Direitos do Cidadão
30 de Agosto de 2021 às 17h20
Comunicação inclusiva e não-sexista foi tema de conversa promovida pelo MPF
Nova edição virtual do projeto Lugar(es) de Fala ocorreu na última sexta-feira (27), com transmissão ao vivo pelo YouTube
Imagem: reprodução
O Ministério Público Federal (MPF) realizou, na última sexta-feira (27), mais uma edição do projeto Lugar(es) de Fala, desta vez para debater o tema Comunicação Inclusiva e Não-Sexista. O evento foi transmitido ao vivo pelo YouTube, e contou com a participação de Telia Negrão, Rodrigo Borba, Antônio Jeferson Barreto Xavier, Michel Kleinschmidt e Gabz 404. A iniciativa, promovida pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC/RS) e pelo Comitê de Gênero e Raça da Procuradoria da República no RS (PR/RS), também estava integrada à campanha Eu Sou Respeito.
A mediação da conversa ficou a cargo das servidoras do MPF e integrantes do Comitê de Gênero e Raça, Lisane Berlato e Luíza Frozzi. O procurador regional dos Direitos do Cidadão Enrico Rodrigues de Freitas e a procuradora da República e coordenadora do Comitê de Gênero e Raça, Suzete Bragagnolo, fizeram a abertura do evento, que contou com o auxílio das intérpretes de libras Regiane Novais e Flavia Novaes.
O PRDC lembrou que a linguagem é um processo dinâmico e em constante transformação, que reflete os tipos de relações existentes em uma sociedade. “Uma sociedade baseada na figura branca, masculina e heterossexual acaba por impor uma linguagem que reflita esse grupo como padrão universal”, destacou Enrico. Segundo ele, a utilização de uma linguagem inclusiva e não-sexista busca romper de forma consciente com esse padrão de comunicação, “estabelecendo novos processos de comunicação e induzindo a própria transformação das relações, buscando uma sociedade livre de preconceitos e de barreiras”.
Nesse mesmo sentido, a procuradora Suzete Bragagnolo salientou que os valores e as formas de ser e de agir influenciam na nossa comunicação, e vice-versa. “É uma via de mão dupla. E como ainda vivemos em uma sociedade bastante discriminatória, é importante irmos refletindo a respeito da comunicação e da linguagem. Mas sempre de uma forma respeitosa, aceitando eventuais entendimentos diversos e sempre abertos ao diálogo”, afirmou.
O professor e atual coordenador do Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada na UFRJ, Rodrigo Borba, lembrou que propostas de intervenção no sistema da língua como forma de mudar a representação de determinados grupos minorizados na sociedade não são novidade, mas ganharam mais fôlego na década de 1970, a partir de críticas feitas por feministas questionando a invisibilização da mulher no nível da representação linguística.
Segundo Borba, apesar de existir no mundo um movimento de institucionalização de formas de linguagem inclusiva, o Brasil parece caminhar no sentido contrário, com diversas propostas de projetos de lei e decretos tentando proibir o uso da chamada linguagem neutra. “Todos esses projetos compartilham de inconsistências conceituais sobre o que é linguagem neutra, e factuais sobre o funcionamento da língua. São, na verdade, projetos políticos para tentar refrear mudanças recentes no que se refere a questões de gênero e sexualidade”, ponderou. O professor acredita que o discurso de proteger a língua portuguesa seria somente uma desculpa para proibir de se falar de gênero e sexualidade em sala de aula ou em outras instituições.
Para a jornalista e cientista política Telia Negrão, a língua é uma das formas mais sutis de se transmitir discriminações, na medida em que funciona como reflexo de valores e de pensamentos da sociedade que a cria e a utiliza. “Nós vivemos em um mundo formatado para designar quem pode exercer o poder de dar nomes às coisas. A linguagem é uma forma de nomear o mundo, e se nomeia o que existe e o que não existe em função de valores e saberes de uma sociedade”, frisou Telia, que também é pesquisadora associada do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a Mulher e Gênero da UFRGS e integra o Coletivo Feminino Plural, da Rede de Saúde das Mulheres Latino Americanas e do Caribe. “Nós temos mais de 200 dialetos falados no Brasil, e aqui, como em boa parte do mundo, não é só a linguagem que está em transformação permanente, alterando os dicionários. É a vida que está mudando, e ela exige que o idioma mude, que a língua mude, como algo vivo”, concluiu.
“Volta e meia eu ouço de quem resiste à linguagem neutra que é muito difícil, que não fomos educados assim”, declarou o professor e pesquisador Antônio Jeferson Barreto Xavier. De acordo com ele, a alfabetização, em geral, é um processo difícil, e o uso da linguagem neutra não leva ao desuso das flexões de gênero, mas acrescenta outras que escapam do binarismo masculino e feminino. “É uma coexistência sistemática, e demonstra como a língua é viva e pode ser expandida. Não está se negando masculino e feminino, mas há vidas que escapam a esse binarismo”, afirmou Jeferson, que é doutorando em Educação no Programa de Pós-graduação em Educação da UFRGS, na linha de Pesquisa em Educação, Sexualidade e Relações de Gênero.
Autodeclarado multiartista transmasculino não-binário, Gabz404 enfatizou que é necessário pensar na linguagem neutra para além de uma mudança no aspecto estrutural da língua falada e escrita, o que passaria por um maior interesse pelas pessoas. “Saber com quem estamos falando e como a pessoa deseja ser tratada faz parte da linguagem inclusiva”, afirmou. Idealizador e realizador do projeto de ativismo artístico Ser Trans, contemplado pelo edital da campanha Eu Sou Respeito, Gabz404 fez questão de utilizar a linguagem neutra elaboração do projeto, mas acredita que ainda é preciso levar essa linguagem para outros espaços. “As nossas vivências como pessoas trans estão muito entrelaçadas às violências de linguagem que a gente sofre”, ressaltou.
Michel Kleinschmidt, servidor do MPF e presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Rio do Sul (SC), disse acreditar que a linguagem utilizada ao nos referirmos às pessoas com deficiência, por vezes, acaba reforçando o capacitismo. Ele destacou que o uso de expressões como “pessoas portadoras de deficiência” ou “com necessidades especiais” devem ser evitadas, assim como a conjunção “mas”. “Ele é cego, MAS mora sozinho. Esse ‘mas’ carrega a ideia de que as pessoas com deficiência seriam incapazes, e seria algo fora do normal vê-las vivendo suas vidas e construindo seus destinos”, explicou Michel, destacando também a importância de recursos como intérpretes de libras e audiodescrição para garantir o acesso das pessoas com deficiência à informação.
A íntegra do evento está disponível aqui.
Projeto Lugar(es) de Fala – Realizado desde 2018, o projeto tem como objetivo promover a abertura de um espaço que possibilite escutas e falas de pessoas engajadas em lutas, movimentos sociais ou causas dos direitos humanos, abordando questões que envolvam principalmente, mas não exclusivamente, reflexões sobre gênero, raça, desigualdade social, e entendendo a arte como uma forma de “fala”.
A edição anterior, realizada no mês de janeiro, em parceria com a Comissão Pró-Equidade de Gênero e Raça da Procuradoria Regional da República da 4ª Região (PRR4), abordou o tema Somos Plurais, em referência ao Dia da Visibilidade Trans.
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