Missão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do “Programa Fazendo Justiça”, e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), está em Manaus, tratando sobre a implementação, no Estado do Amazonas, do “Projeto de Identificação Civil da População Carcerária”. A programação da comitiva dos dois órgãos nacionais começou com uma reunião, nesta segunda-feira (27/03), com representantes do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) para apresentar funcionamento, objetivos e estratégias do projeto, cujo lançamento oficial, no Estado, acontecerá na próxima sexta-feira (31/03), às 10h, no auditório do Centro Administrativo Des. José de Jesus F. Lopes, anexo à Sede do TJAM, com a participação de todas as instituições signatárias da ação.
A criação de estrutura ampla e permanente para assegurar a documentação civil a pessoas que tenham tido contato com o sistema prisional é inédita na América Latina e integra as ações realizadas com apoio técnico do “Fazendo Justiça”, parceria do CNJ com o “Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)”, com apoio do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, para enfrentar desafios estruturais no campo da privação de liberdade. A proposta é que cada pessoa beneficiada pelo programa tenha acesso a emissão de um combo de, no mínimo, seis documentos (Certidão de Nascimento; Registro Geral; CPF; Título de Eleitor; Certificado de Reservista e Registro Nacional Migratório – RNM).
Além do CNJ, participam da iniciativa a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen); o PNUD; o Tribunal Superior Eleitoral (TSE); os Tribunais de Justiça; as Secretarias de Administração Penitenciária; Institutos de Identificação e Cartórios de Registro Civil; entre outros parceiros nacionais e locais da ação. O Amazonas será o 20.° Estado a aderir à “Ação Nacional de Identificação e Documentação Civil de Pessoas Presas”.
Distribuição de kits
Para apoiar a ação de documentação, foi iniciada desde agosto de 2021 a distribuição, por parte do CNJ, de aproximadamente 5,4 mil kits de coleta biométrica a todos os Tribunais de Justiça, Seções Judiciárias Federais (SJFs) e Circunscrições Judiciárias Militares (CJMs) do País, cobrindo todas as portas de entrada no sistema prisional. As unidades prisionais estaduais e federais também serão equipadas com o mesmo aparato e irão auxiliar na emissão dos documentos daquelas pessoas que já se encontram em privação de liberdade.
O Estado do Amazonas recebeu um total de 97 kits, sendo 72 deles para o Tribunal de Justiça do Amazonas visando à capital e às comarcas; 16 para a Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (Seap); 8 para a SJF e 1 repassada para a CJM.
A aquisição dos kits biométricos foi possível por meio de “Termo de Execução Descentralizada” assinado entre CNJ e Ministério da Justiça e Segurança Pública em 2018, um dos pilares que deu origem ao “Programa Justiça Presente” – hoje “Programa Fazendo Justiça”. A estratégia teve início na gestão do ministro Dias Toffoli à frente do CNJ, como parte das 28 ações estratégias para enfrentar o estado de coisas inconstitucionais que marcam o sistema prisional brasileiro.
O “Sistema de Identificação Civil Nacional”, instituído pela Lei n.º 13.444/2017, será utilizado por mais de 150 instituições parceiras com a missão de realizar a identificação biométrica e biográfica das pessoas privadas de liberdade. Além disso, foi desenvolvido fluxo de processos e atores para funcionamento permanente da ação, garantindo sua sustentabilidade.
Início na custódia
Na porta de entrada, o processo tem início na audiência de custódia, fortalecendo as demais ações de qualificação que estão em curso e na coleta de informações dos sistemas do Judiciário. Por sua vez, a identificação das pessoas que já se encontram em privação de liberdade ocorrerá nas unidades prisionais.
A coordenadora da missão e assistente técnica do Núcleo de Identificação Civil e Documentação do “Programa Fazendo Justiça (CNJ/PNUD)”, Thais Barbosa Passos, informa que o Estado do Amazonas é o 20º a receber a ação nacional, faltando o Estado de Rondônia para atender toda a Região Norte. “A ideia é que todos os Estados tenham uma padronização na ação, visando a garantir a emissão desses documentos. Foi diagnosticado que parte da população sai do sistema prisional sem acesso a políticas públicas e fazendo com que retornem. A ideia é quebrar esse ciclo de reincidências e, também, com essa falta de acesso às políticas públicas por ausência de documentação civil básica”, disse Thais Passos ao final da reunião desta segunda-feira, na Sede do TJAM.
Além de Thais Barbosa Passos, participaram da reunião, pelo CNJ, as assistentes técnicas do CNJ PNUD, Tamiz Lima Oliveira e Flávia Franco Silveira; o assistente técnico do Núcleo do CNJ/PNUD, Gildo Joaquim de Alves Rêgo; e a coordenadora Estadual do “Programa Fazendo Justiça (CNJ/PNUD)”, Luanna Marley de Oliveira e Silva.
