Direitos do Cidadão
5 de Março de 2021 às 18h5
Em crise de gestão, Fundação Napoleão Laureano recebeu, apenas entre 2018 e 2019, mais de R$ 90 milhões de verbas federais
Repasses de recursos não foram devidamente fiscalizados por nenhuma das esferas do Executivo federal, estadual ou municipal
Arte: Ascom MPF
O Portal da Transparência do governo federal registra que, pelo menos, desde o ano 2000, a União repassa vultosos recursos federais do Sistema Único de Saúde (SUS) para a Fundação Napoleão Laureano (FNL), mantenedora do Hospital Napoleão Laureano (HNL), hospital que é referência no tratamento para câncer, localizado na capital da Paraíba. Conforme relatório de auditoria do Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus), apenas entre janeiro de 2018 e dezembro de 2019, a Fundação Napoleão Laureano recebeu R$ 84.689.488,63 do SUS, decorrentes da realização de 706.053 procedimentos de produção hospitalar e ambulatorial do HNL, sendo R$ 42.954.424,33, em 2018 e R$ 41.735.034,30, em 2019.
Além dos recursos advindos diretamente do SUS, pela produção hospitalar e ambulatorial, no mesmo período – de janeiro de 2018 a dezembro de 2019 -, o governo federal repassou R$ 4.431.908,00 à Fundação Napoleão Laureano, decorrentes de emendas parlamentares destinadas ao Hospital Napoleão Laureano para aquisição de equipamento e material permanente e para reforma de unidade de atenção especializada em saúde. Também, entre os anos de 2018 e 2019, foram repassados à fundação R$ 4.236.135,00 pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de João Pessoa, oriundos de emendas parlamentares, para o custeio de apoio à manutenção do hospital. Os dados estão disponíveis na Plataforma Brasil, na internet, por meio do Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse (Siconv).
O SUS paga a produção hospitalar e ambulatorial do HNL por meio de convênios firmados pela Fundação Napoleão Laureano com a Secretaria de Saúde da capital. No período de 2018 a 2019, a auditoria do Denasus identificou os seguintes convênios: Termo de Convênio nº 03/SMS/2018, no valor de R$ 45.546.322,68 anual, com vigência de 60 meses, a partir de 19 de janeiro de 2018; posteriormente, em 9 de outubro de 2018, houve o 1° Termo Aditivo ao Convênio n°03/2018, acrescentando mais R$ 2.895.044,16 ao valor global, totalizando R$ 48.441.366,84 disponíveis por ano; o Termo de Convênio nº 09/2018 (que não foi disponibilizado pela fundação à equipe de auditoria); e os Termos de Fomento nº 27/2019 e nº 41/2019, também não disponibilizados pela fundação aos auditores do Denasus. Dos valores citados acima, R$ 540 mil são recursos complementares próprios da SMS de João Pessoa.
Crescimento de doações e subvenções – Conforme auditoria do Conselho Regional de Contabilidade da Paraíba (CRC-PB), realizada no setor financeiro da Fundação Napoleão Laureano, no período de 2015 a 2019, houve um crescimento das receitas de doações auxiliares e subvenções à FNL. Em 2015, o Hospital Napoleão Laureano recebeu o valor de R$ 4.593.858,00 em doações e subvenções. Em 2016, esse valor subiu para R$ 9.929.130,00. Em 2017, aumentou para R$ 11.045.991,00. Em 2018, foi para R$ 15.192.740,00, e em 2019, alcançou a cifra de R$ 20.778.549,00. Os auditores do CRC-PB ainda constataram que, nos anos de 2018 e 2019, o Hospital Napoleão Laureano recebeu R$ 29.153.141,00 referentes a convênios e atendimentos particulares, além de R$ 14.712.008,00 referentes a “outras receitas diversas”.
A auditoria do CRC-PB ocorreu no âmbito de comissão auxiliar de avaliação criada em 2019, pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público da Paraíba (MP/PB) e Conselhos Regionais de Administração, Contabilidade e de Medicina, para averiguar as causas da crise financeira do Hospital Napoleão Laureano.
Segundo os dados que a equipe do Denasus extraiu do site do Hospital Napoleão Laureano e do Portal da Transparência do governo federal, o hospital é mantido, primordialmente, pelo SUS. Em 2019, 52,5% das receitas operacionais foram provenientes do SUS, repassadas à fundação mantenedora do hospital por meio de termos de acordos e/ou convênios com o estado e municípios. Outros 15% foram oriundos de planos de saúde e atendimento particular; 12% foram doações; 8% foram obtidos com isenção fiscal e, aproximadamente, 8,4% com outras receitas financeiras. Além desses aportes, em 2019, o hospital ainda recebeu 12,6% em subvenções de convênios federais e estaduais, correspondentes a R$ 10.667.932.36, aplicados em execução de obras e instalações e na aquisição de máquinas e equipamentos, conforme identificado pelos auditores do CRC-PB.
Conforme noticiado pelo jornal A União, em 2016, o governo estadual firmou convênio em caráter emergencial, no valor de aproximadamente R$ 3 milhões, para manutenção de serviços do Hospital Napoleão Laureano. Em 2019, o governo estadual também autorizou o repasse de R$ 4,2 milhões por ano para Hospital Napoleão Laureano por meio de convênio com a Secretaria de Estado da Saúde. Adicionalmente aos recursos oriundos das empresas de planos de saúde, o Hospital Napoleão Laureano também capta receitas por meio de diversos convênios firmados com prefeituras.
