Indígenas
5 de Maio de 2021 às 18h5
MPF requisita abertura de inquérito à PF por suspeita de que madeireiros teriam invadido sindicato no Pará
Ato de violência pode ser coação no curso de processo judicial, crime cuja pena pode chegar a 4 anos de reclusão
Arte: Ascom/MPF
O Ministério Público Federal (MPF) requisitou à Polícia Federal (PF) a abertura de inquérito para apuração de relatos de que na segunda-feira (3) madeireiros teriam invadido a sede do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Santarém, no oeste do Pará. A requisição do MPF à PF foi feita ainda na segunda-feira.
A invasão, segundo os relatos, teve o objetivo de coagir os autores da ação em que foi deferida decisão que suspendeu plano de manejo florestal em Reserva Extrativista (Resex) do município.
A requisição do MPF à PF considerou que a conduta, se confirmada, pode ser enquadrada no delito previsto no artigo 344 do Código Penal, que estabelece pena de 1 a 4 anos de reclusão para o crime de coação no curso do processo.
Saiba mais – Em 2020 o STTR e Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (Cita) ajuizaram ação que pede à Justiça a anulação de plano de manejo florestal na Resex Tapajós-Arapiuns, feito sem consulta prévia, livre e informada aos comunitários. A ação também pede que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) seja impedido de autorizar novos planos sem consulta prévia, livre e informada
No último dia 29, o desembargador federal Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília (DF), deferiu integralmente o pedido urgente feito pelo STTE e pelo Cita.
“(…) por conseguinte, determino a suspensão dos efeitos da Portaria 223/2019/ICMBio, que aprovou, sem a indispensável consulta prévia, livre e informada das comunidades tradicionais e povos indígenas ocupantes da área descrita nos autos (Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns), o Plano de Manejo Florestal Comunitário da Cooperação Mista Agroextrativista do Rio Inambú (Cooprunã) e a tramitação de um segundo Plano de Manejo, tendo como interessada a Cooperativa Mista Agroextrativista do Rio Maró (Coopemaró), sobrestando-se, por conseguinte, a realização de procedimentos para autorização de Plano de Manejo Florestal Comunitário pela Coopemaró e outras cooperativas, restando insubsistentes aqueles eventualmente já realizados, até o pronunciamento definitivo da Turma julgadora”, determinou.
No processo, o MPF emitiu parecer favorável à ação. Segundo o procurador da República Gustavo Kenner Alcântara, é ilegal a alegação do ICMBio de que reuniões de conselhos e associações sejam consulta prévia. O fato de o ICMBio defender isso é, na verdade, confissão de que a consulta não foi realizada, apontou o MPF.
Instrumento adequado – Prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2002, a consulta prévia, livre e informada não pode ser confundida com a participação via conselhos, associações e audiências públicas, frisa o MPF no parecer. “A consulta prévia foi concebida como alternativa a estes instrumentos de participação, que historicamente não garantiram participação direta, efetiva e culturalmente adequada aos povos indígenas e comunidades tradicionais”, destacou o MPF.
O direito à consulta prévia é dos povos indígenas e das comunidades quilombolas e povos de comunidades tradicionais, enquanto que um conselho deliberativo de Resex é composto por diversos atores estatais e privados, cuja maioria não tem qualquer vínculo com a organização sociopolítica dos povos indígenas e comunidades tradicionais, registrou o MPF. “A composição dos conselhos deliberativos não é nem mesmo paritária, entre representantes das comunidades e de outros setores do Estado e da sociedade”, ressaltou o procurador da República no documento.
O MPF também acrescentou que os conselhos deliberativos – assim como os conselhos comunitários ou consultivos – são instrumentos de gestão das Unidades de Conservação, tendo por objetivo deliberar administrativamente sobre os mais diversos temas de interesse da área. Já a consulta prévia tem como tema medidas administrativas específicas (ou legislativas) que afetem potencialmente povos indígenas e tradicionais, e tem por finalidade inseri-los diretamente no processo decisório acerca dessas medidas.
Caráter culturalmente apropriado – É no caráter culturalmente apropriado que reside a principal singularidade do direito à consulta prévia, detalhou o MPF no parecer. Ser culturalmente apropriada significa que a consulta deve respeitar os métodos tradicionais de tomada de decisão do grupo consultado, sua temporalidade, sua organização política, entre outros aspectos socioculturais.
“A consulta busca superar formas participativas em que o Estado exige aos povos indígenas e tradicionais a indicação de um representante ou uma associação legalmente constituída, a fim de centralizar a participação nestas estruturas, o que refoge absolutamente à organização sociopolítica dos grupos étnicos, bem como aos seus métodos tradicionais de tomada coletiva de decisão”, salientou o parecer.
A Convenção 169 esclarece que a consulta deve ser realizada “mediante procedimentos apropriados” e “segundo as instituições representativas do povo indígena ou tribal”. Segundo descreveu o MPF, a consulta é realizada no território e dirige-se ao povo como um todo, contemplando os mais diversos segmentos. Tem caráter coletivo e a deliberação é realizada de acordo com os métodos nativos de tomada de decisão.
“Portanto, trata-se de absoluto equívoco jurídico afirmar que a anuência associativa ou a discussão no âmbito de conselhos administrativos configuraria realização do direito à consulta prévia, mesmo porque este instituto foi concebido como contraponto às formas individualizadas e burocráticas de participação dos grupos étnicos que prevaleciam até então, e que não raro resultavam em centralização, cooptação e conflitos internos”, concluiu o MPF.
Processo 1014278-86.2021.4.01.0000 – 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília (DF)
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