Criminal
30 de Abril de 2021 às 18h55
PGR pede repercussão geral para questionar diferenciação regional dos requisitos do crime de trabalho escravo
Para Augusto Aras, tema é de interesse social e impacta na efetividade da proteção ao trabalho livre e digno, o que justifica inserção
Foto: João Américo/Secom/MPF
O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu, em memorial enviado nesta sexta-feira (29) aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que a Corte Suprema reconheça a repercussão geral de recurso extraordinário que discute a tipificação do crime de redução à condição análoga à de escravo, previsto no artigo 149 do Código Penal, e os requisitos necessários para comprová-lo. O assunto é tratado no Recurso Extraordinário 1.323.708/PA, de autoria do MPF, contra decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Segundo Aras, o tema tem grande relevância social e aparece em diversos processos. Por isso, o PGR defende que o recurso extraordinário seja pautado imediatamente no Plenário Virtual do STF, para decisão sobre o tratamento da matéria na sistemática de repercussão geral.
O caso é relativo à decisão do TRF1 em processo contra três réus, acusados de aliciamento de trabalhadores e de redução de pessoas à condição análoga à de escravo. Apenas um deles foi condenado em primeira instância, mas a decisão foi reformada pelo tribunal, que decidiu pela absolvição. O TRF1 considerou que condições como alojamentos precários, situações adversas de moradia, falta de instalações sanitárias e de água potável, consumo e uso de água de rio, ausência de proteção pessoal e endividamento dos trabalhadores não seriam degradantes o suficiente para comprovar o crime de redução à condição análoga à de escravo, e sim situações típicas da realidade brasileira no interior. O MPF recorreu ao Supremo em abril deste ano e, agora, pede repercussão geral para a matéria.
No memorial, Aras lembra que a redução de trabalhadores à condição análoga à de escravo viola os princípios fundamentais da dignidade humana, da liberdade do trabalho e da redução das desigualdades regionais, previstos na Constituição. Segundo ele, as condições de afronta à dignidade em que muitas vezes são encontrados os trabalhadores rurais vão além de uma mera realidade local. “São caracterizadoras do tipo, que expressamente reconhece como trabalho escravo aquele exercido em condições degradantes, com o fim de elevar o patamar de proteção de direitos ao mínimo compatível com o reconhecimento como pessoa”, explica o PGR.
Para Aras, ampliar a tolerância a situações degradantes é inconstitucional e viola os compromissos assumidos pelo país em tratados internacionais. Ele lembra ainda que o Brasil já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a incrementar o combate à escravidão contemporânea, no caso dos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde. “Decisões que, mesmo reconhecendo as condições inadequadas e degradantes a que submetidos os trabalhadores rurais, deixem de imputar aos responsáveis as consequências jurídicas determinadas pelo Código Penal e pela Constituição Federal, indo de encontro à dignidade das pessoas e à liberdade de trabalho, hão de ser reformadas”, sustenta.
O memorial cita dados levantados pela Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostrando que, entre 2008 e 2019, foram denunciados 2.625 réus pelo crime de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal), mas apenas 111 foram condenados em definitivo pela Justiça. O número corresponde a apenas 4,2% de todos os acusados. Desse total, somente 27 condenados não puderam substituir as penas por sanções restritivas de direitos; “ou seja, apenas 1% dos réus estariam sujeitos a ser presos, se não alcançados pela prescrição da pretensão executória, que é a hipótese mais comum”, afirma, citando o estudo, o PGR, .
Os dados sinalizam um quadro de proteção deficiente ao direito fundamental ao trabalho livre e digno. Sendo assim, “revela-se importante que a Suprema Corte se pronuncie acerca dos parâmetros constitucionais de interpretação dos dispositivos incidentes na matéria, a fim de alcançar-se a efetiva proteção dos direitos fundamentais e humanos atingidos pelo trabalho escravo”, conclui o procurador-geral.
Íntegra do memorial no RE 1323708
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