O caminho dos recursos – Conforme os órgãos ministeriais relataram na ação, os recursos para o financiamento ordinário (o valor que o SUS paga pelos procedimentos hospitalares e ambulatoriais) do tratamento oncológico no país são oriundos do bloco de financiamento do SUS destinado à Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar (MAC). Esses recursos federais são transferidos aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios em conta única e específica para cada bloco de financiamento. Nesse contexto, o município de João Pessoa, ao receber os recursos da União por meio do Ministério da Saúde (MS), os repassa à Fundação Napoleão Laureano, através de convênios, termos aditivos e termos de fomento. Além dos recursos ordinários do SUS, destinados ao financiamento dos serviços oncológicos, a União também aporta na fundação significativo volume de recursos decorrentes de emendas parlamentares para investimento e custeio do hospital.
Atuação parlamentar – Em petição de aditamento, feito em 2020, à ação que tramita na 2ª Vara desde outubro de 2020, o Ministério Público Federal e o Ministério Público da Paraíba incluíram relatório de repasse de emendas parlamentares federais disponível no Portal da Transparência da União, que pode ser acessado aqui. Os dados do Portal da Transparência mostram que, em 2020, a fundação recebeu R$ 1.390.254,00 em verbas federais para aquisição de equipamento e material permanente e reforma de unidade de atenção especializada em saúde. Também em 2020, a imprensa paraibana noticiou novas destinações de emendas parlamentares para o hospital, no valor de R$ 2 milhões, e R$ 200 mil. Mais recentemente, já em 2021, também foram noticiados esforços para tentar conseguir a liberação de R$ 10 milhões de recursos federais para a aquisição de acelerador linear para o hospital.
A atuação dos parlamentares da bancada federal paraibana, para destinar recursos federais à Fundação Napoleão Laureano, se confunde com a própria história da fundação, desde o momento em que o então deputado federal, Janduhy Carneiro, foi eleito diretor-presidente da FNL, na década de 50. Segundo relato histórico disponível no portal do Hospital Napoleão Laureano, na internet, Janduhy Carneiro, também médico, foi autor do Projeto de Lei nº 18/1951 que abriu crédito de 100 milhões de cruzeiros para o tratamento de câncer no país. O projeto de lei foi sancionado pelo então presidente Getúlio Vargas e o Serviço Nacional de Câncer passou a dispor de recursos financeiros para distribuir com as diversas entidades de combate ao câncer no Brasil, entre elas, a Fundação Napoleão Laureano, na Paraíba.
Para ilustrar essa prática de frequente investimento de recursos da União no Hospital Napoleão Laureano, constata-se, pelo Portal da Transparência do governo federal, que, desde o ano 2000, a fundação recebeu R$ 32.302.348,89, por meio de 88 convênios firmados com o Ministério da Saúde. Convênios são os instrumentos usados para realizar os repasses das emendas parlamentares individuais e de bancada.
Dinheiro do público –Além do dinheiro público, a fundação ainda angaria dinheiro do público por meio de campanhas de telemarketing, doações em geral, concedidas por particulares, empresas e uma rede parceira que faz doações mensais para auxiliar no tratamento dos pacientes oncológicos, sendo elas: Energisa, Donos do Amanhã, Sinduscon, Gráfica Santa Marta, Correios, Cerâmica Elizabeth e Rede Feminina de Combate ao Câncer, registra o relatório do CRC. Conforme observado pelos auditores do Conselho de Contabilidade, o Hospital Napoleão Laureano atende parte de usuários do SUS e parte de usuários do setor privado, sendo alguns particulares e outros oriundos de diversos planos de saúde. (Imagem cedida pelo acervo de A União)
A ação mais recente para captação de recursos é a campanha ‘Abra a torneira da bondade e dê um banho de solidariedade”, lançada em 5 de fevereiro de 2021, pelo Governo do Estado, para socorrer o hospital por meio de doações dos usuários no ato de pagamento da conta de água fornecida pela Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa). Por ocasião do lançamento, o presidente da Cagepa ressaltou o potencial de arrecadação da campanha: “Nós temos mais de um milhão de clientes na Paraíba que podem doar R$ 5, R$ 10, R$ 50, com custo zero para o Hospital Laureano”.
Conforme a auditoria do Conselho Regional de Contabilidade, as receitas captadas pela Fundação Napoleão Laureano, por meio de doações e subvenções, “apresentaram um comportamento significativamente ascendente, elevando o montante arrecadado de R$ 4.593.858 em 2015, para R$ 20.778.549, em 2019, ou seja, um crescimento de 352,31%, compensando, desta forma, a queda de arrecadação das receitas do SUS e de receitas de convênios e de atendimentos particulares”. Dos R$ 20.778.549,00, quase a metade (R$ 10.110.617,64) teve como origem doações em geral, concedidas por particulares, no valor de R$ 6.387.471.92; outra parte, de R$ 2.369.746,22, foi obtida por meio de serviços de telemarketing e R$ 1.353.398,72 aportaram aos cofres da fundação por meio das campanhas de doação da Energisa.
Medicamentos judicializados – Além do significativo aporte de recursos federais, direcionados ao Hospital Napoleão Laureano para tratamento oncológico, o estado da Paraíba ainda forneceu, em 2018, por força de decisões judiciais, R$ 30.943.631,20, em medicamentos para tratamento de câncer, quantia que se aproximou do montante repassado pela União naquele ano ao hospital pelos procedimentos hospitalares e ambulatoriais realizados. Seriam custos que o hospital teria, eventualmente, que suportar, ao menos, em parte.
A SES informou ao MP que novos tratamentos lançados no mercado trouxeram um incremento de custeio, sem o acompanhamento do aumento dos repasses federais. Ou seja, são medicamentos que não estão contemplados na sistemática usual de fornecimento de medicação oncológica, financiada pela União, com significativo impacto financeiro para o ente estadual.
