Indígenas
8 de Setembro de 2021 às 15h10
Obras da BR-319 devem ser suspensas até que povos indígenas e tradicionais sejam consultados, recomenda MPF
Sem consulta prévia, livre e informada, eventual licenciamento ambiental é irregular; construção e início de plano de fiscalização em territórios tradicionais no âmbito da BR-319 é urgente
Foto: Canva (Reprodução proibida)
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que suspenda todas as medidas administrativas e executivas em andamento relacionadas à BR-319 até que seja realizada consulta prévia, livre e informada com todos os povos indígenas e tradicionais potencialmente impactados pela reconstrução da rodovia. A suspensão se aplica especialmente ao segmento C (km 177,8 a 250) e ao chamado ‘trecho do meio’ (km 250 a 655,7), com exceção de medidas emergenciais de manutenção para evitar maiores danos.
A recomendação também foi encaminhada ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), à Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), à Fundação Nacional do Índio (Funai), ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema).
De acordo com o documento, a consulta deve ser realizada nos moldes previstos na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e deve incluir os povos indígenas, ribeirinhos, extrativistas e outros tradicionais que, independente da regularização de seu território tradicional, estão na área de influência da BR-319, conforme termo de referência elaborado pela Funai e parecer do MPF.
O MPF esclarece que a consulta prévia aos povos indígenas e tradicionais não se confunde com as audiências públicas inseridas no processo de licenciamento ambiental, que têm caráter apenas informativo, sendo realizadas após a conclusão dos estudos de impacto ambiental. “O procedimento de consulta deve garantir a efetiva participação das comunidades afetadas, não devendo se constituir em processo apenas informativo e meramente formal”, afirma o órgão.
Na recomendação, o MPF alerta que a ausência da consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas e às populações tradicionais compromete o processo de licenciamento de forma incorrigível, obrigando à anulação de todos os atos administrativos relacionados ao processo.
Proteção permanente – O MPF recomendou também a construção imediata, em caráter emergencial, de um plano de proteção, monitoramento e fiscalização permanente nos territórios tradicionais com potencial impacto da rodovia, priorizando as áreas já impactadas pelas pressões existentes, como aquelas nos municípios de Canutama, Humaitá, Manicoré e Tapauá. O plano deve ser apresentado ao MPF em 30 dias, com prazo máximo de implementação de 60 dias.
A definição das comunidades a serem abrangidas pela recomendação – potencialmente afetadas pela rodovia, localizadas na área de influência da BR-319 – deve ser considerada a partir da conectividade que a rodovia trará; do seu papel no desmatamento e nos impactos ambientais dos empreendimentos correlatos como mineração, agricultura extensiva de soja e pecuária; dos impactos de pavimentação que corta um ecossistema sensível em um contexto socioeconômico frágil, atravessando uma região sem regularização fundiária suficiente.
Neste contexto, o MPF ressalta que a Portaria Interministerial nº 60/2015, de modo a ser adequada à Constituição Federal e às leis vigentes, deve ser interpretada como apresentando parâmetros mínimos de distância para que se considere a existência de intervenção em territórios tradicionais em caso de potencial impacto, como o raio de 10 quilômetros em caso de rodovia e 40 quilômetros se a atividade for desenvolvida na região da Amazônia Legal. “O foco dos estudos que visam mensurar os impactos, a partir das disposições normativas, deve tomar a quilometragem proposta na Portaria Interministerial nº 60/2015 como parâmetro mínimo e seguir as conectividades viárias, hidrológicas, ecossistêmicas e socioambientais para determinar os impactos e sua magnitude transcendendo a mera limitação quilométrica”, esclarece o MPF.
Violações estão acontecendo – O MPF ressalta na recomendação os inúmeros documentos, denúncias, cartas e pedidos de apoio que segue recebendo dos povos indígenas e tradicionais com potencial impacto da BR-319. Ameaças, desmatamento, grilagem de terra, conflitos fundiários, caça e pesca ilegal, assoreamento de igarapés são alguns dos danos já ocorrendo diretamente ligados à reabertura da BR-319 e que necessitam de resposta firme e urgente do poder público.
Além disto, a insistência dos órgãos públicos em excluir os povos tradicionais da consulta nos moldes da Convenção n. 169 da OIT é mais uma entre as violações de seus direitos. Mesmo sem a emissão da licença prévia ambiental para o ‘trecho do meio’, o Dnit publicou, em 2020, editais de obras de serviços de recuperação (conservação/manutenção) para extensões inseridas no segmento C e no ‘trecho do meio’, sem consulta prévia aos povos indígenas e população tradicionais afetadas.
Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Amazonas
(92) 2129-4700
pram-ascom@mpf.mp.br
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8 de Setembro de 2021 às 15h10
Obras da BR-319 devem ser suspensas até que povos indígenas e tradicionais sejam consultados, recomenda MPF
Sem consulta prévia, livre e informada, eventual licenciamento ambiental é irregular; construção e início de plano de fiscalização em territórios tradicionais no âmbito da BR-319 é urgente
Foto: Canva (Reprodução proibida)
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que suspenda todas as medidas administrativas e executivas em andamento relacionadas à BR-319 até que seja realizada consulta prévia, livre e informada com todos os povos indígenas e tradicionais potencialmente impactados pela reconstrução da rodovia. A suspensão se aplica especialmente ao segmento C (km 177,8 a 250) e ao chamado ‘trecho do meio’ (km 250 a 655,7), com exceção de medidas emergenciais de manutenção para evitar maiores danos.
A recomendação também foi encaminhada ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), à Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), à Fundação Nacional do Índio (Funai), ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema).
De acordo com o documento, a consulta deve ser realizada nos moldes previstos na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e deve incluir os povos indígenas, ribeirinhos, extrativistas e outros tradicionais que, independente da regularização de seu território tradicional, estão na área de influência da BR-319, conforme termo de referência elaborado pela Funai e parecer do MPF.
O MPF esclarece que a consulta prévia aos povos indígenas e tradicionais não se confunde com as audiências públicas inseridas no processo de licenciamento ambiental, que têm caráter apenas informativo, sendo realizadas após a conclusão dos estudos de impacto ambiental. “O procedimento de consulta deve garantir a efetiva participação das comunidades afetadas, não devendo se constituir em processo apenas informativo e meramente formal”, afirma o órgão.
Na recomendação, o MPF alerta que a ausência da consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas e às populações tradicionais compromete o processo de licenciamento de forma incorrigível, obrigando à anulação de todos os atos administrativos relacionados ao processo.
Proteção permanente – O MPF recomendou também a construção imediata, em caráter emergencial, de um plano de proteção, monitoramento e fiscalização permanente nos territórios tradicionais com potencial impacto da rodovia, priorizando as áreas já impactadas pelas pressões existentes, como aquelas nos municípios de Canutama, Humaitá, Manicoré e Tapauá. O plano deve ser apresentado ao MPF em 30 dias, com prazo máximo de implementação de 60 dias.
A definição das comunidades a serem abrangidas pela recomendação – potencialmente afetadas pela rodovia, localizadas na área de influência da BR-319 – deve ser considerada a partir da conectividade que a rodovia trará; do seu papel no desmatamento e nos impactos ambientais dos empreendimentos correlatos como mineração, agricultura extensiva de soja e pecuária; dos impactos de pavimentação que corta um ecossistema sensível em um contexto socioeconômico frágil, atravessando uma região sem regularização fundiária suficiente.
Neste contexto, o MPF ressalta que a Portaria Interministerial nº 60/2015, de modo a ser adequada à Constituição Federal e às leis vigentes, deve ser interpretada como apresentando parâmetros mínimos de distância para que se considere a existência de intervenção em territórios tradicionais em caso de potencial impacto, como o raio de 10 quilômetros em caso de rodovia e 40 quilômetros se a atividade for desenvolvida na região da Amazônia Legal. “O foco dos estudos que visam mensurar os impactos, a partir das disposições normativas, deve tomar a quilometragem proposta na Portaria Interministerial nº 60/2015 como parâmetro mínimo e seguir as conectividades viárias, hidrológicas, ecossistêmicas e socioambientais para determinar os impactos e sua magnitude transcendendo a mera limitação quilométrica”, esclarece o MPF.
Violações estão acontecendo – O MPF ressalta na recomendação os inúmeros documentos, denúncias, cartas e pedidos de apoio que segue recebendo dos povos indígenas e tradicionais com potencial impacto da BR-319. Ameaças, desmatamento, grilagem de terra, conflitos fundiários, caça e pesca ilegal, assoreamento de igarapés são alguns dos danos já ocorrendo diretamente ligados à reabertura da BR-319 e que necessitam de resposta firme e urgente do poder público.
Além disto, a insistência dos órgãos públicos em excluir os povos tradicionais da consulta nos moldes da Convenção n. 169 da OIT é mais uma entre as violações de seus direitos. Mesmo sem a emissão da licença prévia ambiental para o ‘trecho do meio’, o Dnit publicou, em 2020, editais de obras de serviços de recuperação (conservação/manutenção) para extensões inseridas no segmento C e no ‘trecho do meio’, sem consulta prévia aos povos indígenas e população tradicionais afetadas.
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