Direitos do Cidadão
6 de Julho de 2021 às 10h40
Em Uberlândia (MG), MPF vai à Justiça para garantir realocação de escola da zona rural afetada por obra em rodovia
Obras no entroncamento da BR-365 com BR-153, no Triângulo Mineiro, pretendem demolir escola municipal que funciona no local há mais de 50 anos, o que obrigaria mais de 100 alunos a viajarem diariamente por mais de uma hora para as aulas na zona urbana
Fonte: Imagens 2021 CNES/Airbus, Maxar Technologies, Dados do mapa 2021 – Foto escola: ECOVIAS S.A.
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública contra a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a concessionária Ecovias do Cerrado (Ecovias) e o Município de Monte Alegre de Minas (MG), para que a Escola Municipal Nicanor Parreira, situada no entroncamento da rodovia BR-365/MG com a rodovia BR-153/MG (“Trevão”), seja realocada em um novo imóvel dentro de um raio de até cinco quilômetros do local atual.
A EM Nicanor Parreira, instalada no Trevão há mais de 50 anos, funciona no período matutino, com turmas de educação infantil (pré-escola) e ensino fundamental I e II (do 1º ao 9º ano), atendendo, a cada ano, uma média de 90 a 130 alunos da zona rural.
A questão é que ela está localizada justamente numa área que, segundo o contrato de concessão da BR-365, deverá passar por obras de reforma, incluindo a demolição do imóvel que abriga a escola.
Ao tomarem conhecimento do projeto, pais e responsáveis pelos alunos apresentaram um abaixo-assinado pedindo a continuidade da escola no local. Eles sustentam que o fechamento da unidade vai acarretar inúmeros transtornos, pois os estudantes teriam que ser transferidos para escolas situadas na área urbana de Monte Alegre de Minas, o que exigiria longos e demorados deslocamentos, já que todos eles residem na área próxima ao Trevão. Entre ida e retorno à cidade, os alunos levariam mais de uma hora no trajeto, com prejuízos à saúde e segurança dos adolescentes e crianças (muitas delas em tenra idade), que precisariam despertar todos os dias antes das cinco da manhã, resvalando em potencial risco de evasão escolar.
“Não se ignora a importância e necessidade da obra do Trevão para a melhoria da segurança viária no entroncamento das rodovias federais. Mas também não se pode ignorar o direito das crianças e adolescentes à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, conforme lhes asseguram o art. 53, V, do Estatuto da Criança e do Adolescente e a própria Lei de Diretrizes e Bases da educação”, afirma o procurador da República Leonardo Andrade Macedo.
Para o MPF, “deve ser resguardada uma situação consolidada há mais de 50 anos, assegurando-se, por um lado, que mais de 100 crianças e adolescentes que vivem na região do Trevão mantenham o direito de acesso a uma unidade escolar próxima de suas residências, na zona rural, bem como, de outro lado, o interesse do Município de ter reconstruído um equipamento público seu que venha a ser desapropriado e demolido em razão de melhorias viárias realizadas por força de contrato de concessão entre a Ecovias e a ANTT”.
Histórico da obra – A obra do Trevão foi originalmente contratada em 2013 pelo Departamento Nacional de Infraestrutura Rodoviária (DNIT), para alterar a forma de interseção entre a BR-365 e a BR-153, por onde passa intenso fluxo de tráfego. No local, atualmente, há apenas uma rotatória, com elevado risco à segurança viária. No projeto de 2013, estavam previstas, entre outras, a duplicação de alguns trechos e a construção de alças e ramos para ligação entre as rodovias, além da execução de dois viadutos no entroncamento entre elas.
Esse primeiro contrato não previa a remoção imediata das edificações (moradias e escola municipal) que interferiam no traçado. Segundo o projeto, a escola deveria ser, primeiro, realocada em outro terreno na região do Trevão.
Acontece que o contrato foi totalmente paralisado em 2015, e, diante das dificuldades para contratação do remanescente da obra e das restrições orçamentárias e financeiras impostas ao DNIT, o projeto acabou incluído no Contrato de Concessão celebrado em 2019 entre a ANTT e a Ecovias.
No último dia 14 de junho, a concessionária ajuizou ação de desapropriação da área do Trevão necessária à execução das obras, na qual incluiu a demolição da Escola Nicanor Parreira.