Recursos de combate à covid-19 – Embora não seja referência para o tratamento de pessoas infectadas pelo coronavírus, conforme estabelecido no Plano de Contingência da Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba, em 2020, o Hospital Napoleão Laureano recebeu aportes financeiros, no valor de R$ 2.591.254,04, decorrentes da Portaria nº 1.448/2020; e R$ 189.381,76, advindos da Portaria nº 1.393/2020. Ajuda financeira que, para os órgãos fiscais da lei, “só robustece o fato de que o atual corpo dirigente da instituição administra significativos recursos federais que necessitam ser devidamente fiscalizados”. As duas portarias federais do Ministério da Saúde são de maio de 2020 e regulamentaram a Lei nº 13.995/2020, que garantiu o auxílio financeiro emergencial repassado aos hospitais filantrópicos sem fins lucrativos que atuam no controle da pandemia do novo coronavírus.
Isenção de contribuições sociais – Ao se explicar perante o MP/PB, em 2019 , a FNL informou que o Hospital Napoleão Laureano é o único Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) existente em solo paraibano e que teve seu Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas), na área de Saúde, renovado com validade de 15 de março de 2018 a 14 de março de 2021, conforme Portaria MS/SAS nº 343/2018. O certificado, concedido pelo Ministério da Saúde a pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como Entidade Beneficente de Assistência Social para a prestação de serviços na área de Saúde, isenta o hospital de pagar milhares de reais com as contribuições da seguridade social (R$.5.251.227,89, em 2015; R$.6.057.185,11, em 2016; R$.6.406.388,15, em 2017; R$.6.561.621,43, em 2018 e R$.6.793.989,39, em 2019, conforme calculado pelo CRC-PB).
Negligência fiscalizatória – A Portaria nº 874/2013, do Ministério da Saúde, estabelece a incumbência do MS e das secretarias de saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios de organizar a Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas, no âmbito do SUS, e define as responsabilidades das esferas de gestão do SUS, no que se refere à rede de tratamento do câncer. No entanto, segundo registra a petição dos Ministérios Públicos, no caso da Paraíba, as autoridades públicas, desde o Ministério da Saúde, passando pela Secretaria de Estado da Saúde, até as secretarias municipais de saúde, “optaram em não prestar diretamente o serviço de saúde na área oncológica”, pelo contrário, “preferiram confiar o tratamento de saúde de mais de 70% dos pacientes portadores de neoplasias malignas a uma fundação privada, repassando-lhe, para tanto, vultosos recursos públicos”.
De fato, o repasse das verbas públicas, de origem majoritariamente federal, não foi acompanhado da devida e necessária fiscalização por nenhuma das esferas do Executivo, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, conforme revelaram os relatórios produzidos pelos membros da comissão auxiliar formada por integrantes dos Conselhos Regionais de Administração, Contabilidade e de Medicina, durante os inquéritos instaurados pelo MPF e MP/PB para investigar a crise financeira do hospital.
Como resultado dessa negligência fiscalizatória, foi constatado que o hospital, em razão de uma “precária e irresponsável gestão financeira”, adentrou em processo de endividamento crescente, ao longo de 2015 a 2019, “chegando ao estratosférico percentual de 510% do crescimento de sua dívida”, o que repercutiu diretamente na redução drástica da oferta de tratamento oncológico à clientela do SUS, constataram os MPs. Esse desequilíbrio econômico-financeiro, por parte da fundação mantenedora do hospital, tem causado o desabastecimento de medicamentos e/ou insumos para quimioterapia na farmácia do HNL, provocando a interrupção dos serviços de saúde a pacientes em situação de urgência. Por outro lado, os equipamentos de radioterapia que ali operam passaram a sofrer frequentes defeitos com interrupção de serviços, sem os devidos reparos imediatos, provocando, assim, atraso de atendimentos.
MPF requereu auditoria federal – Em dezembro de 2018, após aguardar mais de ano por auditoria requisitada à União, pela via administrativa, o Ministério Público Federal, requereu judicialmente que a União realizasse auditoria na Fundação Napoleão Laureano e obteve liminar favorável. No entanto, somente após reiterados pedidos do MPF para que a decisão liminar fosse cumprida é que a União apresentou o Relatório de Auditoria nº 18.821, confeccionado pelo Denasus, em 2020, após o órgão auditor verificar a real situação e o funcionamento dos equipamentos adquiridos por meio de emendas parlamentares destinadas ao Hospital Napoleão Laureano. Da análise do relatório, “saltam aos olhos as irregularidades quanto à integral ausência de fiscalização por parte dos órgãos públicos em relação à aplicação dos recursos públicos destinados à entidade filantrópica”, registram os MPs.
Dentre as diversas irregularidades constatadas pelo Denasus, estão a inexistência de formalização do processo de contratualização na prestação das ações e serviços de saúde com a Fundação Napoleão Laureano; ausência de instrumentos formais de contratualização da prestação de ações e serviços de saúde em oncologia com a fundação; ausência de plano anual de saúde, relatório de gestão, programação anual de saúde, mapa e resoluções, de documento que indique a necessidade da complementação das ações e serviços de saúde para ampliação e garantia do acesso à sociedade, contratualizados com a Fundação Napoleão Laureano; e inexistência de fiscal especialmente designado para acompanhar e fiscalizar a execução do convênio com o governo federal.
Desperdício de equipamentos – Em relatório complementar apresentado ao Ministério Público Federal, o Denasus apontou, ainda, outras irregularidades graves. Inspeção realizada no hospital, em outubro de 2020, pelos auditores do Departamento Nacional de Auditoria do SUS, revelou que os equipamentos adquiridos para a nova ala de quimioterapia do Hospital Napoleão Laureano ainda não tinham sido instalados e se encontravam encaixotados em um depósito na área externa do hospital. Apesar de inaugurada em 14 de agosto de 2020, os auditores constataram que a nova ala de quimioterapia ainda não estava funcionando.
