e, ao prestar o concurso vestibular em 2015, autodeclarou-se “parda”, em função, segundo ela, de sua descendência e consanguinidade. Letícia Oliveira, aluna do curso de Engenharia Elétrica, prestou vestibular em 2014, quando também concorreu às vagas destinadas a cotas raciais, autodeclarando-se parda sob a alegação de que os traços da raça negra lhe teriam sido transmitidos por seus ancestrais.
Algum tempo depois, a UFU começou a receber denúncias de que vários de seus estudantes, entre eles, Gabrielle, Ully e Letícia, teriam feito falsas declarações para concorrer às vagas reservadas no sistema de cotas raciais, já que nenhuma delas possuía características fenotípicas do grupo racial ao qual haviam declarado pertencer.
Instaurados os respectivos procedimentos administrativos, os fatos foram analisados pela Comissão para Acompanhamento e Averiguação da Implementação das Cotas Raciais para Ingresso de Discentes na UFU, a qual, durante sua investigação, utilizou critérios fenotípicos para averiguar o grupo racial no qual se enquadrariam as estudantes.
As alunas foram intimadas e apresentaram defesa. Ao final, a Comissão decidiu que as três eram brancas, portanto, não se enquadrava nos critérios raciais que utilizaram para o ingresso na universidade. Em consequência, por violação às regras dos respectivos editais, foi determinado o cancelamento de suas matrículas.
Segundo a Universidade Federal de Uberlândia, as estudantes sempre tiveram inteira ciência de que a autodeclaração, para fins de enquadramento na lei de cotas, está sujeita a exame posterior, inclusive com a instituição de comissão especial para análise e averiguação dos fatos. Além disso, os editais 2014 e 2015 previam expressamente que quaisquer informações falsas ou inexatas do aluno ao se inscrever no processo seletivo poderiam culminar com sua exclusão do certame e anulação dos atos decorrentes. Previam ainda que, na hipótese de comprovada fraude, o candidato deveria ser automaticamente eliminado, perdendo o direito à vaga conquistada.
Objetivo da política de cotas – Nas sentenças, o magistrado lembrou que o objetivo do legislador, ao instituir a política de cotas raciais para ingresso no ensino superior, por meio da Lei 12.711/2012, deve prevalecer sobre aspectos meramente formais dos procedimentos.
“A política de cotas raciais tem como objetivo principal a promoção do princípio da igualdade, visando assegurar o acesso ao ensino superior àquelas pessoas que em razão da cor da pele ou de seu grupo étnico racial são tolhidas das condições necessárias para concorrer em grau de igualdade com os demais integrantes da sociedade”, afirma.
Desse modo, “havendo indícios de que o discente se valeu das cotas raciais para ingresso no ensino superior, sem que, de fato, pertença ao grupo racial ao qual se autodeclarou no momento em que se inscreveu no processo seletivo, tem a instituição de ensino o poder-dever de instaurar procedimento administrativo para apurar o fato, assegurado o contraditório e ampla defesa, e, apurada a irregularidade ou falsidade na declaração para enquadramento nas cotas raciais, deve ser anulada a matrícula do discente, ainda que para a averiguação da condição de cotista tenha a instituição de ensino se utilizado de critérios não previstos no Edital do processo seletivo”.
Isso porque, segundo a sentença, as instituições de ensino, se têm o dever de implementar a política de cotas raciais para ingresso no ensino superior, também devem zelar para que o objetivo da lei seja alcançado, quer dizer, que as vagas reservadas sejam efetivamente ocupadas pelo público eleito pelo legislador ordinário. E isto somente acontecerá evitando-se o uso fraudulento das cotas raciais.
Nos três casos, as decisões judiciais, lembrando que o cancelamento da matrícula não tem como efeito o desfazimento de toda a vida acadêmica das estudantes, garantiu-lhes o direito de aproveitar as disciplinas até então cursadas, em outra instituição de ensino ou na própria UFU, desde que, neste caso, submetam-se a um novo e regular processo seletivo de ingresso na universidade na modalidade de ampla concorrência.