Recusa pela ANTT – O Ministério Público Federal vem atuando no caso desde o início de 2020, quando instaurou inquérito civil para apurar a regularidade das obras, ações de conservação e outras intervenções na BR-365, incluindo o conflito relacionado à escola. Foram realizadas diversas reuniões na busca de uma solução consensual para o problema, chegando-se a uma minuta de Termo de Ajustamento de Conduta, com a anuência do Município e da Ecovias, prevendo a construção, pela concessionária, de novas instalações para a escola em outro imóvel no Trevão, no prazo de um ano, e ressarcimento da concessionária na forma prevista no contrato de concessão para situações de desapropriação.
Entretanto, a proposta não foi aceita pela ANTT, sob alegação de que isso implicará necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, o que “irá onerar o usuário da rodovia com uma tarifa de pedágio maior do que aquela originalmente prevista”.
Para o MPF, tal argumento não se sustenta, porque a alternativa de realocação da Escola Municipal Nicanor Parreira, com demolição do edifício na área da obra e reconstrução na nova área disponibilizada, não configura “inclusão, exclusão, alteração e reprogramação de obras e serviços no Programa de Exploração Rodoviária”, mas sim mero ajuste com o credor quanto à forma de pagamento da indenização pela desapropriação do bem.
Leonardo Macedo lembra que o custo estimado pelo Município de Monte Alegre de Minas para a construção de uma nova escola (R$ 2,1 milhões) é irrisório, quando comparado aos investimentos envolvidos na concessão, da ordem de R$ 4,6 bilhões. “De acordo com os estudos realizados, estão previstos investimentos de R$ 2,06 bilhões e custos operacionais estimados de 2,51 bilhões
(conservação, operação e monitoramento), o que totaliza R$ 4,57 bilhões a serem aplicados no sistema viário ao longo dos 30 anos de concessão”, diz.
Direito constitucional – Além da Lei 8.069/1990, que garante à criança e ao adolescente prioridade, entre outros, na formulação e execução das políticas sociais públicas, a ação afirma que é dever do Estado assegurar educação básica obrigatória e gratuita dos quatro aos 17 anos (artigo 208 da Constituição), sendo o acesso ao ensino obrigatório e gratuito um direito público subjetivo, cuja oferta irregular pelo Poder Público importa responsabilidade da autoridade competente.
Nesse sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional (LDB) estabelece que “o dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: (…) X – vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade”.
De acordo com o MPF, “Essa garantia de proximidade da escola da residência da criança visa, por óbvio, ‘estimular a frequência regular às escolas e a redução do índice de evasão escolar’, tal como
preconizado na Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto n. 99.710/1990, art. 28, 1, ‘e’), tratado internacional de hierarquia supralegal” e que, “Particularmente em relação às escolas situadas na zona rural, a LDB também prevê que ‘o fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas será precedido de manifestação do órgão normativo do respectivo sistema de ensino, que considerará a justificativa apresentada pela Secretaria de Educação, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação da comunidade escolar’.”
“No caso, temos visto a preponderância apenas dos aspectos econômicos relacionados às rodovias e ao contrato de concessão. A ANTT vem ignorando totalmente os impactos decorrentes da negativa dos direitos das crianças e adolescentes que ali vivem”, afirma o procurador.
Ele ainda destaca outro fator importante: embora bens públicos, como a Escola Municipal Nicanor Parreira, possam ser desapropriados por interesse público, aplica-se também a eles a regra constitucional de assegurar ao expropriado (no caso, o Município de Monte Alegre de Minas) o recebimento de justa e prévia indenização em dinheiro. “No caso, nada impede que o Município, ao invés do recebimento em espécie, aceite o pagamento da indenização in natura, com a construção de novas instalações para o equipamento público desapropriado”, conclui.
Pedidos – A ação pede que a Justiça Federal profira decisão impedindo os réus de autorizar, promover ou realizar a demolição das atuais edificações da Escola Municipal Nicanor Parreira antes de concluída a construção de nova escola e asseguradas as condições para o pleno funcionamento das novas instalações.
Outro pedido é o de que a Ecovias promova a realocação da Escola Municipal Nicanor Parreira, com a construção de novas instalações nos moldes de projeto elaborado pela Prefeitura Municipal. A unidade deverá situar-se na região do Trevão, em imóvel situado no raio de até cinco quilômetros da localização atual e escolhido de comum acordo com o Município de Monte Alegre de Minas.
A Justiça Federal designou audiência de conciliação para o próximo dia 27 de julho, às 15h30min.
Clique aqui para ter acesso à inicial da ação.
(ACP nº 1008199-31.2021.4.01.3803 – PJe)
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