Conforme o relatório do Denasus, entre os bens armazenados no depósito estão: cadeiras secretárias; mesas para impressoras; mesas compostas; capela de segurança biológica; biombos; mesas auxiliares; camas hospitalares; macas fixas; poltronas hospitalares; escadinhas; balanças antropométricas; lixeiras inox; negatoscópio e aparelhos de ar-condicionado.
Os equipamentos foram adquiridos há mais de quatro anos, com verbas federais, na ordem de R$ 300 mil, obtidas por meio do Convênio nº 813088/2014 e “de acordo com a gestão [do hospital] não há prazo estabelecido para colocá-los em funcionamento”, relatou a equipe do Denasus, pontuando que tais fatos configuram “potencial prejuízo ao erário pela não utilização dos equipamentos”. Os auditores ouviram da direção da unidade hospitalar que seria necessário “aguardar a transferência da estrutura física do antigo setor de quimioterapia para a nova ala, com mudança e instalação de todos os equipamentos, adaptações e recursos humanos necessários, de forma gradual, para que não haja qualquer prejuízo na assistência dos pacientes”.
Equipamento sem uso – O Denasus também localizou em uma sala “tipo depósito”, uma máquina Aférese, destinada à realização de plasmaférese (procedimento que filtra o sangue, retirando do plasma as substâncias que estão causando a doença e devolvendo ao organismo o plasma livre dessas substâncias). No momento da inspeção, o equipamento estava desligado e armazenado em uma sala do setor de UTI adulto. Adquirido pelo Hospital Napoleão Laureano, em 2013, o aparelho custou R$ 89.800,00 aos cofres públicos, mas nunca foi colocado em funcionamento para assistência dos pacientes em tratamento oncológico, apesar de se encontrar “em bom estado físico e com seu software processando plenamente sem apresentar falhas”, conforme laudo do hospital apresentado aos auditores federais. (Imagem do relatório do Denasus)
Equipamentos públicos de uso privado – Outra grave irregularidade detectada pelo Denasus diz respeito ao uso dos equipamentos Gama Câmara (Convênio n° 835117/2016, no valor de R$ 1.547.329,00) e Pet CT (Convênio n° 862771/2017, no valor de R$ 5.200.000,00), os quais se encontram no Centro de Diagnóstico por Imagem do hospital e estão em funcionamento desde agosto de 2020. Ocorre que, apesar de terem sido adquiridos pela Fundação Napoleão Laureano com recursos públicos federais, obtidos por meio de emendas parlamentares, os auditores federais verificaram que os pacientes dependentes da rede pública não estão realizando exames nesses equipamentos e não estão sendo beneficiados. O motivo é que, até a elaboração do relatório do Denasus, em dezembro de 2020, não tinha sido feita a inclusão desses serviços em âmbito ambulatorial no convênio entre a Fundação Napoleão Laureano e a Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa, para o atendimento aos usuários do SUS. (Imagem do relatório do Denasus)
Dessa forma, os equipamentos, que juntos custaram aos cofres públicos mais de R$ 6 milhões, funcionam para o atendimento de pacientes da rede privada e particular. Para o SUS, funcionam apenas para quem está internado no hospital. Os auditores verificaram que, de agosto a outubro de 2020, foram realizados no Gama Câmara 64 exames, (56 particulares, 6 SUS/internação e 2 na rede privada). Já no Pet CT, foram realizados 23 exames no mesmo período, de agosto a outubro, sendo 22 particulares e 1 para rede privada.(Imagem do relatório do Denasus)
O Denasus destacou que o HNL é quem avalia a necessidade de ofertar/ampliar o rol de serviços prestados aos pacientes em tratamento oncológico, em contraposição com a análise da existência ou não da oferta do serviço pelo SUS. “Desse modo, não há garantia por parte dos entes federados, seja municipal e/ou estadual da contratualização dos novos serviços ofertados”, concluíram os auditores.
Risco de total insolvência e liquidação – Na petição à Justiça Federal pela destituição da atual diretoria da FNL, o Ministério Público Federal e o Ministério Público da Paraíba alertaram para o risco concreto de prejuízo total e desperdício integral do que já foi investido com verbas públicas no Hospital Napoleão Laureano, caso o atual corpo dirigente (diretoria e conselho deliberativo) da fundação seja mantido, pois “é evidente que a insolvência e eventual liquidação da entidade implica repercussões diretas sobre os interesses da União, em razão dos vultosos repasses de recursos públicos federais à instituição”. Os órgãos ministeriais ainda reforçaram que, “diante do preocupante cenário de insolvência e eventual liquidação da entidade, é imperativo que a União assuma o seu papel de fiscalizar a fiel aplicação das verbas advindas de seus cofres, conforme determina o artigo 33, §4º, da Lei n° 8.080/902”.
“Afinal”, argumentaram, “caso se repitam situações de colapso da rede oncológica local, pela insolvência da fundação promovida, deverá a União arcar com custos de atendimento a pacientes, em razão da sua responsabilidade solidária geral pelos serviços do Sistema Único de Saúde (artigo 196 da CF/88) e responsabilidade específica, no caso da atenção oncológica, inclusive pela negligência no monitoramento e fiscalização que lhe cabem como ente financiador e supervisor”.