O TJAM esteve representado pela presidente do Poder Judiciário, desembargadora Nélia Caminha Jorge; pelo juiz auxiliar da Presidência, Igor Campagnolli; pelo juiz auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça, Rafael Almeida Cró Brito; pela juíza-coordenadora do Grupo de Monitoramento e Fiscalização Carcerária (GMF/TJAM), Ana Paula de Medeiros Braga Bussulo; pela consultora jurídica da Presidência, Tocla Rattes; pelo juiz titular da 1.ª Vara de Tabatinga, juiz auxiliar do GMF/TJAM e, respondendo atualmente pela Vara de Execuções de Medidas e Penas Alternativas (Vemepa), Edson Rosas Neto; pelo diretor de Controle de Fiscalização da Corregedoria-Geral de Justiça, Aldemir da Silva Menezes Medeiros; pelo diretor da Secretaria de
Pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), estavam presentes o assessor chefe da Assessoria de Gestão de Identificação do TSE, Iuri Kisovec; a assessora de gestão de identificação, Marília Loyola Barreiro Rocha; e os servidores da Secretaria de Tecnologia da Informação, Alcides da Silva Júnior e Samuel dos Santos Reis.
Portas abertas
Durante a reunião, o juiz auxiliar da Presidência, Igor Campagnolli, afirmou que “o Tribunal de Justiça está de portas abertas para o CNJ” e que o Poder Judiciário auxiliará o Conselho para a implementação da ação. “Essa reunião visou à implementação do projeto do CNJ com intuito de identificar, civilmente, aqueles que ingressam no sistema penitenciário. Pontuamos questões, como as do interior do Estado, que têm desafios que precisarão ser superados nesta ação, mas o que o Tribunal de Justiça puder fazer para auxiliar, fará, e nesta semana a equipe do CNJ realizará visitas institucionais à Seap e ao Instituto de Identificação da Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP/AM) para implementar o projeto de uma forma concreta”, disse Campagnolli.
40% sem identificação
Para a juíza coordenadora do Grupo de Monitoramento e Fiscalização Carcerária (GMF/TJAM), Ana Paula de Medeiros Braga Bussulo, a questão da identificação das pessoas privadas de liberdade é muito importante e já vinha sendo tratada pelo GMF/TJAM e Seap em reuniões anteriores visando à solução dessa demanda.
“Nos foi apresentado pela Seap que mais ou menos 40% da população carcerária não possui nenhum tipo de identificação em todas as unidades prisionais do Estado do Amazonas. Esse número é altíssimo e precisamos regularizá-lo. Esse treinamento e implementação da identificação civil por meio da parceria entre CNJ, TSE e Tribunal de Justiça vem em boa hora justamente para suprir essa necessidade. E no interior também temos dificuldades que, na verdade, é uma realidade de todo o Estado. No interior há um índice muito grande de subnotificação do próprio Registro Civil e isso depois culmina, se a pessoa lá na frente for ingressar no sistema prisional sem nenhum tipo de identificação”, analisa a magistrada.
Nova dimensão
Segundo o juiz Edson Rosas Neto, a identificação civil das pessoas privadas de liberdade traz uma nova dimensão e um novo leque de oportunidades para elas. “Essa identificação é muito importante, porque são pessoas que não existem para a sociedade civil e que acabam não tendo perspectivas de outra vida que não ingressar no universo do crime. Quando você dá a oportunidade para a pessoa sair de um sistema prisional com a identificação civil, com o título de eleitor ela tem uma nova dimensão e um novo leque de oportunidades justamente para sair desse mundo e evitar qualquer tipo de reincidência”, comentou.
O magistrado da 1.º Vara de Tabatinga lembrou das palavras da ministra do STF, Rosa Weber, em evento realizado em Tabatinga (distante 1.105 quilômetros de Manaus), “existem muitos Brasis dentro do nosso próprio país”, e citou aos membros do CNJ que a realidade do interior do Estado é extremamente peculiar, principalmente por conta da precariedade da internet, da quantidade de servidores e da questão indígena e de estrangeiros por conta do que ocorre na fronteira.
“O CNJ se mostrou bastante atento a essas nossas peculiaridades. Essa reunião foi extremamente positiva e eu estou muito esperançoso para essa nova realidade que vamos oportunizar a essas pessoas. Todo ser humano é maior do que o seu erro, então nós precisamos, como Estado, dar oportunidade para esse ser humano não mais errar nem entrar para o universo do crime”, afirmou Edson Rosas Neto.
O assessor chefe da assessoria de gestão de identificação do TSE, Iuri Kisovec, informou que “mais de 88% da população com mais de 16 anos no Amazonas está cadastrada pela Justiça Eleitoral” e que foram “coletadas as biometrias das digitais e garantindo o registro dessas pessoas, tanto para fins eleitorais quanto, agora, para fins de identificação civil nacional, conforme a Lei n.º 13.444, de 2017, que determina que o TSE deve identificar todos os brasileiros, inclusive aqueles que estejam privados de liberdade”. Ele acrescenta que a partir da identificação as pessoas terão maior acesso a serviços públicos e maior facilidade de serem reinseridos na sociedade após saída do sistema prisional.