Suspeito de ter participado de ações para fraudar licitações de compra de testes rápidos para covid-19 ao Ministério da Saúde no valor de R$ 1 bilhão, assim como no envolvimento em episódios de tentativas de venda de vacina ao órgão — 20 milhões de doses da Covaxin, pela Precisa Medicamentos, e 400 milhões de doses de AstraZeneca, pela Davati — o empresário José Ricardo Santana foi ouvido pela CPI nesta quinta-feira (26), quando passou à condição de investigado.
Munido de habeas corpus, Santana, que teve a quebra de seus sigilos aprovada na comissão, abriu mão de sua apresentação inicial e negou-se a prestar o compromisso de dizer a verdade. Ex-secretário-executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão interministerial cuja secretaria-executiva cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ele deixou o cargo em março de 2020.
O depoente disse que na sequência foi convidado por Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, para integrar a pasta, onde trabalhou por curto período, sem salário. Para Santana, sua nomeação não foi efetivada pela “rotatividade de ministros”, mas a CPI obteve mensagem em que o empresário diz, em 10 de junho, que “lhe foi exigido sair do ministério”.
Santana acompanhou Dias no restaurante Vasto, em Brasília, no dia 25 de fevereiro, quando, segundo o representante da Davati, Luiz Paulo Dominguetti, o ex-diretor do MS pediu US$ 1 de propina sobre cada dose a ser comercializada.
Sobre a reunião, Santana disse que estava em um encontro social, quando chegaram ao restaurante Dominguetti e o coronel Marcelo Blanco, ex-diretor-substituto de Logística do ministério. Ele disse não se lembrar dos pontos tratados e que não presenciou nenhum pedido de vantagem indevida.
— Nessa reunião, em que foram oferecer 400 milhões de doses de vacina AstraZeneca, ele (Santana) já estava lá. Ele sai da Anvisa e o Roberto Dias diz: “vem para cá que, mesmo sem salário, é mais negócio aqui” — afirmou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).
A opinião foi ratificada pelo senador governista Jorginho Mello (PL-SC).
— Nunca vi alguém sair de um emprego como o da Anvisa para ir trabalhar de graça no governo. Se instalou uma quadrilha para saquear o Estado brasileiro. Isso é uma afronta. Ainda bem que não conseguiram.
Para a senadora Simone Tebet (MDB-MS), tudo “isso só confirma o quanto o presidente [ Jair Bolsonaro] era incompetente para nomear no Ministério da Saúde”.
— Colocar um general [Pazuello], sem preparo, em plena pandemia no ministério e aí vem toda a escala decrescente de poder.
A pedido do presidente da CPI, os senadores aprovaram requerimento para saber dias, horários e em que locais Santana esteve no Ministério da Saúde. Também foi encaminhado pela comissão pedido de esclarecimentos do governo sobre prejuízos com ações frustradas para trazer ao Brasil vacinas da Índia.
Relação com a Precisa
Apontado pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) como intermediador da Precisa Medicamentos, o depoente negou ter sido contratado por ela, mas disse conhecer o proprietário da empresa, Francisco Maximiano, e o diretor Danilo Trento.
Renan acusou o depoente de ter trabalhado para favorecer a Precisa Medicamentos em contrato de mais de R$ 1 bilhão na comercialização de testes para covid-19.
— Eles até organizaram um passo a passo de como Roberto Dias iria favorecer a Precisa em venda de testes — expôs o relator, que também apontou ilicitudes nos casos de venda de testes no Mato Grosso e no Distrito Federal, onde foi deflagrada a Operação Falso Negativo (que apontou irregularidades nos contratos feitos com a Precisa).
Apesar de Santana se negar a responder sobre viagem paga pela empresa para a Índia, o relator leu seu nome em lista de pessoas (entre eles Maximiano) que viajaram àquele país para tratar da comercialização da vacina Covaxin, da empresa indiana Bharat Biotech.
A Precisa intermediou contrato de venda de 20 milhões de doses ao Ministério da Saúde, formalizado em 25 de fevereiro de 2021.
— Estamos descobrindo que os negócios da Precisa no governo Bolsolnaro foram muito além de testes — afirmou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Nise Yamaguchi
Renan Calheiros (MDB-AL) solicitou a reprodução de áudio de mensagem enviada — em 14 de junho de 2020 — por Santana ao advogado Marconny Albernaz de Faria — lobista, citado em suspeitas de irregularidades na negociação de vacinas, como a Covaxin, segundo o relator.
No áudio, Santana expõe plano de força-tarefa, que seria realizado em 14 dias pela médica Nise Yamaguchi (defensora da hidroxicloroquina, ouvida pela CPI em 1º de junho), com o intuito de apresentar “comunicação para apresentação resultados do governo com nova abordagem, trabalho de prevenção para todo o país e medidas para a retomada econômica, do ponto de vista clínico”.
Ele disse ainda em mensagem a Marconny — a quem conheceu na casa da advogada do presidente Bolsonaro, Karina Kufa — que o país não estaria testando a população para detecção da covid-19. “Estamos praticamente um mês com o processo de compra parado” e que o plano seria apresentado a Bolsonaro.
— O plano continha sobretudo a tentativa do depoente e da senhora Nise Yamaguchi de venderem testes rápidos de covid para o Ministério da Saúde (…) ele intermediava a venda de produtos ao Ministério da Saúde pela Precisa — alertou o relator.
Santana respondeu que se tratava de testagem, não comercialização, e que a médica apenas o procurou para pedir aconselhamentos na execução do plano, o que teria sido feito durante toda uma noite.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)