Em decisão liminar, proferida em dezembro de 2020, a juíza da 2ª Vara Federal, Wanessa Figueiredo dos Santos Lima, registrou que “a União deve avaliar a conveniência de continuar investindo esses valores no hospital, já que, se o serviço de saúde não for prestado, ela irá responder diretamente por isso”. Decisão no mesmo sentido também já foi proferida em outro processo (0812231-24.2019.4.05.8200) que tramita na 3ª Vara da Justiça Federal, responsabilizando o município de João Pessoa pela aquisição de medicamentos não fornecidos pelo Hospital Napoleão Laureano, os quais devem ter o seu custo ressarcido pela União. No processo da 2ª Vara, a juíza ainda prescreveu que o município de João Pessoa também deve avaliar a conveniência da manutenção do contrato com a fundação.
O Ministério Público Federal, inclusive, já requereu na Ação Civil Pública nº 0812231-24.2019.4.05.8200, que está na 3ª Vara Federal, a ampliação da rede pública de atendimento em oncologia no estado para acolher pacientes paraibanos, “de modo que não fiquem à mercê de entidade privada cuja gestão inadequada prejudica atendimentos de clientela vulnerável”.
Ação Civil Pública nº 0810457-22.2020.4.04.8200
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O SUS paga a produção hospitalar e ambulatorial do HNL por meio de convênios firmados pela Fundação Napoleão Laureano com a Secretaria de Saúde da capital. No período de 2018 a 2019, a auditoria do Denasus identificou os seguintes convênios: Termo de Convênio nº 03/SMS/2018, no valor de R$ 45.546.322,68 anual, com vigência de 60 meses, a partir de 19 de janeiro de 2018; posteriormente, em 9 de outubro de 2018, houve o 1° Termo Aditivo ao Convênio n°03/2018, acrescentando mais R$ 2.895.044,16 ao valor global, totalizando R$ 48.441.366,84 disponíveis por ano; o Termo de Convênio nº 09/2018 (que não foi disponibilizado pela fundação à equipe de auditoria); e os Termos de Fomento nº 27/2019 e nº 41/2019, também não disponibilizados pela fundação aos auditores do Denasus. Dos valores citados acima, R$ 540 mil são recursos complementares próprios da SMS de João Pessoa.
Crescimento de doações e subvenções – Conforme auditoria do Conselho Regional de Contabilidade da Paraíba (CRC-PB), realizada no setor financeiro da Fundação Napoleão Laureano, no período de 2015 a 2019, houve um crescimento das receitas de doações auxiliares e subvenções à FNL. Em 2015, o Hospital Napoleão Laureano recebeu o valor de R$ 4.593.858,00 em doações e subvenções. Em 2016, esse valor subiu para R$ 9.929.130,00. Em 2017, aumentou para R$ 11.045.991,00. Em 2018, foi para R$ 15.192.740,00, e em 2019, alcançou a cifra de R$ 20.778.549,00. Os auditores do CRC-PB ainda constataram que, nos anos de 2018 e 2019, o Hospital Napoleão Laureano recebeu R$ 29.153.141,00 referentes a convênios e atendimentos particulares, além de R$ 14.712.008,00 referentes a “outras receitas diversas”.
A auditoria do CRC-PB ocorreu no âmbito de comissão auxiliar de avaliação criada em 2019, pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público da Paraíba (MP/PB) e Conselhos Regionais de Administração, Contabilidade e de Medicina, para averiguar as causas da crise financeira do Hospital Napoleão Laureano.
Segundo os dados que a equipe do Denasus extraiu do site do Hospital Napoleão Laureano e do Portal da Transparência do governo federal, o hospital é mantido, primordialmente, pelo SUS. Em 2019, 52,5% das receitas operacionais foram provenientes do SUS, repassadas à fundação mantenedora do hospital por meio de termos de acordos e/ou convênios com o estado e municípios. Outros 15% foram oriundos de planos de saúde e atendimento particular; 12% foram doações; 8% foram obtidos com isenção fiscal e, aproximadamente, 8,4% com outras receitas financeiras. Além desses aportes, em 2019, o hospital ainda recebeu 12,6% em subvenções de convênios federais e estaduais, correspondentes a R$ 10.667.932.36, aplicados em execução de obras e instalações e na aquisição de máquinas e equipamentos, conforme identificado pelos auditores do CRC-PB.
Conforme noticiado pelo jornal A União, em 2016, o governo estadual firmou convênio em caráter emergencial, no valor de aproximadamente R$ 3 milhões, para manutenção de serviços do Hospital Napoleão Laureano. Em 2019, o governo estadual também autorizou o repasse de R$ 4,2 milhões por ano para Hospital Napoleão Laureano por meio de convênio com a Secretaria de Estado da Saúde. Adicionalmente aos recursos oriundos das empresas de planos de saúde, o Hospital Napoleão Laureano também capta receitas por meio de diversos convênios firmados com prefeituras.
O caminho dos recursos – Conforme os órgãos ministeriais relataram na ação, os recursos para o financiamento ordinário (o valor que o SUS paga pelos procedimentos hospitalares e ambulatoriais) do tratamento oncológico no país são oriundos do bloco de financiamento do SUS destinado à Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar (MAC). Esses recursos federais são transferidos aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios em conta única e específica para cada bloco de financiamento. Nesse contexto, o município de João Pessoa, ao receber os recursos da União por meio do Ministério da Saúde (MS), os repassa à Fundação Napoleão Laureano, através de convênios, termos aditivos e termos de fomento. Além dos recursos ordinários do SUS, destinados ao financiamento dos serviços oncológicos, a União também aporta na fundação significativo volume de recursos decorrentes de emendas parlamentares para investimento e custeio do hospital.
