A Escola Municipal Alegria de Saber, no município de Rio Preto da Eva, a 80 quilômetros de Manaus, foi palco de histórias emocionantes e de um verdadeiro resgate de cidadania no último dia 26 de setembro. Promovida pela Corregedoria-Geral de Justiça (CGJ/AM) e pelo Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), em parceria com diversos órgãos, a Campanha de Registro Civil e Cidadania trouxe esperança e dignidade para a população mais vulnerável da região. A ação ofereceu gratuitamente serviços como a emissão de certidões de nascimento (1.ª e 2.ª vias), da Carteira de Identidade Nacional (CIN), CPF, além de atendimentos a migrantes e refugiados.
Dentre as muitas histórias que surgiram durante o evento, o caso de três famílias que vivem na zona rural de Rio Preto da Eva chamou a atenção. A investigadora da Polícia Civil Kristiane Eliziário, gerente do Instituto de Identificação do Amazonas Aderson Conceição de Melo (IIACM), destacou a dificuldade enfrentada por parentes que cuidam de crianças cujos pais faleceram ou as abandonaram. “Essas crianças não tinham o termo de guarda ou guarda provisória, documento essencial para emissão de documentos e matrícula em escolas, por exemplo. Estamos trabalhando para regularizar a situação delas”, explicou. O caso, envolvendo quatro menores de idade, foi levado ao conhecimento da Corregedoria e da Defensoria Pública, que iniciou os procedimentos legais para garantir às crianças a regularização da sua documentação.
Outro exemplo foi o de uma pessoa com deficiência, usuária de cadeira de rodas, que não conseguiu a 2.ª via da certidão de nascimento devido a um incêndio no cartório onde foi registrada. A Defensoria Pública foi acionada para auxiliar na restauração do documento.
Adultos com mais de 50 anos
Pessoas com mais de 50 anos formaram boa parte dos atendimentos na campanha. A maioria delas vive em comunidades afastadas e enfrenta contratempos para conseguir a documentação. Os atendentes da campanha verificaram que muitos possuíam certidões de nascimento deterioradas, o que dificulta a obtenção de novos documentos, como a Carteira de Identidade Nacional (CIN) e o CPF, e o acesso a direitos básicos, como a aposentadoria. “Muitos não sabem a quem recorrer quando precisam resolver suas pendências documentais”, contou João Sampaio Sobrinho, assistente judiciário que atuou na campanha.
“Pode parecer um pequeno problema para quem tem acesso fácil aos órgãos que emitem esses documentos, mas para aquele cidadão que vivencia essa situação, especialmente por falta de orientação, não possuir um registro civil é um transtorno enorme, pois lhe impossibilita atos simples da vida civil, como a obtenção de benefícios sociais, de medicamentos, saúde e até mesmo Justiça. É neste contexto que a Defensoria Pública se insere junto com os demais parceiros para mudar a realidade dessas pessoas”, concluiu o defensor público Danilo Germano.
Outros países
O juiz-corregedor Rafael Cró, coordenador da Campanha de Registro Civil e Cidadania em Rio Preto da Eva, lembrou de um caso de uma criança de dois anos, nascida na Argentina, cujos pais, brasileiros, buscavam regularizar a documentação do filho. “Esse é apenas um dos muitos casos que mostram a importância dessa campanha para famílias de várias partes do Brasil e até de outros países”, ressaltou. Ele também destacou que, aproximadamente, 40% dos atendimentos realizados foram de pessoas oriundas do estado vizinho, o Pará.
“A Campanha de Registro Civil e Cidadania em Rio Preto da Eva não apenas solucionou problemas imediatos, mas também orientou a população sobre seus direitos, plantando as sementes para uma cidadania plena e digna”, comentou o juiz Rafael Cró.
Os venezuelanos foram a maior parte dos atendimentos de regularização migratória, realizados pela Polícia Federal em Rio Preto da Eva. “A população venezuelana tem sido a maior demandante, em razão das questões político-econômicas de seu país. Outros grupos, como colombianos e peruanos, também foram atendidos, buscando, em sua maioria, o documento de residência ou refúgio no Brasil”, explicou o delegado Ricardo Raposo, chefe da Delegacia de Migração da Polícia Federal no Amazonas.
Ministério Público
Para o promotor de Justiça Christian Anderson Ferreira da Gama, a Campanha de Registro Civil foi crucial para tirar milhares de pessoas da “invisibilidade”. “O Ministério Público se sente muito feliz em participar dessa ação que garante o acesso à documentação básica e, consequentemente, aos direitos civis e sociais dos cidadãos”, comentou o promotor, elogiando a Corregedoria e o TJAM pela iniciativa. Ele ressaltou ainda que essa ação, além de atender diretamente à população, também gera dados estatísticos que podem orientar políticas públicas em benefício de populações vulneráveis.
A equipe do MPE aproveitou a campanha para fazer uma pesquisa, com nove perguntas ao público, com a finalidade de identificar as principais dificuldades enfrentadas pela população no processo de retirada de documentos. Eles também distribuíram uma cartilha com orientações sobre prevenção e combate à violência contra a mulher, da Ouvidoria da Mulher do MPE e Casos Sensíveis. A cartilha apresenta os tipos de violência contra a mulher, formas de prevenção, canais especializados de atendimento às vítimas, dentre outras informações.
O grande objetivo é que a mulher, ao ler o conteúdo, aprenda a identificar se está vivenciando algum dos tipos de violência e sinta que possa buscar ajuda.
Uma das páginas da cartilha aborda o “violentômetro”, com dicas de comportamentos e práticas que demonstram o grau de violência. O “violentômetro” começa abordando situações como: fazer piadas ofensivas, chantagear, ciúmes, culpar o companheiro ou a companheira deliberadamente por algum problema, desqualificar, ridicularizar ou ofender e humilhar em público. Para todas essas situações o “violentômetro” indica que a mulher precisa ter cuidado e que a violência tende a aumentar.
Na sequência, vêm as intimidações, os controles e as proibições, as destruições de bens pessoais, a violência física, incluindo empurrões, tapas, pancadas e arranhões. Para esta fase, o “violentômetro” orienta a mulher que ela não deve se destruir e precisa reagir, sair desse ciclo de violência.
O terceiro momento, o mais grave, é quando as violências físicas são mais severas e intensas, têm as ameaças de morte, os abusos sexuais e outros tipos, as mutilações, os confinamentos e até a morte. Depois disso, a cartilha mostra como a mulher pode denunciar, o que ocorre após a denúncia e todos os contatos para que possa procurar e assegurar sua integridade física e mental.