Dever de autotutela das IFES – Conforme acatado pela Justiça Federal, afirma o procurador da República Onésio Amaral que “as IFES – Instituições de Ensino Federal –, na condição de Administração Pública, tem o dever de verificar a correta destinação da política pública de cotas no ensino e se há pessoas não beneficiárias dela que estão irregular e indevidamente se utilizando dela”. E complementa, “esse dever de verificação, conforme mais uma vez reconhecido pela Justiça Federal, independe de intento de fraude (basta a desconformidade) e deve ser realizado, inclusive de ofício, já que a Administração tem obrigação legal de corrigir atos irregulares de que tenha conhecimento, seja por conta própria seja mediante denúncias de terceiros”.
ACP nº 1010258-26.2020.4.01.3803
ACP nº 1010259-11.2020.4.01.3803
ACP nº 1010708-66.2020.4.01.3803
Assessoria de Comunicação Social
Ministério Público Federal em Minas Gerais
Tel.: (31) 2123-9010 / 9008
twitter.com/mpf_mg
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26 de Abril de 2021 às 11h59
Atuação do MPF em Uberlândia (MG) garante cancelamento das matrículas de estudantes da UFU que ocupavam irregularmente vagas destinadas a cotas raciais
Decisões judiciais afirmam que instituições de ensino têm o dever de assegurar que objetivo da lei seja alcançado, e isto implica impedir a ocupação das vagas por pessoas que não fazem parte do público a que se destinam
Arte: Secom/PGR
Uberlândia. A Justiça Federal manteve o cancelamento das matrículas de três alunas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), por elas estarem ocupando irregularmente as vagas destinadas ao sistema de cotas (não serem os verdadeiros beneficiários da política pública), autodeclarando-se negras ou pardas durante o processo seletivo para ingresso nos cursos de graduação.
As decisões foram proferidas em ações ajuizadas pelas próprias estudantes pedindo a anulação dos atos administrativos que determinaram seu desligamento da universidade. Inicialmente, o Juízo 2ª Vara Federal de Uberlândia (MG) havia concedido liminar determinando a suspensão dos efeitos desses atos, mas, no curso dos processos, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou nos feitos e atuou para a manutenção das decisões proferidas pela universidade.
Com fundamento em julgados dos tribunais superiores, o Ministério Público Federal defendeu que a Administração Pública possui o poder de autotutela, em razão do qual pode anular atos administrativos eivados de ilegalidade (art. 53 da Lei n. 9.784/99), que é justamente o caso de matrículas feitas por pessoas que, ao burlarem o sistema de cotas, acabaram fraudando o próprio sistema de ingresso na universidade.
O Juízo Federal concordou com o MPF, e, revendo suas decisões anteriores, não só negou os pedidos feitos pelas estudantes, como reconheceu a legalidade do cancelamento das matrículas, por entender que “tratando-se de ato administrativo ilegal, a revogação não é mera faculdade, mas poder-dever da Administração Pública”.
Por meio do GT de Promoção da Igualdade Racial e Combate ao Racismo da PGR/PFDC e do Fórum Nacional de Cotas, o MPF em Uberlândia tem acompanhado os casos individuais de desvio na utilização das cotas raciais para acesso ao ensino superior e trabalhado pela implementação da política afirmativa como um todo, em articulação com outras entidades públicas e privadas que atuam no combate ao racismo institucional.
Os fatos – Gabrielle Maria Amélia Fuzato, que ingressou pelo sistema de cotas no curso de Medicina em 2017, declarou-se parda, porque, segundo ela, teria cabelos ondulados e nariz grande. Ully Stheffany era aluna do curso de Medicina Veterinária e, ao prestar o concurso vestibular em 2015, autodeclarou-se “parda”, em função, segundo ela, de sua descendência e consanguinidade. Letícia Oliveira, aluna do curso de Engenharia Elétrica, prestou vestibular em 2014, quando também concorreu às vagas destinadas a cotas raciais, autodeclarando-se parda sob a alegação de que os traços da raça negra lhe teriam sido transmitidos por seus ancestrais.
Algum tempo depois, a UFU começou a receber denúncias de que vários de seus estudantes, entre eles, Gabrielle, Ully e Letícia, teriam feito falsas declarações para concorrer às vagas reservadas no sistema de cotas raciais, já que nenhuma delas possuía características fenotípicas do grupo racial ao qual haviam declarado pertencer.
