No encerramento do VIII Seminário de Planejamento Estratégico Sustentável do Poder Judiciário, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Benedito Gonçalves trouxe aos participantes reflexões sobre a discriminação racial.
O magistrado lembrou que o tema combate ao racismo está inserido no assunto desenvolvimento sustentável, fazendo parte da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Benedito Gonçalves destacou que a Constituição Federal brasileira preconiza o princípio da igualdade em uma sociedade justa para todos e que a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível.
Ele acrescentou que o racismo precisa ser tratado em duas dimensões. O racismo institucional, segundo ele, é menos evidente e se reflete, por exemplo, na desconfiança de agentes de segurança sobre a população negra sem justificativa. A outra vertente é o racismo estrutural, ainda menos perceptível.
“O racismo estrutural está cristalizado na cultura do povo de um modo que, muitas vezes, nem parece racismo. A presença do racismo estrutural pode ser constatada pelas poucas pessoas negras que ocupam lugar de destaque nas instituições”, afirmou.
Estratégias normativas para aperfeiçoar legislação
O magistrado pontuou os trabalhos desenvolvidos pela comissão de juristas negros – instituída pela Câmara dos Deputados – para estudar e propor estratégias normativas para o aperfeiçoamento da legislação de combate ao racismo institucional e estrutural.
Presidida pelo ministro Benedito Gonçalves, a comissão trabalha para dotar o sistema jurídico de instrumentos para combater problemas como o encarceramento em massa da população negra e a violência das abordagens policiais, além de atuar no cruzamento do racismo com outros tipos de discriminação, como o machismo e a homofobia.
“Em relação à dimensão institucional do racismo, as questões jurídicas podem servir como elemento muito importante na luta antirracista, seja no aspecto ideológico, seja no aspecto técnico jurídico”, explicou.
Para ele, quem trava a batalha contra o racismo deve atingir um horizonte mais amplo – que é o do racismo estrutural. “Isso implicaria em lidar com questões que não se vinculam à questão racial de modo direto, mas estão na base do racismo – e esse é mais disfarçado. Estou falando de normas relacionadas ao direito econômico, social e político”, ressaltou.
Benedito Gonçalves defendeu, no entanto, cautela estratégica no tratamento do tema e no enfrentamento das questões com sabedoria. De acordo com ele, o STJ e a sociedade brasileira devem ter o texto constitucional como norteador para efetivamente lutar contra qualquer tipo de discriminação.
Inclusão de vítimas de violência doméstica
O painel Inclusão de cotas em contratos de terceirização para mulheres que sofrem violência doméstica – ODS 5 teve a mediação da servidora da Assessoria de Gestão Socioambiental (AGS) Victoria Moreno da Silva. A primeira palestrante, a diretora-geral do Senado Federal, Ilana Trombka, destacou a necessidade de um esforço maior das instituições para alcançarem mulheres vítimas de violência.
Ilana observou que muitas mulheres estão presas em um ciclo que acaba por naturalizar a vitimização. “Sou judia e tivemos a experiência da naturalização da violência nos campos de concentração. Foi um mecanismo de sobrevivência, que muitas vítimas adotaram”, refletiu.
Em 2016, Ilana levou ao Senado a sugestão de criação de cotas em postos terceirizados para mulheres vítimas de violência, o que foi implementado. “Essa independência financeira é essencial para romper ciclos de violência”, asseverou. Ela destacou que hoje a nova Lei de Licitações (Lei 14.333/2021) abriu espaço para órgãos públicos adotarem o mesmo sistema.
A segunda palestrante do dia foi a juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e autora do livro Invisíveis Marias, Rejane Suxberger. Ela saudou a luta constante do STJ pelas pautas sociais. “A pandemia e a crise econômica agravaram os problemas sociais e impactaram, especialmente, as mulheres”, observou.
Para a juíza, o gênero feminino sofre discriminação independentemente de classe social ou etnia, como nos casos de maternidade e mercado de trabalho. “Uma em cada quatro mulheres sofre violência no mundo. No Brasil, 23% das mulheres são agredidas em suas próprias casas, na grande maioria, pelo marido ou companheiro”, informou.
Rejane Suxberger trouxe dados de uma pesquisa do IPEA segundo a qual mulheres ativas no mercado de trabalho têm menos chance de ser vitimadas pela violência. “Não é só uma pauta das mulheres. Temos perda de produtividade, custos de tratamentos e aumento da evasão escolar, que afetam toda a sociedade”, comentou.
Compras públicas sustentáveis
O segundo painel do último dia de evento teve como tema a Nova Lei de Licitações e o Desenvolvimento Sustentável – ODS 6. O palestrante Thiago Uehara, pesquisador do Instituto Chantam House, da Inglaterra, pontuou que é necessário pensar em “compras sustentáveis 2.0” e informou que compras públicas movimentam mais de US$ 13 trilhões por ano no mundo.
“Inovação em compras públicas não é um privilégio de países ricos. O Brasil dá um belo exemplo, especialmente em compras de alimentos, com a transparência e a preocupação com a origem dos produtos”, comentou. Para o pesquisador, é necessário superar o modelo dos anos 1990 de desenvolvimento ligado ao consumismo.
O secretário adjunto de gestão do Ministério da Economia, Renato Fenilli, afirmou que não se pode mais pensar em contratações não sustentáveis. “Elas são simplesmente ilegais. O marco legal da Lei de Licitações traz a sustentabilidade como princípio obrigatório”, destacou.
Segundo ele, as compras feitas pelos entes públicos devem levar em conta aspectos sociais, culturais e econômicos e seguir diretrizes como os ODS, os Planos de Logística Sustentável e a estratégia dos órgãos e entidades. Além disso, na sua opinião, há várias lacunas que o Judiciário deverá preencher, como se incluirá ou não mulheres trans na definição de “mulher”, ou se a violência é só doméstica ou familiar. “O Judiciário terá um importante papel resolvendo isso”, declarou.