Atuação parlamentar – Em petição de aditamento, feito em 2020, à ação que tramita na 2ª Vara desde outubro de 2020, o Ministério Público Federal e o Ministério Público da Paraíba incluíram relatório de repasse de emendas parlamentares federais disponível no Portal da Transparência da União, que pode ser acessado aqui. Os dados do Portal da Transparência mostram que, em 2020, a fundação recebeu R$ 1.390.254,00 em verbas federais para aquisição de equipamento e material permanente e reforma de unidade de atenção especializada em saúde. Também em 2020, a imprensa paraibana noticiou novas destinações de emendas parlamentares para o hospital, no valor de R$ 2 milhões, e R$ 200 mil. Mais recentemente, já em 2021, também foram noticiados esforços para tentar conseguir a liberação de R$ 10 milhões de recursos federais para a aquisição de acelerador linear para o hospital.
A atuação dos parlamentares da bancada federal paraibana, para destinar recursos federais à Fundação Napoleão Laureano, se confunde com a própria história da fundação, desde o momento em que o então deputado federal, Janduhy Carneiro, foi eleito diretor-presidente da FNL, na década de 50. Segundo relato histórico disponível no portal do Hospital Napoleão Laureano, na internet, Janduhy Carneiro, também médico, foi autor do Projeto de Lei nº 18/1951 que abriu crédito de 100 milhões de cruzeiros para o tratamento de câncer no país. O projeto de lei foi sancionado pelo então presidente Getúlio Vargas e o Serviço Nacional de Câncer passou a dispor de recursos financeiros para distribuir com as diversas entidades de combate ao câncer no Brasil, entre elas, a Fundação Napoleão Laureano, na Paraíba.
Para ilustrar essa prática de frequente investimento de recursos da União no Hospital Napoleão Laureano, constata-se, pelo Portal da Transparência do governo federal, que, desde o ano 2000, a fundação recebeu R$ 32.302.348,89, por meio de 88 convênios firmados com o Ministério da Saúde. Convênios são os instrumentos usados para realizar os repasses das emendas parlamentares individuais e de bancada.
Dinheiro do público –Além do dinheiro público, a fundação ainda angaria dinheiro do público por meio de campanhas de telemarketing, doações em geral, concedidas por particulares, empresas e uma rede parceira que faz doações mensais para auxiliar no tratamento dos pacientes oncológicos, sendo elas: Energisa, Donos do Amanhã, Sinduscon, Gráfica Santa Marta, Correios, Cerâmica Elizabeth e Rede Feminina de Combate ao Câncer, registra o relatório do CRC. Conforme observado pelos auditores do Conselho de Contabilidade, o Hospital Napoleão Laureano atende parte de usuários do SUS e parte de usuários do setor privado, sendo alguns particulares e outros oriundos de diversos planos de saúde. (Imagem cedida pelo acervo de A União)
A ação mais recente para captação de recursos é a campanha ‘Abra a torneira da bondade e dê um banho de solidariedade”, lançada em 5 de fevereiro de 2021, pelo Governo do Estado, para socorrer o hospital por meio de doações dos usuários no ato de pagamento da conta de água fornecida pela Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa). Por ocasião do lançamento, o presidente da Cagepa ressaltou o potencial de arrecadação da campanha: “Nós temos mais de um milhão de clientes na Paraíba que podem doar R$ 5, R$ 10, R$ 50, com custo zero para o Hospital Laureano”.
Conforme a auditoria do Conselho Regional de Contabilidade, as receitas captadas pela Fundação Napoleão Laureano, por meio de doações e subvenções, “apresentaram um comportamento significativamente ascendente, elevando o montante arrecadado de R$ 4.593.858 em 2015, para R$ 20.778.549, em 2019, ou seja, um crescimento de 352,31%, compensando, desta forma, a queda de arrecadação das receitas do SUS e de receitas de convênios e de atendimentos particulares”. Dos R$ 20.778.549,00, quase a metade (R$ 10.110.617,64) teve como origem doações em geral, concedidas por particulares, no valor de R$ 6.387.471.92; outra parte, de R$ 2.369.746,22, foi obtida por meio de serviços de telemarketing e R$ 1.353.398,72 aportaram aos cofres da fundação por meio das campanhas de doação da Energisa.
Medicamentos judicializados – Além do significativo aporte de recursos federais, direcionados ao Hospital Napoleão Laureano para tratamento oncológico, o estado da Paraíba ainda forneceu, em 2018, por força de decisões judiciais, R$ 30.943.631,20, em medicamentos para tratamento de câncer, quantia que se aproximou do montante repassado pela União naquele ano ao hospital pelos procedimentos hospitalares e ambulatoriais realizados. Seriam custos que o hospital teria, eventualmente, que suportar, ao menos, em parte.
A SES informou ao MP que novos tratamentos lançados no mercado trouxeram um incremento de custeio, sem o acompanhamento do aumento dos repasses federais. Ou seja, são medicamentos que não estão contemplados na sistemática usual de fornecimento de medicação oncológica, financiada pela União, com significativo impacto financeiro para o ente estadual.
Recursos de combate à covid-19 – Embora não seja referência para o tratamento de pessoas infectadas pelo coronavírus, conforme estabelecido no Plano de Contingência da Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba, em 2020, o Hospital Napoleão Laureano recebeu aportes financeiros, no valor de R$ 2.591.254,04, decorrentes da Portaria nº 1.448/2020; e R$ 189.381,76, advindos da Portaria nº 1.393/2020. Ajuda financeira que, para os órgãos fiscais da lei, “só robustece o fato de que o atual corpo dirigente da instituição administra significativos recursos federais que necessitam ser devidamente fiscalizados”. As duas portarias federais do Ministério da Saúde são de maio de 2020 e regulamentaram a Lei nº 13.995/2020, que garantiu o auxílio financeiro emergencial repassado aos hospitais filantrópicos sem fins lucrativos que atuam no controle da pandemia do novo coronavírus.
