Webinar organizado pelo MPF traz reflexão sobre perder entes queridos e se reconstruir em meio à pandemia; vídeo homenageou colegas que faleceram
“Para isso fomos feitos: para lembrar e ser lembrados”. A frase do poema de Vinícius de Moraes, citada pelo procurador da República Stanley Valeriano (PR/RJ) no evento Luto Pandemia: Aprendendo a Lidar com as Perdas, revela a importância de se falar sobre o luto que tantas famílias vivem hoje, com mais de 400 mil mortes por covid-19 no Brasil. O webinar, realizado na última quinta-feira (29), buscou trazer luz, reflexão e acolhimento para essa dor, que envolve tanto a perda de entes queridos quanto a perda do convívio social, dos hábitos e da vida anterior à pandemia. O evento foi organizado pelos setores de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) das unidades do Ministério Público Federal (MPF) na região Sul do país e no Rio de Janeiro.
Com mediação do médico Roberto Alvarez (PRR4), o evento contou com a participação do procurador da República Stanley Valeriano (RJ), do médico intensivista Cristiano Franke, da jornalista Larissa Roso e da psicóloga especializada em luto e autora do livro A Quem Confiar Minha Tristeza, Ivania Jann Luna. O encontro virtual reuniu ao vivo cerca de 400 espectadores e a conversa foi intercalada por vídeos de servidores, estagiários e terceirizados do MPF e seus familiares, que relataram como estão lidando com a perda de entes queridos.
Logo no início do webinar, o mediador Roberto Alvarez falou sobre a perda de seu pai: “Quando meu pai faleceu de covid em março de 2021, eu tive uma resposta que me surpreendeu. […] E me surpreendi com o sentimento de uma certa raiva, uma certa indignidade da maneira como tudo aconteceu, pensar que essas pessoas mereciam mais, que de uma outra forma isso não teria acontecido”, contou.
Perder um ente querido é sempre difícil, mas com o novo coronavírus é diferente porque não é possível nem mesmo se despedir. Em um vídeo depoimento, Cleverson Martins (PR/SC) também deu seu relato: “Eu perdi meus parentes, perdi amigos, e entre meus parentes estava meu pai. […] Eu procurei alertar as pessoas para se cuidarem porque uma coisa é você ver na televisão, nos jornais, que estão morrendo, mas passar por isso é muito pior. O luto pra mim ainda está forte, as pessoas que querem te dar apoio também estão sofrendo e fazer esse trabalho de consolar e confortar é difícil, não podemos nos reunir pessoalmente porque também tenho medo de contaminar as pessoas e mais alguém querido ir embora.”
O procurador Stanley Valeriano compartilhou a história do falecimento dos seus pais. Em julho de 2020, seis dias após a morte de seu pai por covid-19, sua mãe também se foi pela doença. Com a música Canção Para Você Viver Mais, do Pato Fu, Stanley mostrou um vídeo com a história de seus pais e comoveu com a sinceridade e franqueza de suas falas sobre essa situação. “Quando você se despede, parece não ser uma despedida de fato porque você não viu um corpo, você não passou por aquele processo de ver, de receber os abraços, de estar com as pessoas naquele momento difícil de dor”, relatou.
A conversa incluiu também a jornalista Larissa Roso, que desde janeiro de 2020 está com o projeto Diário do Front no qual reúne relatos anônimos de profissionais da linha de frente no combate à covid-19. Seu projeto foi essencial para que as pessoas soubessem a realidade dos médicos que estão trabalhando na área mais complexa da pandemia. Além do impacto social, o peso psicológico da situação é intenso e poucas pessoas falam a respeito. “As pessoas [da linha de frente] tinham muito para falar, seja médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, fisioterapeuta, psicólogo. Eles queriam desabafar porque era tão horrível o que eles estavam vendo, tão inédito e em uma quantidade tão absurda, que eles queriam falar sim o que estava acontecendo”, ela conta.
O relato de Cristiano Franke, médico de UTI em Porto Alegre, mostrou a visão de quem está lidando com a morte todos os dias. Ele revelou que muitos profissionais estão deixando a área por problemas psicológicos, pessoas que sempre trabalharam com isso, mas não têm mais condições de continuar. “Muita gente não aguenta mais e está saindo por vários motivos. É uma preocupação nossa como vai ser isso daqui a alguns meses porque são profissionais que tiveram anos nessa formação, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos de enfermagem e que não têm mais condições de continuar no trabalho”. E acrescenta: “A gente está acostumado com isso há muito tempo, mas infelizmente este momento trouxe uma carga que eu nunca imaginei que ia ver de tanta perda, tanta dor e tanto sofrimento. Isso tem nos abalado muito”. O médico também leu relatos de familiares que agradeceram o cuidado e a delicadeza com que seus parentes foram atendidos.
A psicóloga especializada em luto, Ivania Jann Luna, também falou sobre como funciona o processo do luto e todas as suas etapas, e ressaltou como é importante para o enlutado a conversa, falar sobre o que ele está passando, sem serem julgados por isso. “A segunda onda para mim não era da pandemia, a segunda onda era ver o rosto dos enlutados”, disse Ivania. Ela ainda acrescentou que todas as pessoas, perdendo entes próximos para a covid-19 ou não, tiveram impacto em suas vidas na pandemia. Seja por não poder ter contato com familiares e amigos, ou até mesmo pela cerimônia de passagem ser diferente, ou nem poder ser feita.
Homenagem aos servidores e colaboradores falecidos – Ao final do webinar, foi exibido um vídeo especial em homenagem aos colaboradores do MPF que faleceram em decorrência da covid-19.
Você pode assistir ao vídeo aqui.
O webinar completo está no canal do Programa Bem Viver no YouTube