Instaurados os respectivos procedimentos administrativos, os fatos foram analisados pela Comissão para Acompanhamento e Averiguação da Implementação das Cotas Raciais para Ingresso de Discentes na UFU, a qual, durante sua investigação, utilizou critérios fenotípicos para averiguar o grupo racial no qual se enquadrariam as estudantes.
As alunas foram intimadas e apresentaram defesa. Ao final, a Comissão decidiu que as três eram brancas, portanto, não se enquadrava nos critérios raciais que utilizaram para o ingresso na universidade. Em consequência, por violação às regras dos respectivos editais, foi determinado o cancelamento de suas matrículas.
Segundo a Universidade Federal de Uberlândia, as estudantes sempre tiveram inteira ciência de que a autodeclaração, para fins de enquadramento na lei de cotas, está sujeita a exame posterior, inclusive com a instituição de comissão especial para análise e averiguação dos fatos. Além disso, os editais 2014 e 2015 previam expressamente que quaisquer informações falsas ou inexatas do aluno ao se inscrever no processo seletivo poderiam culminar com sua exclusão do certame e anulação dos atos decorrentes. Previam ainda que, na hipótese de comprovada fraude, o candidato deveria ser automaticamente eliminado, perdendo o direito à vaga conquistada.
Objetivo da política de cotas – Nas sentenças, o magistrado lembrou que o objetivo do legislador, ao instituir a política de cotas raciais para ingresso no ensino superior, por meio da Lei 12.711/2012, deve prevalecer sobre aspectos meramente formais dos procedimentos.
“A política de cotas raciais tem como objetivo principal a promoção do princípio da igualdade, visando assegurar o acesso ao ensino superior àquelas pessoas que em razão da cor da pele ou de seu grupo étnico racial são tolhidas das condições necessárias para concorrer em grau de igualdade com os demais integrantes da sociedade”, afirma.
Desse modo, “havendo indícios de que o discente se valeu das cotas raciais para ingresso no ensino superior, sem que, de fato, pertença ao grupo racial ao qual se autodeclarou no momento em que se inscreveu no processo seletivo, tem a instituição de ensino o poder-dever de instaurar procedimento administrativo para apurar o fato, assegurado o contraditório e ampla defesa, e, apurada a irregularidade ou falsidade na declaração para enquadramento nas cotas raciais, deve ser anulada a matrícula do discente, ainda que para a averiguação da condição de cotista tenha a instituição de ensino se utilizado de critérios não previstos no Edital do processo seletivo”.
Isso porque, segundo a sentença, as instituições de ensino, se têm o dever de implementar a política de cotas raciais para ingresso no ensino superior, também devem zelar para que o objetivo da lei seja alcançado, quer dizer, que as vagas reservadas sejam efetivamente ocupadas pelo público eleito pelo legislador ordinário. E isto somente acontecerá evitando-se o uso fraudulento das cotas raciais.
Nos três casos, as decisões judiciais, lembrando que o cancelamento da matrícula não tem como efeito o desfazimento de toda a vida acadêmica das estudantes, garantiu-lhes o direito de aproveitar as disciplinas até então cursadas, em outra instituição de ensino ou na própria UFU, desde que, neste caso, submetam-se a um novo e regular processo seletivo de ingresso na universidade na modalidade de ampla concorrência.
Dever de autotutela das IFES – Conforme acatado pela Justiça Federal, afirma o procurador da República Onésio Amaral que “as IFES – Instituições de Ensino Federal –, na condição de Administração Pública, tem o dever de verificar a correta destinação da política pública de cotas no ensino e se há pessoas não beneficiárias dela que estão irregular e indevidamente se utilizando dela”. E complementa, “esse dever de verificação, conforme mais uma vez reconhecido pela Justiça Federal, independe de intento de fraude (basta a desconformidade) e deve ser realizado, inclusive de ofício, já que a Administração tem obrigação legal de corrigir atos irregulares de que tenha conhecimento, seja por conta própria seja mediante denúncias de terceiros”.
ACP nº 1010258-26.2020.4.01.3803
ACP nº 1010259-11.2020.4.01.3803
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