Isenção de contribuições sociais – Ao se explicar perante o MP/PB, em 2019 , a FNL informou que o Hospital Napoleão Laureano é o único Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) existente em solo paraibano e que teve seu Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas), na área de Saúde, renovado com validade de 15 de março de 2018 a 14 de março de 2021, conforme Portaria MS/SAS nº 343/2018. O certificado, concedido pelo Ministério da Saúde a pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como Entidade Beneficente de Assistência Social para a prestação de serviços na área de Saúde, isenta o hospital de pagar milhares de reais com as contribuições da seguridade social (R$.5.251.227,89, em 2015; R$.6.057.185,11, em 2016; R$.6.406.388,15, em 2017; R$.6.561.621,43, em 2018 e R$.6.793.989,39, em 2019, conforme calculado pelo CRC-PB).
Negligência fiscalizatória – A Portaria nº 874/2013, do Ministério da Saúde, estabelece a incumbência do MS e das secretarias de saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios de organizar a Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas, no âmbito do SUS, e define as responsabilidades das esferas de gestão do SUS, no que se refere à rede de tratamento do câncer. No entanto, segundo registra a petição dos Ministérios Públicos, no caso da Paraíba, as autoridades públicas, desde o Ministério da Saúde, passando pela Secretaria de Estado da Saúde, até as secretarias municipais de saúde, “optaram em não prestar diretamente o serviço de saúde na área oncológica”, pelo contrário, “preferiram confiar o tratamento de saúde de mais de 70% dos pacientes portadores de neoplasias malignas a uma fundação privada, repassando-lhe, para tanto, vultosos recursos públicos”.
De fato, o repasse das verbas públicas, de origem majoritariamente federal, não foi acompanhado da devida e necessária fiscalização por nenhuma das esferas do Executivo, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, conforme revelaram os relatórios produzidos pelos membros da comissão auxiliar formada por integrantes dos Conselhos Regionais de Administração, Contabilidade e de Medicina, durante os inquéritos instaurados pelo MPF e MP/PB para investigar a crise financeira do hospital.
Como resultado dessa negligência fiscalizatória, foi constatado que o hospital, em razão de uma “precária e irresponsável gestão financeira”, adentrou em processo de endividamento crescente, ao longo de 2015 a 2019, “chegando ao estratosférico percentual de 510% do crescimento de sua dívida”, o que repercutiu diretamente na redução drástica da oferta de tratamento oncológico à clientela do SUS, constataram os MPs. Esse desequilíbrio econômico-financeiro, por parte da fundação mantenedora do hospital, tem causado o desabastecimento de medicamentos e/ou insumos para quimioterapia na farmácia do HNL, provocando a interrupção dos serviços de saúde a pacientes em situação de urgência. Por outro lado, os equipamentos de radioterapia que ali operam passaram a sofrer frequentes defeitos com interrupção de serviços, sem os devidos reparos imediatos, provocando, assim, atraso de atendimentos.
MPF requereu auditoria federal – Em dezembro de 2018, após aguardar mais de ano por auditoria requisitada à União, pela via administrativa, o Ministério Público Federal, requereu judicialmente que a União realizasse auditoria na Fundação Napoleão Laureano e obteve liminar favorável. No entanto, somente após reiterados pedidos do MPF para que a decisão liminar fosse cumprida é que a União apresentou o Relatório de Auditoria nº 18.821, confeccionado pelo Denasus, em 2020, após o órgão auditor verificar a real situação e o funcionamento dos equipamentos adquiridos por meio de emendas parlamentares destinadas ao Hospital Napoleão Laureano. Da análise do relatório, “saltam aos olhos as irregularidades quanto à integral ausência de fiscalização por parte dos órgãos públicos em relação à aplicação dos recursos públicos destinados à entidade filantrópica”, registram os MPs.
Dentre as diversas irregularidades constatadas pelo Denasus, estão a inexistência de formalização do processo de contratualização na prestação das ações e serviços de saúde com a Fundação Napoleão Laureano; ausência de instrumentos formais de contratualização da prestação de ações e serviços de saúde em oncologia com a fundação; ausência de plano anual de saúde, relatório de gestão, programação anual de saúde, mapa e resoluções, de documento que indique a necessidade da complementação das ações e serviços de saúde para ampliação e garantia do acesso à sociedade, contratualizados com a Fundação Napoleão Laureano; e inexistência de fiscal especialmente designado para acompanhar e fiscalizar a execução do convênio com o governo federal.
Desperdício de equipamentos – Em relatório complementar apresentado ao Ministério Público Federal, o Denasus apontou, ainda, outras irregularidades graves. Inspeção realizada no hospital, em outubro de 2020, pelos auditores do Departamento Nacional de Auditoria do SUS, revelou que os equipamentos adquiridos para a nova ala de quimioterapia do Hospital Napoleão Laureano ainda não tinham sido instalados e se encontravam encaixotados em um depósito na área externa do hospital. Apesar de inaugurada em 14 de agosto de 2020, os auditores constataram que a nova ala de quimioterapia ainda não estava funcionando.
Conforme o relatório do Denasus, entre os bens armazenados no depósito estão: cadeiras secretárias; mesas para impressoras; mesas compostas; capela de segurança biológica; biombos; mesas auxiliares; camas hospitalares; macas fixas; poltronas hospitalares; escadinhas; balanças antropométricas; lixeiras inox; negatoscópio e aparelhos de ar-condicionado.
Os equipamentos foram adquiridos há mais de quatro anos, com verbas federais, na ordem de R$ 300 mil, obtidas por meio do Convênio nº 813088/2014 e “de acordo com a gestão [do hospital] não há prazo estabelecido para colocá-los em funcionamento”, relatou a equipe do Denasus, pontuando que tais fatos configuram “potencial prejuízo ao erário pela não utilização dos equipamentos”. Os auditores ouviram da direção da unidade hospitalar que seria necessário “aguardar a transferência da estrutura física do antigo setor de quimioterapia para a nova ala, com mudança e instalação de todos os equipamentos, adaptações e recursos humanos necessários, de forma gradual, para que não haja qualquer prejuízo na assistência dos pacientes”.
Equipamento sem uso – O Denasus também localizou em uma sala “tipo depósito”, uma máquina Aférese, destinada à realização de plasmaférese (procedimento que filtra o sangue, retirando do plasma as substâncias que estão causando a doença e devolvendo ao organismo o plasma livre dessas substâncias). No momento da inspeção, o equipamento estava desligado e armazenado em uma sala do setor de UTI adulto. Adquirido pelo Hospital Napoleão Laureano, em 2013, o aparelho custou R$ 89.800,00 aos cofres públicos, mas nunca foi colocado em funcionamento para assistência dos pacientes em tratamento oncológico, apesar de se encontrar “em bom estado físico e com seu software processando plenamente sem apresentar falhas”, conforme laudo do hospital apresentado aos auditores federais. (Imagem do relatório do Denasus)
Equipamentos públicos de uso privado – Outra grave irregularidade detectada pelo Denasus diz respeito ao uso dos equipamentos Gama Câmara (Convênio n° 835117/2016, no valor de R$ 1.547.329,00) e Pet CT (Convênio n° 862771/2017, no valor de R$ 5.200.000,00), os quais se encontram no Centro de Diagnóstico por Imagem do hospital e estão em funcionamento desde agosto de 2020. Ocorre que, apesar de terem sido adquiridos pela Fundação Napoleão Laureano com recursos públicos federais, obtidos por meio de emendas parlamentares, os auditores federais verificaram que os pacientes dependentes da rede pública não estão realizando exames nesses equipamentos e não estão sendo beneficiados. O motivo é que, até a elaboração do relatório do Denasus, em dezembro de 2020, não tinha sido feita a inclusão desses serviços em âmbito ambulatorial no convênio entre a Fundação Napoleão Laureano e a Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa, para o atendimento aos usuários do SUS. (Imagem do relatório do Denasus)
Dessa forma, os equipamentos, que juntos custaram aos cofres públicos mais de R$ 6 milhões, funcionam para o atendimento de pacientes da rede privada e particular. Para o SUS, funcionam apenas para quem está internado no hospital. Os auditores verificaram que, de agosto a outubro de 2020, foram realizados no Gama Câmara 64 exames, (56 particulares, 6 SUS/internação e 2 na rede privada). Já no Pet CT, foram realizados 23 exames no mesmo período, de agosto a outubro, sendo 22 particulares e 1 para rede privada.(Imagem do relatório do Denasus)
O Denasus destacou que o HNL é quem avalia a necessidade de ofertar/ampliar o rol de serviços prestados aos pacientes em tratamento oncológico, em contraposição com a análise da existência ou não da oferta do serviço pelo SUS. “Desse modo, não há garantia por parte dos entes federados, seja municipal e/ou estadual da contratualização dos novos serviços ofertados”, concluíram os auditores.
Risco de total insolvência e liquidação – Na petição à Justiça Federal pela destituição da atual diretoria da FNL, o Ministério Público Federal e o Ministério Público da Paraíba alertaram para o risco concreto de prejuízo total e desperdício integral do que já foi investido com verbas públicas no Hospital Napoleão Laureano, caso o atual corpo dirigente (diretoria e conselho deliberativo) da fundação seja mantido, pois “é evidente que a insolvência e eventual liquidação da entidade implica repercussões diretas sobre os interesses da União, em razão dos vultosos repasses de recursos públicos federais à instituição”. Os órgãos ministeriais ainda reforçaram que, “diante do preocupante cenário de insolvência e eventual liquidação da entidade, é imperativo que a União assuma o seu papel de fiscalizar a fiel aplicação das verbas advindas de seus cofres, conforme determina o artigo 33, §4º, da Lei n° 8.080/902”.
“Afinal”, argumentaram, “caso se repitam situações de colapso da rede oncológica local, pela insolvência da fundação promovida, deverá a União arcar com custos de atendimento a pacientes, em razão da sua responsabilidade solidária geral pelos serviços do Sistema Único de Saúde (artigo 196 da CF/88) e responsabilidade específica, no caso da atenção oncológica, inclusive pela negligência no monitoramento e fiscalização que lhe cabem como ente financiador e supervisor”.
Em decisão liminar, proferida em dezembro de 2020, a juíza da 2ª Vara Federal, Wanessa Figueiredo dos Santos Lima, registrou que “a União deve avaliar a conveniência de continuar investindo esses valores no hospital, já que, se o serviço de saúde não for prestado, ela irá responder diretamente por isso”. Decisão no mesmo sentido também já foi proferida em outro processo (0812231-24.2019.4.05.8200) que tramita na 3ª Vara da Justiça Federal, responsabilizando o município de João Pessoa pela aquisição de medicamentos não fornecidos pelo Hospital Napoleão Laureano, os quais devem ter o seu custo ressarcido pela União. No processo da 2ª Vara, a juíza ainda prescreveu que o município de João Pessoa também deve avaliar a conveniência da manutenção do contrato com a fundação.
O Ministério Público Federal, inclusive, já requereu na Ação Civil Pública nº 0812231-24.2019.4.05.8200, que está na 3ª Vara Federal, a ampliação da rede pública de atendimento em oncologia no estado para acolher pacientes paraibanos, “de modo que não fiquem à mercê de entidade privada cuja gestão inadequada prejudica atendimentos de clientela vulnerável”.
Ação Civil Pública nº 0810457-22.2020.4.04.8200
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